sexta-feira, 12 de junho de 2009

094 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT
Nasceu em 18 de abril de 1906, signo áries,
Rio de Janeiro, Brasil.
Poeta, morou na Suíça. . .
Faleceu a 08 de fevereiro de 1965.
*
CANTOePALAVRAS
Canto do Brasileiro, 1926; Cantos do Liberto, 1928;
Navio Perdido, 1929; Pássaro Cego, 1930;
Desaparição da Amada, 1931; Canto da Noite, 1934;
Estrela Solitária, 1940; Mar Desconhecido, 1942;
Fonte Invisível, 1949; Mensagem aos Poetas Novos, 1950;
Poesias Completas, 1956; Aurora Lívida, 1958;
Babilônia, 1959; O Caminho do Frio, 1964;
Sonetos, 1965 . . .
*
I
As colegiais, as raparigas em flor,
Estão escondidas com os seios intatos no fundo da terra,
No fundo da terra onde dormem também
Os grandes do mundo, os bispos vestidos com
as sérias roupagens,
E as freiras, e as velhas, e os pobres anônimos
Que vão para o sono sem termo
Com os corpos desnudos envoltos em pobres lençóis.
-
O fundo da terra e o fundo do mar
São tão misteriosos, tão cheios de estranhos segredos,
De coisas perdidas . . .
*
Vejamos as mortas bem moças ainda:
Estão levantando dos leitos de outrora
Os olhos cansados de tanto dormir.
Que lindos cabelos das ruivas e louras,
Que lindos cabelos se agitam revoltos
Ou descem tranqüilos em tranças serenas!
No entanto, estão mortas, bem mortas.
Que lindos cabelos,
Que mãos delicadas,
Que olhos tão tristes,
que bocas para o amor!
Marina, eras triste como a árvore nua
Que as neves crestaram na dura invernia.
Lucinda, eras quieta como a própria ausência,
Teus gestos tão suaves, tão doces, lembram
Que pertencias ao mundo brutal.
Perdida Luciana, de goivos nas tranças,
Que estranho sorriso errava e fugia
No teu rosto fino!
E tu, misteriosa e estranha mulher em botão,
Ó Estela, perdida no tempo perdido!
Que olhar de prenúncios terríveis, o teu!
Com flores vermelhas nos negros cabelos,
Decerto eras bela, febril e inquietante.
Tua casa tão humilde, na rua distante,
Relembro . . . No entanto, teu rosto moreno à janela
- E um luxo nascia de tudo. E era bela
E estranha essa vida nascendo de ti,
Ó Estela inquietante, por quem me perdi!
Agora o que resta do olhar prometendo
Martírios e risos?
E quero, revendo
As jovens que a morte na dança levou,
De novo encontrar-te sorrindo à janela,
Ó Pássaro estranho que o frio matou,
Ó Estela perdida no tempo perdido!
E tu, que doçura e a alegria da aurora continhas,
Ó branca açucena, Ó lírio do vale,
Mais puro, mais claro, mais simples que o orvalho
Que a noite, partindo, na rosa se abrindo, tão triste chorou
- Matilde, teu riso era a música
Das várzeas perdidas na hora triunfal da manhã.
Teus louros cabelos ao Sol generoso
Secando, tão finos e longos, recordo. . .
E, agora, que resta da tua pureza e doce alegria?
E tantas - ai, tantas! - que estão despertando na hora noturna,
E tantas que estão acordando dos leitos de outrora,
Do fundo da terra surgindo, emergindo
Do fundo da terra, onde dormem também
Os grandes do mundo, os bispos vestidos com
sérias roupagens.
E as freiras e as velhas e os pobres anônimos
Que vão para o sono sem termo
Com os corpos desnudos envoltos nos pobres lençóis.
*
AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT
"Poema"
Poesias Completas
*
II
Foi a estrela, a última estrela no céu;
Foi o galo, foi a Rosa da Manhã,
Foi um cheiro de carne pálida,
Foi um perfume de cabelos em flor,
Foi o som de uma voz
Que de repente voltou de muito longe,
Foi um silêncio, uma pausa, um esquecimento,
Um abandono, uma janela aberta.
Foi o coração distraído,
Foi uma fraqueza, sem dúvida,
Foi um gesto perdido que se repetiu sem querer,
Foi o acaso, o imprevisível
Que permitiu a tímida esperança
Voltar por um momento,
Viver por um instante,
Respirar em mim de novo brandamente
Depois do exílio, do duro exílio para sempre!
*
AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT
"Foi a Estrela "
Fonte Invisível
*
III
Era um grande pássaro. As asas estavam em cruz, abertas para os céus.
A morte, súbita, o teria precipitado nas areia molhadas.
Estaria de viagem, em demanda de outros céus mais frios!
Era um grande pássaro, que a morte asperamente dominara.
Era um grande e escuro pássaro, que o gelado e repentino vento sufocara.
-
Chovia na hora em que o contemplei.
Era alguma cousa de trágico,
Tão escuro, e tão misterioso, naquele êrmo.
Era alguma cousa de trágico. As asas, que os azuis queimaram,
Pareciam uma cruz aberta no úmido areal.
O grande bico aberto guardava um grito perdido e terrível.
*
AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT
"Poema"
Estrela Solitária
*
IV
Enquanto procuravam conceituar a poesia
E velavam sua face
Com palavras perfeitas,
Enquanto marcavam com sinais agudos
As fronteiras do domínio poético,
Enquanto a inteligência perseguia o mistério -
Veio descendo a tarde
E uma doçura mortal
Envolveu a rua e o mundo.
No céu quase roxo,
No céu incerto e delicado,
Asas escuras fugiam
Do noturno próximo
E, subitamente , sinos
Soluçaram.
*
AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT
"Ars Poetica"
Fonte Invisível
*
V
O vento, a chuva e o frio
O tempo e o esquecimento
Apagam os nomes dos mortos.
-
Nos túmulos. Quero chorar mas sorrio:
quero lembrar-me mas confundo
Os seres que se foram e os que ainda vivem.
-
Mais um dia passou, Agora é a noite
Molhada. As luzes da cidade
Cantam devagar embalando o tédio.
-
Como custa viver! Revejo as mãos frescas
Que colhiam rosas. Onde estão
As mãos que colhiam rosas?
-
Crescem heras nos jardins antigos.
Onde estão os que alegres surgiram
Nos portões das casas destruídas?
-
que faço eu olhando esse mundo
Abolido? Sou o fantasma de mim mesmo.
Que seria de meu tempo final.
-
Senhor meu Deus, sem as tuas promessas?
O vento que ninguém sente adormeceu
As minhas dores e as minhas esperanças.
-
Sinto-me tranquilo porque me sei perdido.
*
AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT
"Elegia de Paris"
O Caminho do Frio
*
VI
Os que seguem os trens onde viajam moças muito doentes com os olhos chorando
Os que se lembram da terra perdida, acordados pelos apitos dos navios
Os que encontram a infância distante numa criança que brinca
Estes entenderão o desespero da minha despedida.
Porque este amor que vai viajar para a última estação da memória
Foi a infância distante, foi a pátria perdida, e a moça que não volta.
*
AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT
"Despedida"
Canto da Noite
*
VII
Escravo em Babilônia espero a morte.
Não me importa os céus tristes e escuros
Nem  claridades, nem azuis felizes,
Se espero a morte, escravo em Babilônia.
-
Escravo em Babilônia, não me importa
Cantos, que de Sião os ventos trazem
Com as inaudíveis vozes da lembrança,
Se espero a morte, em Babilônia, escravo.
-
Não me importam amores e esperanças
Se escravo sou e a aspiro
Em Babilônia, onde me esqueço.
-
Do que fui, das auroras e dos sonhos
E da enganosa e pérfida doçura
Que neste exílio me precipitou.
*
AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT
"Soneto"
Fonte Invisível
▬▬
MICHEL SLEIMAN
Nasceu em Santa Rosa, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Poeta, professor da Universidade de São Paulo, U.S.P., em
"Língua e Literatura Árabe", Brasil. Poliglota (português, árabe,
inglês). Envolvido em inúmeros projetos de revistas de
"Cultura Árabe".
*
CANTOePALAVRAS`
Ínula Niúla, 2009 . . .
*
I
tarda o tempo
mas não tarda o tardo
-
tarda aurora
e não tarda o tardo
-
tardam os anos
-
tarda e é ébrio
o sonolento vir das manhãs
-
há o ciclo das romãs . . . . . e o do grão sem cor
o ciclo das maçãs . . . . . . . e o da flor na macieira
O ciclo do trigo . . . . . . . e o da tenra haste
-
entre a hora e o século
tarda a cor e luze
*
MICHEL SLEIMAN
"Andorinha"
Ínula Niúla
*
II
tomou-me nas mãos como se tomam os cachos
e eu não era a uva mas me olhou
no apetite pelos cachos
tomou-me uma a uma a uva
e eu não era o cacho mas me olhou
no apetite como quem quer
uma a uma esborrachar entre dentes
a uva como se comem
as uvas do Oriente
-
e eu não era a uva me olhou e clamou
como se clama aos figos
nas terras de tâmara e amora
e eu não era o figo quis de mim a tâmara
e eu não era a tâmara quis de mim o figo
e eu não era o figo quis de mim a uva
e eu não era a uva
e assim sedento
de tanto estar
-
o homem das montanhas e das estrelas na mão
do estro e do céu às costas
o homem das nuvens à cabeça
que desejou as minhas uvas a tâmara e o figo
-
lançou as estrelas
fez do estro a força
do céu verde ramagem
das nuvens
fez descer os cachos
-
e desde o dia
de tamanho desejo
sou a cereja nos cachos
duas a duas
três a três
quatro a quatro
*
MICHEL SLEIMAM
"Canção Vinda das Montanhas"
Ínula Niúla
*
III
qualquer motivo que fosse meu
pra delatar a presença
algo
que embale a palmeira no meio do deserto
o das areias semelhantes a tua matéria
-
esta é a marca se de amor seu canto
sem rima ou métrica . . . . . palavra em ritmo e fonia
cantar de amor . . . . . . dar ouvido ao seco . . . . . ouvir
ressonâncias do sentimento
-
menino . . . . . .tragédia o teu emblema
porque me cinge
vento sem outra escolha a não ser
dominar a palmeira
doidivar suas folhas . . . . assim me vejo
um grão a mais
daí a perdição no evocar teu nome
esta é a tragédia
-
quando menos se espera . . . . a aldeia dos homens
aponta em nós a miséria
destino entre os astros . . . . teriam esperado
longo tempo até formar-se o par
e nos viram subir . . . . calçar as dunas
da união erguer-se . . . . . . entre as areias
única . . . . .em meio ao deserto . . . .uma palmeira
-
desta vez tomo o emblema
passo repasso
emblema dentre outros
catado como estratagema
com ele oriento o canto
tal qual com o cetro
o pastor toca o rebanho
o rei concentra o poder
dando a ver . . . . a quem pertencem
as palavras . . . .última e primeira
-
por volta das cinco
por volta do que sucederia
(falar lembrar a hora exata)
o Sol abraçava o poente
como se diz . . . . . golfava flâmulas
nas franjas rubro-mornas
-
luzindo . . . . . as pontas da palmeira
um vento . . . . . como os demais
que resolve resolve
-
balançou . . . . . e das palmas
caíram . . . . . prenúncios de noite
folhas largas amarelas
o bastante . . . . para afundar o tronco
abarcar na areia o tempo . . . . e preparar
o tapete ao passante
ali deitará . . . . por um momento . . . . o corpo
até que o Sol descanse o transe . . . . e
no entanto . . . . ele
salvaguardou-nos do instante . . . . resolveu-nos . . . . à sua maneira
com respiro . . . abrandou . . . . o terror da noite
a que esperou . . . ciclos e ciclos
formar o par
subir as dunas
dar as mãos até o cair da noite
-
passavam das cinco . . . a noite
desvelava os olhos . . . . de quem dormira acordara
seguia intranquilo . . . olhando para trás . . . vez que outra
cada vez menor a palmeira
cada vez mais longínqua . . . cada vez mais
menos ausente
-
vamos . . . . conclamemos
o coro do Magrebe no porta da Síria
e o Líbano . . . assemelhemos sua sombra
que nos determina o cantar?
um que outro mar . . . umas terras mais
por isso este canto em nota única
porque a memória que habita o pensar
tem uma voz . . . . que não esta
que o vento estende . . . . e de remota
condescende
-
que faço que não resolvo
a chama molhada?
que faço que enterneço
a cada mirada?
tu que ficaste . . . . secaram as folhas
o tapete de tua sombra carquilhou
emudeceu o respirar extenuado
ele se levanta . . . . larga pragas
te chamo deserto . . . . não lhe deste água
sumiu . . . . já não conhece o pesar
como o peso do amante . . . teu corpo
entorna gravidade
vai-te . . . fie-te a areia
devo cantar em ritmo breve
entrecortat . . . abate de dentes
a folia que embala . . . melodia dormente
acordar . . . pôr à vigília
o senso . . . pô-lo a par
afrontar seus forjes
entremeá-lo com a cesura
opac-o-pa-co-paco
estolhaçar o cristal dos dopos
restos pra comporem dança
entoar a melodia dos cacos
da areia . . . mazela ao concreto
do vento . . . . sentenças do aranto
a outro metro
compor . . . . susto solavanco
o deserto . . . . a palmeira
plausível prédio . . . . uma das sacadas
tarde iluminada
sem som . . . contorno . . . adorno algum
senão o manto de aflição
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
apagar os olhos . . . e os cílios ventilam
vendaval de ventos mornos resolve a aba sobre as pupilas
as palmas da palmeira no meio do deserto
o das areia
semelhantes
a tua matéria:
-
todo fim é infindo se
a cobra se
devora a cauda
*
MICHEL SLEIMAN
"Canção da Areia"
Ínula Niúla
 
LYA LUFT
Nasceu em Sta. Cruz, Rio Grande do Sul, Brasil. . .
Poetisa...
Homenagens: Associação de Críticos de Arte de São Paulo, 1996. . .
*
CANTOePALAVRAS
Mulher no Palco; O Lado Fatal;
O Rio do Meio(ficção), 1996; Secreta Mirada, 1997 . . .
*
I
O melhor cuidado com o amor
é deixar que floresça,
pois amor não se cultiva: é flor
selvagem, bela por ser livre.
Como as estações do ano ele se abre,
dorme, e volta a perfumar a vida.
Amor é dom que se recebe
com ternura, para que não pereça
sua delicadeza em nossa angústia.
-
O amor não deve encerrar a coisa possuída,
mas ser parapeito de janela ou cais
de onde se desprendam os revõos
e partam os navios da beleza
para voltar ou não, conforme amarmos:
nem de menos nem demais.
*
LYA LUFT
"Canção em outras Palavras"
Secreta Mirada
*
II
Um toque da solidão, e um dedo
gracioso mas severo me traz
à realidade: não depender
nem dos meus amores, não me enfeitar
unicamente com os ardores teus, mas ver
que cada um de nós é um coração sozinho
cada um de nós perenemente
é um no espelho a se mirar, sabendo
que mesmo se no leito desse vidro cinza
um outro olhar nos busca e outro amor
quer derramar-se em nós, os limites
entre frio cristal e alma ardente
são para sempre, e para sempre
a amante solidão nos chama e abraça.
*
LYA LUFT
"Canção Pensativa"
Secreta Mirada
 
MARINA COLASANTI
Marina Colasanti Sant'Anna
Nasceu 26 de setembro de 1937, signo de virgem.
Assumara, Eritreia, Etiópia(antiga colonia Italiana),
com onze anos veio para o Brasil,
Poetisa, redatora,(1962), ilustradora, crônista, tradutora . . .
Estudou na Escola Nacional de Belas-Artes (gravura em metal).
Estudou pintura com Catarina Baratelle.
Participou "III Salão de Arte Moderna"
Esposa do poeta, Affonso Romano Sant'Anna.
Participou em várias revistas . . .
Homenagens: Prémio "Jabuti", 1994.
*(Poemas de Affonso Romano de Sant'Anna "Os Eternos
Momentos de Poetas e Pensadores da Lingua Portuguesa,
pág. 168.)
*
CANTOePALAVRAS
Uma Idéia Toda Azul, 1979; A Nova Mulher, 1980;
Mulher Daqui Pra Frente, 1981;
Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento, 1982;
Zooilógico, 1985; Ofélia, a Ovelha, 1989; Será que tem Asas, 1989;
A Mão na Massa, 1990; Intímidade Pública, 1990;
Cada Bicho seu Capricho, 1992; Entre a Espada e a Rosa, 1992;
De Mulheres, sobre tudo, 1993; Rota da Colisão, 1993;
O Amor sem Palavras, 1995; Eu sei mas não devia, 1995;
Longe como o meu Querer, 1997; Gargantas Abertas, 1998;
O Homem que não Parava de Crescer, 2005; Fino Sangue, 2005;
Acontece na Cidade, 2005; Minha Ilha Maravilha, 2007. . .
*
I
Abro a janela, e cinza. O muro na minha frente
com suas manchas de mofo. Como não
vi? Abri torneiras, medi espaços, e esqueci de levantar
o vidros cegos de sujeira. Agora assinei,
o apartamento é meu, e o muro cinza.
Cinza meu horizonte. Que poderia ser apagado
por uma cortina. Mas a presença do muro, essa
não posso apagar atrás de nenhuma cortina.
Evito o quarto da janela, único da casa. Me
escondo na cozinha, passo tardes no banheiro.
Trancada entre ladrilhos luto para me opor à
determinação lisa em que nada cresce, lisa
eu também sem brotações que revelam planos.
E quando busco as armas as trago
atrás das costas.
Alicate, martelo, colher de pedreiro.
Arranco a janela. No rebordo ajeito argamassa,
assento tijolos. Sobe minha vitória. Só quando o
último tijolo chega ao alto, me permito um sorriso.
*
MARINA COLASANTI
"A Janela"
Zooilógico
*
II
Olhava o espelho, e se encontrava.
Todos os dias: bom dia rosto meu. E o sorriso
de volta. Sorriso que, sem entregar a diferença,
se modificava no frescor. As pálpebras fazendo-se
finas, os olhos afundando como olhos de pássaro.
No carnaval em que, sem sair, imaginava,
prendeu na moldura do espelho a primeira
fotografia, ela de colombina sentada na capota
do automóvel. E foi para a colombina que
disse rosto meu ao amanhecer. Fugia assim dos
olhos de pássaro.
Depois outras fotografias foram invadindo
o espelho, avançando para o centro,
cobrindo enfim toda a poça de cristal, olho.
Restava a janela, seu olho para a rua. Ali
também primeiro nos lados, entre a madeira
e o vidro, prendeu retratos, sorrisos que
em nada se alteravam.
Bom dia rostos meus.
Os retratos avançam sobre o vidro comendo
a luz. Na penumbra do quarto, só ela,
sempre repetida, flutua.
*
MARINA COLASANTI
"Bom Dia"
Zooilógico
 
HEITOR FERRAZ
Heitor Ferraz Mello
Nasceu a 21 de novembro de 1964, signo de escorpião.
Puteaux, França . . .
Poeta, jornalista, P.U.C. (Pontíficie Universidade Católica),
Mestre em Literatura Brasileira na U.S.P.
(Universidade de São Paulo), Brasil.
*
Resumo do Dia, 1996; A Mesma noite, 1997;
Goethe nos Olhos do Lagarto, 2000; Hoje como Ontem
ao Meio-Dia, 2001; Pré-Desperto; Um a Menos, 2009 . . .
*
Os lençóis criam
ondulações de mar
armam no espaço do quarto
montanhas barrocas.
-
Toda uma noite consumida
em que o amor surge
por indecifráveis sonhos
sacudindo esta natureza convulsiva
-
o difícil é levantar sozinho
*
HEITOR FERRAZ
"Paisagem"

 
WILSON ROCHA
Nasceu em 1921
Cochabamba, Bolívia.
Poeta, tradutor, crítico, jornalista . . .
participou em várias revistas e jornais no Brasil e outros
países . . .
Homenagens: "Associação Brasileira de Críticos de Arte",
Rio de Janeiro, Brasil;
"Association Internationale des Critiques d'Art", Paris, França. . .
*
CANTOePALAVRAS
Poemas, 1946; O Tempo no Caminho, 1950;
Livro de Canções, 1960; O Tempo Soluto, 1963;
Carmina Convivalia, 1980; Forma do Silêncio . . .
*
I
As flores da noite em frio e silêncio
imergindo na solidão.
Brancas, serenamente desabrocham
qual vozes na sombra
ou um pensamento se esvaindo.
E fugaz um tênue perfume
retornando às trevas, frágil,
como aranha tecendo entre pedras.
Ou como fonte
que em permanente floração
retorna o tempo
nos vales onde a vida renasce.
*
WILSON ROCHA
"As Flores Noturnas"
O Tempo no Caminho
*
II
Não sei que sinos distantes
O Natal ressuscita.
È música tocando em nós
o sentimento que nos visita.
-
É uma saudade indefinida
e buscamos tecê-la.
Solidão de José, silêncio de Maria,
Ó noite, ó galo, ó estrela.
*
WILSON ROCHA
"Canção de Natal"
Livro de Canções
*
III
Girassol flamante
que o verão ama e vela.
Grande flor dourada
sete vezes bela.
-
Grande flor altiva,
bravia donzela.
Amor das ancas de ouro
sete vezes bela.
*
WILSON ROCHA
"Canção do Girassol"
Livro de Canções

 
J.G. DE ARAUJO JORGE
José Guilherme de Araujo Jorge
Nasceu a 20 de maio de 1914, signo de touro,
Vila Tarauacá, Estado do Acre, Brasil.
Poeta, jornalista, radialista, político.
Recebeu o Premio " Estudante Honorário" em
Coimbra, Portugal . . .
Faleceu em 27 de Janeiro de 1987, Rio de Janeiro, Brasil.
*
CANTOePALAVRAS
Estrela da Terra, 1947;
Brasil com letra minúscula(ensaio),1960;
Trovadores Brasileiros, 1960;
Canto a Friburgo, 1962; Cantiga de Só, 1963;
Eterno Motivo,1965; Amor Vário, 1964;
Quatro Damas, 1964; Trevo de Quatro Versos(trovas)
1964; O Canto da Terra, 1965; A Outra Face, 1965;
Quatro Damas, 1965;
Meu Céu Interior, 1967; Amo!, 1967
Bazar de Ritmos, 1969; O Poder da Flor, 1969 . . .
*
I
Se eu pudesse parar a minha vida
E dar a eternidade a um só momento
- Se eu não tivesse o meu destino preso
Ao destino das coisas nos espaços . . .
-
Se eu pudesse destruir todas as leis
E dentro do Universo que se move
Parar meu mundo
- Havia de escolher esse segundo
em que você estivesse nos meus braços!
Nuance
O céu lembra uma taça fina de cristal
Sobre o mundo emborcada,
E a tarde
Lá na beira do horizonte
(Talvez a imagem seja um tanto louca)
Parece a marca rubra de uma boca
Sobre o cristal manchada . . .
*
J.G. ARAUJO JORGE
" Se . . ."
*
II
Sôbre a miséria dos pobres,
a caridade dos ricos
a injustiça dos governos
o sangue dos inocentes,
a áspera luta dos párias
o desespêro dos fracos
a revolta e a humilhação
dos vencidos e explorados;
-
sôbre as manchetes do mundo
impressas em negro e rubro,
sôbre ameaças e pragas
foguetes, bombas, políticos,
-
de repente, ouço, distante
uma criança gritar: - mamãe!
*
J. G. DE ARAÚJO JORGE
" Esperança "
Cantiga do Só
*
III
Se recomeçasse escolheria: lavrador
-
Mas, onde está a terra? E a semente? E a ferramenta?
-
Não. Não. recomeçaria escravo. Enterrarei minha pena no mundo
como a enxada na terra,
riscarei meus versos no mundo
como o arado na terra,
lançarei minhas palavras no mundo
como as sementes na terra.
-
Por isso sou poeta. Não tenho terra. Por isso lutarei
para que haja lavradores.
-
Ao trabalho de minha pena, nascerá da consciência dos homens
que é minha terra: a justiça.
Tenho algumas sementes, velhas sementes, nunca estéreis.
Hei de lançá-las sempre, por todas as terras,
a Justiça deverá dar em qualquer clima
não será comércio nem será exportada.
-
Não traria nunca a minha vocação. Paciente esperarei pelo dia
da colheita,
ou - quem sabe? - meus filhos colherão por mim.
*
J. G. DE ARAÚJO JORGE
" Vocação "
Estrela da Terra
( texto . . ." O CANTO . . . dos encantos . . das PALAVRAS",
pág.198).
 
BRUNA SCHEIFER
Nasceu em 11 de março de 1982, signo de peixes.
Ponta Grossa, Estado do Paraná, Brasil.
Artesã, poetisa . . .
Participou de várias Antologias e concursos de poesias . . .
Membro da "Academia Pontagrossense de Letras e Artes".
*


CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . .
*
Uma recordação nostálgica(saudade)
invade o direito de agir
com a própria vontade, com independência,
com autonomia(liberdade)
Pois na realidade, na exatidão, na sinceridade(verdade)
eu te digo, meu amigo,
o que existe realmente(realidade)
no que não é humano(desumano),
relativo ao homem, bondoso, compassivo,caridoso(humano)
é a constante, initerrupta, definitiva e efetiva(permanente)
falta de amor(desamor).
Por querer bem, apreciar tanto(amar) assim,
repetidas vezes, frequentemente(amiúde)
a mesma criatura humana, na sua individualidade(pessoa)
é que assim fiquei nessa subordinação, sujeição(dependência)
e é assim que tanto me encontro
no pranto, nas lágrimas(choro)
e que tanto padeço em dores físicas ou morais,
que tanto suporto, que tanto tolero(sofro).
Neste ar triste, lúgubre, carregado, severo(sombrio)
em que me encontro.
Não sei mais em que espaço vazio(lacuna)
sofro com paciência(suporto) tudo.
E mesmo que o som produzido pela voz(música)
chegue ao meu orgão de sentido de audição(ouvido)
em tempo algum, nunca(jamais)
tiras-te-ia da lembrança(esqueceria)
o que existimos, aproveitamos(vivemos)
nunca se extinguiria ou perderia o brilho(apagaria)
pois no mínimo espaço em que o tempo se divide(momento)
que contigo estive,
foi fora do comum, admirável, surpreendente(maravilhosa)
o pouco para exprimir(expressar) tudo o que sentia
naquele minúsculo(pequeno) espaço
de um segundo(instante)
que agora termina, esgota(acaba)
sem saber em quantas partes(denominador)
nosso orgão oco e musculoso, profundo sentido das paixões
(coração) se separa, se efetua(divide).
Sem pensar que já fomos dois que se amaram(amantes)
nós rompemos nossa união(separamos)
Sem pensar em dar-se a conhecer(denunciar)
o que sentíamos naquele mínimo espaço em que o tempo se
divide(momento)
Singelo, ingênuo, pobre, modesto(simplesmente)
os anos passam, e nós, os pronomes, eu e tu
nos deparamos(encontramos) no ato de olhar(olhada)
um ao orgão da visão do outro(olhos)
muiyo fundo, intenso, muito forte, íntimo(profundamente)
e nos descobrimos novamente, nos declaramos(revelamos)
um amor por tantos anos soterrado, lançada ao fundo(sepultado),
e conhecemo-nos de verdade ali(descobrimos):
NOSSAS VIDAS.
Pois sabes que a minha vida é a tua.
E sei que a tua vida é minha.
E não mais uma recordação nostálgica invade o direito de agir
com a própria vontade, com independência,
com autonomia(liberdade).
E assim na realidade, na exatidão, na sinceridade(verdade),
eu te digo, meu amigo:
Amo-te tanto.
*
BRUNA SCHEIFER
"Nossas Vidas"
 
ROSANI ABOU ADAL
Nasceu em 17 de janeiro de 1960, signo de capricórnio.
São Paulo, Brasil.
Poeta, escritora para revistas e jornais . . .
Comunicação Social, Faculdade Cásper Libero, São Paulo,
Brasil. Membro da U.B.E.(União Brasileira de Escritores)
Homenagens: Prémio "Ribeiro Couto", 1996. . .
*
CANTOePALAVRAS
Sniff, 1985; Mensagens do Momento, 1986;
Andorinha, 1991; De Corpo e Verde, 1992;
Catedral do Silêncio, 1996 . . .
*
Flores brotam no coração da Sé,
a Catedral sorri em unissono.
O chafariz ilumina e acolhe
os homens sem teto e sem fruto.
Os sonhos refazem a vida que colhe
esperanças no altar-mor das ilusões.
O evangelho é proclamado
pelos fiéis no banco da praça.
Menores fumam crack e cheiram cola
em busca de um futuro néon.
As calçadas de plástico clamam em nome da paz.
Eremitas vendem sonhos nas ruas.
A Catedral da Sé, um poliedro de esperanças.
Os pratos vazios amanhecem no ventre
da cidade desvairada
e, nas escadarias, Mário de Andrade
canta Salmos e bebe Kyries.
Fome ▬ grita alguém do outro lado.
Sede ▬ exclama o comedor de fogo.
Milhões de pessoas a naufragar
no silêncio da melodia muda.
Ninguém escuta os filhos da mesma aurora.
Pausa ▬ a cidade ensurdece e emudece.
A fome e a sede, as cores vivas do País.
*
ROSANI ABOU ADAL
"Futuro Néon"
Revista de Poesia

 

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