terça-feira, 23 de junho de 2009

076 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


DOMINGOS CARVALHO DA SILVA
Nasceu a 21 de junho de 1915, signo câncer,
Pedroso, Vila Nova de Gaia, Portugal
Veio morar no Brasil em 1924, se formou
em "Ciencias Jurídicas e Sociais" Faculdade
de Direito de São Paulo, 1937
Homenagens: Premio "Olavo Bilac", pela Academia
Brasileira de Letras e o Premio "Jabuti", 1977 . . .
Faleceu em 26 de Abril de 2003, São Paulo, Brasil.
*
CANTOePALAVRAS
Bem-Amada Ifigênia, 1943; Rosa Extinta, 1945;
Praia Oculta, 1949; Espada e Flâmula, 1950;
Girassol de Outono, 1952; O Livro de Lourdes, 1952;
A Fênix Refratária, 1959; À Margem do Tempo, 1963 . . .
*
I
Êste grave ofício de poeta
que exerço enquanto o tempo vai
dando mais terra à minha sombra,
não o aprendi com meu pai.
-
Êste meu álibi de cantar
para ausentar-me do que sou,
de minha mãe não o herdou
o filho rebelde e sem lar.
-
Êste ritmo que celebrei
no contraponto com a viola,
jamais o aprendi na escola
pois a mim mesmo o ensinei.
-
Sou o inventor do que sou
e, embora neto de meus avós,
tenho de próprio a minha voz,
bússola do Norte aonde vou.
-
Entre Ícaro e Prometeu
viajo e tenho o céu e o chão.
comando as pedras de Anfião.
Faço a segunda voz de Orfeu.
-
Se quereis saber de onde vim,
eis o que o meu registro informa:
tirei a flama, a essência e a forma
da lamparina de Aladim.
-
E nem me pergunteis se gosto
de ocupação menos errática:
meu verso é a minha prática,
salário e suor de meu rosto.
-
Deixai-me só com minhas lavras,
com Hamlet - meu porta-voz -
e esta verdade entre nós:
palavras, palavras, palavras.
*
DOMINGOS CARVALHO DA SILVA
"O Poeta"
*
II
Correi o mundo e procurai palavras novas para um poema.
Dos oceanos trazei nomes de peixes e remotas ilhas,
tranças de virgens, seios afogados,
pálpebras mortas, decepados sonhos,
mas
antes de tudo palavras para um poema.
-
Caminhai nas travas em busca de uma rosa.
Colhei nos cardos a flor menos prezada.
Buscai no mar os líquens, as esponjas,
trazei convosco pérolas,
peixes negros e plantas submarinas.
-
Trazei a náufraga do olhos devorados
por gaivotas. A náufraga de seios como luas
entre ciprestes de algas. A náufraga
de coxas como praias
onde o desejo espuma e desfalece.
-
Não procureis anelos e ternura
nem um pássaro de canto engaiolado.
Quero-vos noite escura, corpo escuro
de mulher em silêncio, rosa inviolável.
-
Trazei da noite palavras para um poema.
A irrevelada morte para um poema.
*
DOMINGOS CARVALHO DA SILVA
"A Rosa Irrevelada"
Praia Oculta
*
III
Sobre o teu corpo nu, meus olhos frios
são corvos que agitam impacientes.
Sob tua pele fervem as torrentes
do teu sangue, em murmúrio como os rios.
-
Não sei se são meus lábios ou os meus dentes
que procuram tua boca. Estão vazios
meus sonhos, de paisagem. Desvarios
me disfarçam de iogue entre serpentes.
-
Não sei se te desejo ou se antes quero
violar-te as entranhas, como Nero,
ou arrancá-las como o triste Anúbis.
-
Late em meu peito o coração à lua.
Do céu me vem o gume da charrua
que há de lavrar as agas do teu púbis.
*
DOMINGOS CARVALHO DA SILVA
"Soneto"
A Fênix Refratária
*
IV
Cavalos já foram pombos
de asas de nuvem. Um rio
Banhava o rosto da aurora.
Cavalos já foram pombos
na madrugada do outrora.
-
Onde há florestas havia
golfos oblongos por onde
tranqüilos peixes corriam.
Uma lua alvissareira
passava à noite. E deixava
reticências de cometa
vagalumeando na relva
das margens, até à aurora
da Idade de Ouro do outrora,
quando cavalos alados
tinham estrelas nas crinas
alvas como asas de pombo.
-
O verbo não existia.
Deus era incriado ainda.
Só as esponjas dormitavam
trespassadas por espadas
de água metálica, impoluta.
E as gaivotas planejavam
etapas estratosféricas
próximo às praias ibéricas.
E as montanhas desabavam
em estertores terciários,
em agonias de estrondo,
nas manhãs de Sol atlântico,
quando cortavam as nuvens
- alvos garbosos eqüinos -
esquadrões marciais de pombos.
-
Teu cabelo era ainda musgo.
Teus olhos o corpo frio
de uma ostra semiviva.
E tua alma sempre-viva
sobrenadava o oceano
qual uma estrela perdida.
Teu coração era concha
fechada e sem pulsação.
E teu gesto - que é teu riso -
era um mineral estático
ainda não escavado
pelo mar duro e fleumático.
-
Cavalos já foram pombos
E a praia que anda na garra
do felinos reluzia
em vibrações uterinas
no ventre da terra fria
quando o dia era só aurora
e Deus sequer existia,
na madrugada do outrora.
*
DOMINGOS CARVALHO DA SILVA
"Poema Terciário"
Girassol de Outono
*
V
Ela subiu a montanha
com uma rosa na mão
-
Contemplou o mundo à distância
com uma rosa na mão.
-
Depois se atirou no abismo
com uma rosa na mão.
-
E foi sepultada ontem
com uma rosa na mão.
*
DOMINGOS CARVALHO DA SILVA
"Lirismo"
Praia Oculta
*
VI
Porque a lua é branca e a noite
é simples anúncio da aurora;
e porque o mar é o mar apenas
e a fonte não canta nem chora;
-
e porque o sal se decompõe
e são de água e carvão as rosas,
e a luz é simples vibração
que excita células nervosas;
-
e porque o som fere os ouvidos
e o vento canta na harpa eólica;
e porque a terra gera as áspides
entre a papoula e a magnólia;
-
e porque o trem já vai partir
e o corvo nos diz "nevermore"
e porque devemos sorrir
antes que o crepúsculo descore;
-
e porque ontem já não existe
e o que há de vir não mais virá,
e porque estamos num ballet
sobre o estopim da Bomba H:
-
não marcharemos contra o muro
das lamentações, prantear
a frustração de tudo o que
sonhamos ousar, sem ousar.
-
Títeres mudados em gnomos,
enfrentamos o Apocalipse
como pilotos da tormenta
entre o terremoto e o eclipse.
-
Vamos dançar sobre o convéns
enquanto o barco não aderna;
vamos saudar o Sol que morre
e a noite que vem fria e eterna.
-
Vamos zombar deste universo
em nossos olhos refletido;
quando os fecharmos, será como
se nunca houvesse existido.
-
Vamos crepitar entre as chamas
nosso último arrebatamento;
porque amanhã seremos só
um pouco de cinza no vento.
*
DOMINGOS CARVALHO DA SILVA
"Apocalipse"
À Margem do tempo
AFONSO LOPES VIEIRA
Nasceu em 26 de janeiro de 1878, signo de aquário.
Cidade de Leiria, Portugal.
Poeta, jornalista, político . . .
Estudou Direito, na Universidade de Coimbra.
Participou em diversas revistas como "A Águia" . . .
Faleceu em 25 de janeiro de 1946.
*
CANTOePALAVRAS
Para Quê, 1898; Naufrago-Versos Lusitanos, 1899;
Auto da sebenta, 1900; Elegia da Cabra, 1900;
Meu Deus, 1900; Ar Livre, 1901; O Poeta Saudade, 1903;
Marques-História de um Peregrino, 1904;
Poesias Escolhidas, 1905;O Encoberto, 1905;
O Pão e as Rosas, 1910; Gil Vicente-Monólogo do
Vaqueiro, 1910; O Povo e os Poetas Portugueses, 1911;
Rosas Bravas, 1911; Os Animais Nossos Amigos, 1911;
Canções do Vento e do Sol, 1912; Bartolomeu
Marinheiro, 1912; Canto Infantil, 1913;
O Soneto dos Túmulos, 1913; Inês de Castro na
Poesia e na Lenda, 1914; Canções de Saudade e de
Amor, 1917; Ilhas da Bruma, 1918; Cancioneiro de
Coimbra, 1920; Crisfal, 1920; O Romance de
Amadis, 1923; Diana, 1925; Fátima, 1931;
O Caráter de Camões, 1941; Nova Demanda do
Graal, 1947; Branca Flôr e Frei Malandro, 1947 . . .
*
I
O Pucarinho de Barro,
o pucarinho,
tem bochechas encarnadas,
tem as faces afogueadas;
dêem-lhe água, coitadinho,
que tem sede, o pucarinho!
-
O pucarinho de barro,
o pucarinho,
está ao pé da sua mãe,
sua mãe, bilha bojuda,
que tem como elle tambem
a carinha bochechuda!
-
O pucarinho de barro,
o pucarinho,
se a água dentro lhe cae,
põe-se baixinho chiando;
parece que diz: - Ai, ai,
já a sede vae passando!
-
Se se vae pelo caminho,
ao Sol ardente,
tem-se uma grande alegria
se dão a beber á gente
uma pouca de agua fria
que é dada num pucarinho!
*
AFFONSO LOPES VIEIRA
"O Pucarinho"
Canto Infantil
*
II
Já o Inverno trouxe o frio agreste
e a terra toda as suas brumas veste.
Já na lareira o lume canta e brilha,
- o lume, a linda e clara maravilha!
-
O frio, a chuva, o vento e a geada
fazem a terra triste e abandonada.
E sentadas ao pé do lume brando,
as brancas Avózinhas vão sonhando . . .
-
Já os meninos dormem descansados,
nas suas camas, muito bem deitados . . .
E pensam nelles as Avós, ouvindo
a chama de oiro refulgindo e rindo!
-
E o vento ruge e muge, em redemoinhos!
Ai dos pobres sem lume, coitadinhos,
- sem a lareira aonde canta e brilha
o lume, a linda e clara maravilha! . . .
*
AFFONSO LOPES VIEIRA
"A Lareira"
Canto Infantil
(Mais Poemas . . . "Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Língua Portuguesa, pág. 10; e
"NEGRAS CAPAS . . .POETAS DE COIMBRA", pág. 198).

Nenhum comentário: