domingo, 7 de junho de 2009

097 - Júlio Dinis " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

foto "Júlio Dinis" Wikipédia.





JÚLIO DINIS
Joaquim Guilherme Gomes Coelho.
"Diana de Aveleda"(pseudónimo)
Nasceu, 14 de novembro de 1839,
signo de escorpião,
cidade do Porto, Portugal.
Médico, escritor, professor . . .
Faculdade de Medicina do Porto.
Homenagens: pelo menos
70 ruas possuem o nome "Júlio Dinis"
em todo Portugal . . .
Desenho de Júlio Dinis, Livro
"As Pupilas Do Senhor Reitor",
por Roque Gameiro.
Busto monumento situado no Porto
(foto ao lado).
Museu "Júlio Dinis", Ovar, 1996.
Faleceu 12 de setembro de 1871.


*
CANTOePALAVRAS
As Pupilas do Senhor Reitor, 1867;
A Morgadinha dos Canabiais, 1868;
Uma Família Inglesa, 1868;
Serões da Província, 1870;
Os Fidalgos da Casa Mourisca, 1871; Poesias, 1871;
Inéditos e Dispersos, 1910 . . .
Os Novelos da Tia Filomena, 1862(Diana de Aveleda);
Espólio do Senhor Cipriano, 1863 (Diana Avelar). . .
*
I
É força descrer. Na vida
Sucumbe toda a ilusão
Como a flor da haste pendida
Murcha ao sopro do tufão.
-
Fantasias vãs da infância
Deixai-me; sois mentirosas.
Pintaveis-me a vida estância
Coberta de mirto e rosas.
-
E, ao perto, o mirto e as rosas
Em espinhos se tornaram.
Essas horas venturosas
Bem amargas se mostraram.
-
Descrever é fatal destino
Que espera o homem na vida.
E não há poder divino
Que lhes sirva de guarida.
-
Descrever? descrever? muito custa
Quando o peito é de vinte anos,
Quando a alma inda se assusta
Ao clarão dos desenganos.
-
Pobre alma! pobre seio!
Ai que martirio sofreste.
Inda ontem de ilusões cheio
E hoje já quantas perdeste!
-
E agora que mais me resta?
Qual, ó alma a tua sorte!
Já que a vida é tão funesta
Aspira, sómente à morte.
*
JÚLIO DINIS
"Desalento"
Poesias
*
II
Vida! quero viver! quero em prazeres
Sequioso saciar-me!
D'este frio letargo, em que hei vivido,
Quero, enfim, libertar-me!
P'ra longe o manto da indeferença! Aos gôsos!
Eia! aos festins da vida!
Os mais convivas se sentaram há muito.
Dai-me a parte devida.
P'ra longe pensamentos de tristeza,
Gelado desalento!
Vou embriagar-me nas ardentes taças
Beber n'elas o alento.
Mundo, dá-me o prazer que aos mais concedes!
Da isolação, adeus repouso.
Adeus . . . p'ra sempre eu parto!
Os rumores da turba escuto ao longe
No seio dos fulgores;
E só eu, frio, cruzarei os braços,
Foto ilustração do livro "As Púpilas do Senhor Reitor".
Não buscarei seus lares?
Oh! não; é tempo, as alegrias chamam-me.
Antes de exausta a taça
Corramos a beber n'ela, que o gôso
Co'a a juventude passa.
Amigos, esperai, eu já vos sigo.
Louco do que se isola!
Nem se torna melhor, nem suas penas
Na solidão consola.
Vamos ao menos no rumôr das festas
Sufocar este grito,
Que nos brada: - Padece, que de lágrimas
Foi teu destino escrito -
Vamos . . . ao menos no fulgor dos bailes
Fascinemos a vista.
Talvez aí se encontre o esquecimento,
Talvez o gôso exista.
Quebremos esta lápide marmorea
Que nos cingia em vida.
Ressuscitemos! Eia, ó alma, acorda
Desta feral jazida.
Vamos! . . . às festas, ao prazer, aos cantos
Às flores e harmonias.
Taças a transbordar, luzes fulgentes,
Delirantes orgias!
E, então, no meio do delírio férvido.
Perdido, embriagado,
Talvez encontre a paz que embalde tenho
Na solidão buscado.
*
JÚLIO DINIS
"Exaltação"
Poesias
*
III
No passado, uma saudade.
No presente, uma amargura,
E no futuro, uma esp'rança
De imaginária ventura;
Eis no que consiste a vida.
-
Imposta por Deus ao homem.
N'isto se consomem dias!
N'isto anos se consomem!
-
Saudade é flor sem perfumes
Quando ainda verdejante,
Mas à medida que murcha,
Ai, que aroma inebriante!
-
A amargura é duro espinho,
Que nas carnes penetrando,
Faz desesperar da vida,
Suas flores definhando.
-
A esperança é frouxa luz
Que nas trevas nos fulgura;
Vendo-a, ousados caminhamos;
Mas, ai, que bem pouco dura;
-
Quantos mais passos andados
Na agra senda desta vida,
Mais amargo é o presente,
E a saudade mais sentida.
-
Mas a esperança não; os anos
Fazem-lhe perder o brilho;
Caem-lhe uma a uma as folhas
Da existência pelo trilho.
-
A velhice nada espera,
Nada de esperança lhe dura . . .
Mas não, cansada da vida,
Tem a paz da sepultura.
-
Tem a morada fulgente
Da inteligência divina;
Tem as regiões sagradas,
Que eterno Sol ilumina.
-
Bendito sejas, meu Deus!
que nos dás na vida inteira
A filha dos céus, a esperança,
Por suave companheira.
-
Ela nos enxuga o pranto,
O pranto alegre e amargoso;
Não a acusemos de pérfida,
Esperar já é um gôso.
-
A mente, esperando concebe.
Concéção sempre iludida
Prazeres talvez entrevistos
Nas cenas duma outra vida.
-
Esperemos, pois companheiros
Desta fadigosa viagem!
Se a esperança é a imagem do gôso,
Adoremos essa imagem.
-
E cruzando este oceano
Com os olhos no porvir.
Esqueçamos no presente
Seu horroroso bramir.
-
E quando enfim, já cansados.
Reclinarmos nossa fronte.
Que a esperança nos revele
Mais dilatado horizonte.
*
JÚLIO DINIS
"A Esperança"
Poesias
*
IV
Morena, morena
Dos olhos castanhos,
Quem te deu morena,
Encantos tamanhas?
-
Encantos tamanhos
Não vi nunca assim.
Morena, morena
Tem pena de mim.
-
Morena, morena
Dos olhos rasgados,
Teus olhos, morena
São os meus pecados.
-
São os meus pecados
Uns olhos assim.
Morena, morena
Tem pena de mim.
-
Morena, morena
Dos olhos galantes.
Teus olhos morena
São dois damantes.
-
São dois diamantes
Olhando-me assim.
Morena, morena
Tem pena de mim.
-
Morena, morena
Dos olhos morenos,
O olhar desses olhos
Concede-me ao menos.
-
Concede-me ao menos
Não sejas assim
Morena, morena
Tem pena de mim.
*
JÚLIO DINIS
"Morena"
As Pupilas do Senhor Reitor
*
V
Fugi, andorinhas; em mais longes plagas
Buscai outras praias, florestas e céu
Que é triste o bramido que soltam as vagas
E um vento presago nos bosques gemeu.
-
Fugi, namoradas das flores e estrelas,
Olhai: estes campos sem flores estão,
E cêdo os espaços, á voz das procelas,
Sinistros, cerrados, sem luz ficarão.
-
Fugi, apressai-vos, alados viajantes,
Em bandos ligeiros os mares cruzai
Por outros países, por selvas distantes
Mais flores e aromas, mais luz procurai.
-
Deixai estes montes de neve c'roados,
As selvas despidas, e as folhas sem côr,
As grossas torrentes e os troncos quebrados
E os vales cobertos de denso vapor.
-
E quando, mais tarde, na verde campina,
As rosas voltarem com viço a florir,
E as serras, depidas da intensa neblina,
Virentes, formosas se virem surgir;
-
E quando deslizem na praia arenosa
Mais lentas, mais brandas, as vagas do mar,
E sa laranjeiras de copa frondosa
Caírem as flores no chão do pomar;
-
E quando fugirem, informes, pesadas,
As nuvens sombrias que se erguem do sul,
Correndo dispersas e em flocos rasgadas,
Nos plainos imensos de um limpido azul.
-
Voltai; nova quadra de amores vos chama;
Dos climas distantes p'ra estes parti;
Então tudo é vida, já tudo se inflama,
Há luz, há perfume, faltais vós aqui!
-
Voltai que de novo serão florescentes
As selvas, os prados, o monte, os vergeis;
Quietas as brizas, as águas dormentes
Nos lagos tranquilos de novo vereis.
-
Só eu, que vos sigo com vistas saudosas
Ao vosso desterro, dos mares além,
Já quando no prado brotam as rosas,
Talvez eu reviva co'as rosas também.
-
Ai, não, não revivo, que o vento do outono
Gemendo angustiado nas brenhas do val,
Convida-me ao leito do plácido sono,
E as nenias entôa do meu funeral.
-
Eu morro! Na chama do Sol que declina
Bem sinto o preságio d'um próximo fim.
Se um dia voltardes á vossa colina.
Ó doces amigas lembrai-vos de mim;
-
D'aquele que, triste, vagando no olmedo,
O adeus da partida vos veio dizer.
Quem sabe das campas o oculto segredo?
Talvez vossos cantos eu possa entender.
-
Talvez que ao ouvir-nos a queixa sentida
Quebrando das noites a triste mudez,
Á sombra dos cedros da escura avenida
Acorde, a escutar-vos ainda uma vez.
*
JÚLIO DINIS
"As Andorinhas"
Poesias
*
VI
És bela, sim, quando, corando, foges
Dum beijo perseguida;
Ou quando cedes com mais pejo ainda,
Mas na luta vencida.
-
És bela, sim quando, banhada em lágrimas,
Soltas mimosas queixas;
Ou quando comovida por meus prantos,
Já ameigar-te deixas.
-
És bela, sim, à luz do Sol nascente
Regando tuas flores,
Ou com os olhos no ocaso e o pensamento
No país dos amores.
-
És bela sempre, e o mesmo fogo acendes
No coração do poeta;
És bela sempre, ó linda flor do prado,
Ó mimosa violeta.
*
JÚLIO DINIS
"És Bela"
Poesias
*
VII
Vês as nuvens no azul do firmamento
De brancura ofuscantes,
Como impelidas por tufão violento
Se formam em legiões extravagantes?
-
Olha; acolá reunidas uma a uma
Um trono simbolizam;
Ali, rasgam-se em flocos, como a espuma
Das vagas crespas que em areais deslizam.
-
Mais longe, vês? as massa vaporosas
Informe monstro imitam;
E além, tingidas pela cor das rosas,
Paços que ocultas mágicas habitam.
-
Agora, vastos pórticos, ogivas,
E um longo peristilo,
Colunas, capitéis, arcadas vivas,
Arquitecturas de ignorado estilo.
-
Logo por esses plainos dispersadas
Pelo sopro do vento,
Como níveos cordeiros às manadas
Sucedem-se velozes cento a cento:
-
Ora parecem gigantescas serras
Com seus eternos gelos;
Ora planícies de nevadas terras,
E das águas boreais os caramelos:
-
Ali nos representam funda gruta
E rochas diamantinas;
Acolá mil exércitos em luta;
Mais além, mil cidades em ruinas.
-
E sabes tu no que essas formas vagas
Perto de nós se tornam?
Dize, quando no prado a sós divagas,
Tens visto as gotas que o vegei adornam?
-
Pois são esses os tronos deslumbrantes,
A ogiva preciosa,
Os fustes das colunas de diamantes,
E encantados palácios cor-de-rosa.
-
Esse vasto espectáculo dos ares,
Essas mágicas cenas,
A que presos estão nossos olhares,
Vê-los ao perto? São orvalhos apenas.
-
Bem assim os projetos, áureos sonhos
Que na vida sonhamos;
Belos fantasmas, fúlgidos, risonhos,
Que nos céus do futuro divisamos.
-
Pois que junto de nós, essas imagens,
Essa visão querida,
Desvanecem-se, pérfidas miragens,
Fundem-se como a neve derretida;
-
Esp'ranças no porvir, nuvens formosas,
Em que assim te deleitas,
Como esse orvalho que humedece as rosas
Hás-de vê-las em lágrimas desfeitas.
*
JÚLIO DINIS
"Nuvens"
Poesias
*
VIII
A alvorada foi risonha;
Ergueste-te com o dia.
Eu fiz, naquela alvorada,
Uma alegre profecia.
-
Inda radiava fulgente
Vénus, a saudosa estrela,
Já tu ornavas as tranças
E cantavas à janela.
-
E dos laranjais vizinhos
Ou rouxinóis acordados
Respondiam-te com trinos
Da tua voz namoradas.
-
Dos virentes jasmineiros,
Que a primavera enflorava,
vinha cheio de perfumes
O vento que te beijava.
-
Quem dissera então ao ver-te
Nessa risonha alvorada,
Que à noite, estrela cadente,
Serias inanimada?
*
JÚLIO DINIS
"A Vida"
Poesias
*
IX
Trigueira! Que tem? Mais feia
Com essa cor te imaginas?
Feia! tu, que assim fascinas
Com um só olhar dos teus!
Que ciúmes tens da alvura
Desses semblantes de neve!
Ai, pobre cabeça leve!
Que te não castigue Deus.
-
Trigueira! Se tu soubesses
O que é ser assim trigueira!
Dessa ardilosa maneira
Por que tu o sabes ser;
Não virias lamentar-te,
Toda sentida e chorosa,
Tendo inveja à cor da rosa,
Sem motivos para a ter.
-
Trigueira! Porque és trigueira
É que eu assim te quis tanto.
Dai provém todo o encanto
Em que me trás este amor.
E suspiras e murmuras!
Que mais desejavas inda?
Pois serias tu mais linda,
Se tivesses outra cor?
-
Trigueira! Onde mais realça
O brilhar duns olhos pretos,
Sempre húmidos, sempre inquietos,
Do que numa cor assim?
Onde o correr duma lágrima
Mais encantos apresenta?
E um sorriso, um só, nos tenta,
Como me tentou a mim?
-
Trigueira! E choras por isso"
Choras, quando outras te invejam
Essa cor, e em vão forcejam
Por, como tu, fascinar?
O louca, nunca mais digas,
Nunca mais, que és desditosa.
Invejar a cor da rosa,
Em ti, é quase pecar.
-
Trigueira! Vamos, esconde-me
Esse choro de criança.
Ai, que falta de confiança!
Que graciosa timidez!
Enxuga os bonitos olhos,
Então, não chores, trigueira,
E nunca dessa maneira
Te lamentes outra vez.
*
JÚLIO DINIS
"Trigueira"
As Pupilas do Senhor Reitor
*
X
Nos toscos degraus da porta
De igreja rústica e antiga,
Velha tremula, mendiga,
Implorava compaixão.
Quase um seculo contado
De atribulada existência,
Ei-la, enferma e na indigência,
Que à piedade estende a mão.
-
duas crianças brincavam 
À distância, na alameda;
Uma trajava de seda,
Da outra humilde era o trajar! 
Uma era rica, outra era pobre,
ambas loiras e formosas,
Nas faces a cor das rosas,
Nos olhos o azul do ar.
-
A rica, ao deixar os jogos,
Vencida pelo cansaço
Viu a mendiga, - e ao regaço
Uma esmola lhe lançou.
Ela recebe-a; e a criança,
Que a socorre compassiva,
Em prece fervente e viva,
Aos anjos encomendou.
-
De um ligeiro sentimento
De vaidade possuída,
À criança mal vestida
Disse a do rico trajar:
" O prazer de dar esmolas
A ti e aos teus não é dado;
Pobre como és, coitado,
Aos pobres o que hás de dar?"
-
Então a criança pobre,
Sem más sombras de desgosto,
Tendo o sorriso no rosto
Da igreja se aproximou,
E após, serena, em silencio,
Ao chegar junto da velha,
Descobrindo-se, ajoelha,
E a magra mão lhe beijou.
-
E a mendiga, alvoroçada,
Ao colo os braços lhe lança,
Chorando de comoção!
É assim que a caridade
Do pobre ao pobre consola;
Nem só da mão sai a esmola,
Sai também do coração.
*
JÚLIO DINIS
"A Esmola do Pobre"

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