sábado, 27 de junho de 2009

072 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

"Meu Jardim" Foto LuisD.



LÉLIA COELHO FROTA
Nasceu, a 11 de julho de 1938, signo de câncer,
Rio de Janeiro, Brasil. . .
Membro da "Associação Brasileira de Critícos de Arte"
(A.B.C.A.);"Associação Internacional de Critícos de Arte";
"Associação Brasileira de Antropologia";
Diretora do "Instituto Nacional do Folclore"(F.U.N.A.R.T.)
Homenagens: Prémio, IV Concurso de Poesia de
"A Gazeta", 1958; Prémio "Jabuti", 1979
Prémio "Olavo Bilac", Academia Brasileira de Letras
Estilo Modernista. . .
*
CANTOePALAVRAS
Quinze poemas, 1956; Alados Idílios, 1958;
Romance de Dom Beltrão, 1960;
Capricho Desacêrto, 1965
Poesia Lembrada, 1971 . . .
*
I
Ele falava em torres
ela pensava em nuvens.
Ele cruzava rios
dificeís, altiplanos,
os sábios pensamentos.
Ela, sirgo e cetim
fiava as camisinhas
limiar da promessa
do menino do sim.
Nos dias tão azuis
a fonte deslumbrada
jorrava luminosa
o excesso claro - riso
desfalecendo em brisa -
morrer, morrer de amor.
*
LÉLIA COELHO FROTA
"Alvíssara"
Capricho Desacêrto
*
II
A minúscula ninfa
divaga na piscina:
tênue gota de orvalho.
-
Eis que chora e descora
a inútil flor dos anos,
de haste assaz quebradiça.
-
Lança mão da própria
voz que ágil se ilude:
coisas da juventude.
-
Sente uma dor antiga,
morrerá, se não a der
perdível, na cantiga.
-
Desventurada lua
se esgarça pela várzea.
Cruéis pressentimentos!
-
Pardais madrugadores
entrecortam de vôo
o queixoso negrume.
-
Surge outro novo dia,
quem sabe? traz na fronte
sonhos mais displicentes.
*
LÉLIA COELHO FROTA
" Dentro da Violeta "
Caprichoso Desacerto ou Poesia Lembrada
*
III
O que a boca sugere
e o espelho revela não
é o rosto dela
não é sua emoção.
-
Esse volteio alado
o riso alcantilado não
é roteiro dela
não é seu timbre usado.
-
Essa flor no cabelo
o exato poema não
é ornato dela
não é sua canção.
-
O coração girando
rondós contraditórios
os olhos diluídos
em breu ressentidíssimo.
-
Esse é o jeito dela
esse é o verso dela.
- Que recato mineiro!
Lágrimazinha dela.
*
LÉLIA COELHO FROTA
" Modinha "
Alados Idílios ou Poesia Lembrada
ELISA BARRETO
Nasceu na cidade de Santos, Estado de São Paulo, Brasil.
Jornalista, poeta . . .
Homenagens: "Concurso Internacional de Poesia",
Academia Teresopolitana de Letras; Troféu "Colombina"
e Taça "Bernardo Pedroso", Casa do Poeta de São Paulo . . .
*
CANTOePALAVRAS
Turbilhão de Emoções, 1961; Catedral de Lágrimas, 1964;
Pequena Antologia, 1965; Outros Poemas,1969 . . .
*
I
Velhas fotografias, amarelas,
lembram vidas da vida que passou.
São guardiãs fiéis, são sentinelas,
que a arte no papel eternizou.
-
Guardam características singelas
de épocas que a evolução tragou.
Na estrutura da vida são janelas
que o palácio do tempo conservou.
-
Olham-me da parede, penduradas,
como a indagar-me, muito admiradas,
por que eu as fito tão frequentemente . . .
-
È que as fotografias tomam vida
e a alma de alguém, quando nos foi querida,
nelas palpita misteriosamente.
*
ELISA BARRETO
"Velhas Fotografias"
Outros Poemas
*
Teus olhos de grafite são pequenos
mas nele cabe em plena intensidade
todo o matiz suave, os tons amenos
do colorido espelho da saudade.
-
São pçácidos, tranquilos e serenos
e emitem tanta luminosidade
que me fazem pensar: são dois acenos
para a luz imortal da eternidade.
-
Bendigo nos teus olhos minha vida
por me dar a ventura indiscritível
de sentir a beleza em toda a essência
-
e louvar, num soneto, comovida,
o êxtase que torna inperecível
a sublimada glória da existência.
*
ELISA BARRETO
"Os Teus Olhos Negros"
Outros Poemas
*
III
Por entre margaridas e agapantos
e hortênsias e junquilhos rosa-amor.
ligeiro, mas sereno e sem espantos,
voeja o colibri de flor em flor.
-
Nas asas tem feitiços, tem quebrantos;
em vários tons de azul esplende a cor
e vai, beijando dálias e rodantos,
sem mágoas, sem tristezas e sem dor.
-
Que ave delicada e pegureira!
Tão lépida a voar na claridade
do éter que se evola da Natura,
-
é a doce precursora, a mensageira
de tudo o que traduz felicidade
e indica o Paraíso à criatura!
*
ELISA BARRETO
"Colibri"
Outros Poemas
VERA LÚCIA DE OLIVEIRA
Nasceu em 1958, em Cândido Mota, interior do
Estado de São Paulo, Brasil.
doutorou-se em Letras, na Faculdade de Ciências
da U.N.E.S.P., Brasil, e em Línguas e Literaturas
Ibéricas e Ibero-americanas, Universidade Degli
Studi, de Palermo, Itália, 1997.
Professora na Itália e no Brasil,e participa em várias
revistas no Brasil, e Portugal . . .
Homenagens: Prémio de Poesia Academia Brasileira
de Letras, 2005; Prémio Internacional de Poesia
"Pier Pasolini", Itália, 2006; Prémio "Literatura para todos",
Ministério da Educação,M.E.C., Brasil. . . .
*
CANTOePALAVRAS
A Porta Range no Fim do Corredor, 1983;
Geografia d'Ombra, 1989; Pedaços, 1992;
Tempo de Doer, 1998; No Coração da Boca, 2003;
A Chuva nos Ruidos, 2004; Coração na Boca, 2006;
Entre as Junturas dos Ossos, 2006 . . .
*
I
os pássaros de pedra dilatam as oferendas
os pássaros de carne batem-se contras as grades
os pássaros de lata arrulham nas ferrovias dos nervos
os pássaros de madeira mascam o macio dos músculos
os pássaros de papel voam para dentro das crases
os pássaros de carvão rabiscam suas asas no ventre
os pássaros de fogo puxam os pássaros de chuva
os pássaros de pano acalentam os pássaros de pranto.
*
VERA LÚCIA DE OLIVEIRA
"Os Pássaros"
Entre as Juntura dos Ossos
*
III
Minha Infância era cheia de trens
também minha adolescência
se encheu de rodas
-
de manhã acordo
aprendo:
vida está
é
-
paralisia é o nome mais doloroso que tem a morte.
*
VERA LÚCIA DE OLIVEIRA
"Rodas"
Tempo de Doer
*
III
nem só do vento ou de ar
podem pulsar as sacadas
mas de areia de quintais
de luz de chofre nas grades
de ponta para os rangidos
de terra nos dentes da tarde
de penumbra de beirais
na ardência dos latidos.
*
VERA LÚCIA DE OLIVEIRA
"Nem Só do Vento"
Entre as Junturas dos Ossos
SELENE DE MEDEIROS
Nasceu no Brasil . . .
Homenagens: Prémio "Trullo D'Oro", Itália
Prémio "Country Executive" Maryland, E.U.A.
*
CANTOePALAVRAS
Alvorada; Gota d'Água; Canto no Silêncio;Mensagem;
Mesagô; Três Poemas; Alma Cigana; Amanhã; Canarama;
Possuída; A Hora Seguinte; New York Trio; Amor, 1982 . . .
*
I
Sim, tudo morre em mim violáceo o pensamento
Tudo que fui se esvai. o que andei se anuvia
Sol de âmbar, trigo e noite, ave e sombra, errasia
imagem do que amei, nudez e alumbramento,
-
e em vão me apego à vida e a permanência tento.
Oh!, regatos de ouvir, intangível poesia,
sonhos em migração, lampejo de alegria,
para tão curto andar tão fundo desalento.
-
Esperança, onde estás? Eu mesma não socorro
esta ânsia de ir-me e vai comigo o tempo e morro
- Tão triste o desprender dos dias que eram teus!
-
Só vivo o amor e sempre e mais dilacerante . . .
Que silêncio, Deus meu, neste undécimo instante,
que enorme solidão neste chorar de adeus!
*
SELENE DE MEDEIROS
"Da Agonia"
Amor
*
II
Ninguém para esperar. Ninguém! abrir a porta
e encontrar o silêncio, o frio, a sombra espessa . . .
Ausente a voz que indaga, o gesto que conforta,
o peito onde pousar ao menos a crença.
-
Ninguém para esperar, voltar quando amanheça
ou não voltar talvez. E nada, nada importa!
Chorar rebelde e só . . . ninguém que se enterneça
Apenas o ermo, a sombra, o frio, e a casa morta . . .
-
E entanto ansiar se alguém . . . e o silêncio tão denso
que só na treva pode o desepero imenso
Como sinistro oceano em vadas e entornar . . .
-
E acabar esta noite, a noite íntima e pura,
com tanta entrega, tanto amor, tanta ternura,
chorando sobre a mesa escondida de um bar . . .
*
SELENE DE MEDEIROS
"Da Solidão"
Amor
*
III
Folhas secas . . . Pisai-as , namorados . . .
Ei-las em roda alígera, veloz,
quando estendeis os lábios despertados
para o primeiro beijo dado a sós.
-
Estais num bosque, em tudo a doce voz
do amor nos ramos altos e abraçados.
E as folhas vêm qual se velhice atroz
as tangesse à quietude dos relvados.
-
Também elas na seiva e albor de outrora
sentiram beijos quentes noite afora
responer-lhes às ânsias vegetais . . .
-
Hoje gostam de ouvir beijos de amantes,
e vêm tombar macias, hesitantes,
atapetando o solo que pisais . . .
*
SELENE DE MEDEIROS
"Folhas Secas"
Amor
CLÁUDIA ROQUETTE-PINTO
Nasceu em Agosto de 1963, signo de leão(provávelmente).
Rio de Janeiro, Brasil.
Doutorou-se em "Tradução Literária", Pontíficie Universidade
Católica, P.U.C. . . .
Homenagens: Prémio "Jabuti", 2001 . . .
*
CANTOePALAVRAS
Os Dias Gagos, 1991; Saxifraga, 1993;
Zona de Sombra, 1997; Corola, 2001;
Margem de Manobra, 2005 . . .
*
I
Os sapos martelam na noite
um sem´número de ideias ruins.
Sono em que não mergulho,
lugar-nenhum com vidraças
onde asas de mariposa,
traças se esfarelam.
Arfo entre chocalhos,
entrecortada de sonhos,
o sangue avisado e pronto para partir.
Alguma coisa se empluma
na véspera das pálpebras que tombam.
Ideias desmoronam, um maciço.
Isso que suspende
sua tenda sobre o silêncio são grilos?
Flautas tímidas acendem.
*
CLÁUDIA ROQUETTE-PINTO
"Os Sapos"
Corola
*
II
Nada
além do som do riacho
e do grilo, esfregando seu pedaço
de lixa no ar estreito,
alheio a outro som, quase inaudível,
que o coração abafa, em disparate
contra a paisagem, organizada e fria
- apesar de um Sol que desafia a pele
a abandonar sua letargia
e põe insetos em outros trajetos
varando contra o rosto.
Agora a nuvem se encosta
no morro, cobre o olho impiedoso,
pai do meu desconforto.
Afago de asas, vento diminuto
paro e frago o que aflora
(borboleta de Wordsworth,
mas bem mais que meia hora),
enquanto cascos se pisam
no céu que hesita entre a chuva e a indeferença.
Imóvel, vertiginosa,
de fora a dentro me inclino
(os clarões se aproximam)
rede em riste
sobre o rosto daquela flor
- a única que existe.
*
CLÁUDIA ROQUETTE-PINTO
"Nada"
Corola
*
III
O azul neófito próximo ao violeta
das flores suspensas na trepadeira
tramando com a música um primeiro adejo
de salto(ou véspera) dentro do peito
-não a cor, nem o som, a camurça da pétala,
mas tudo isso junto, somando à completa
cordura e ao espanto da coisa qualquer
- na borda das palavras,
tentando não morrer.
*
CLÁUDIA ROQUETTE-PINTO
"O Azul"
Corola
NEIDE ARCHANJO
Nasceu em 15 de setembro de 1940, signo de virgem.
São Paulo, Brasil . . .
Poeta, advogada, psicóloga.
Doutorou-se em Direito pela famosa, Faculdade do "Largo
de São Francisco", Universidade de São Paulo, U.S.P.
Psicologia, Faculdade Metropolitana Unidas, F.M.U., São Paulo.
Bolsista "Fundação Calouste Gulbenkian", 1983.
Homenagens: Prémio "Associação Paulista dos Críticos de
Arte de Poesia", A.P.C.A., 1980; Prémio de Poesia
"Academia Brasileira de Letras"A.B.L., 2005 . . .
*
CANTOePALAVRAS
Primeiros Ofícios da Memória, 1964;
O Poeta Itinerante, 1968; Quixote Tango e Foxtrote, 1975;
Escavações, 1980; As Marinhas, 1984; Poesia, 1987;
Tudo é Sempre e Agora, 1994; Pequeno Oratório do Poeta
para o Anjo, 1997; Epifanias, 1999; Canto para Soraya, 2006. . .
*
I
Vago o Tempo
vaza a luz
vaga a mão.
-
Debaixo das folhas murchas
resta a semente inquieta
entre grãos.
Dela brotam açucenas lutos
sustos sacríficios
máscaras a cobrir meu rosto
palhaço pirata viajante
profeta visionário. Poeta?
-
A vida tantas vezes insuportável
a morte mordendo os ossos.
O poema
agonia e temor
silêncio
sobretudo silêncio
agulhas
auréola.
-
Musa musa
a luzir entre as folhagens
qual druida estavas
Depois já não estavas.
Musa musa
juba amarela
qual louco girassol
de que te escondes, receosa?
-
O corpo reclama
desejos ardências juventudes.
A alma transfigurada
fulgura.
Quer alegrias, o corpo
não faíscas cintilações fantasmas
nem este texto
esta lucidez
esta vigília.
-
A fome do poeta
é a fome do mundo.
E dói a fome
E dói o mundo
ainda que sob os céus
dobrem os sinos:
CAMÕES
Donne Rimbaud
Elliot Pound
Pavese Kavafis
Rilke Lorca Pessoa
poesia convertendo
esta carne esta alma
em relâmpagos!
-
A manhã definitiva
bate na vidraça insone
qual a misericórdia do Verbo
que hoje me visita.
*
NEIDE ARCHANJO
"Vago o Tempo"
Tudo é sempre agora
*
II
O amor é camisa
que se carrega sobre o esqueleto
sem saber que por dentro
está cerzido o Tempo.
-
E passa o Tempo por dentro
das pedras não decifradas
dos mapas portugueses
do oceano que já foi mar
e antes rio
do assassinato do fundista solitário.
-
E passa o Tempo por dentro
de Publio Virgilio Marão
sonhando Enéias
de Ragusa no Adriático
dos navegantes de Urano e Netuno
de certos tons de abril
que será sempre e estranhamente
abril.
-
E passa o Tempo por dentro
do bisavô Affonso Donato
visitado por um anjo
no dia da sua morte.
-
E passa o Tempo por dentro
da Quinta Sinfonia de Mahler
das janelas de Veneza
dos 150 Salmos de Israel
e daquilo que se amou de verdade.
-
Passa o Tempo por dentro
desta página
como passa o incenso
por dentro do labirinto
dev um relógio chinês.
*
NEIDE ARCHANJO
" O Amor é Camisa "
Tudo é sempre agora
*
III
Nos idos de 1118
viveu Hakim Sanai
poeta persa
que sabendo o que sabia
era sereno como uma montanha.
Fazia versos azuis
lâminas curvas
onde a luz se arriscava
doce e mutante adaga.
*
NEIDE ARCHANJO
" Nos Idos de 1118 "
Tudo é sempre agora
*
IV
O Tempo é este.
E o Relógio nada marca
além das horas parcas
não aquelas
que abrem e fecham
as portas de Zeus.
Em meio a trevas e insônias
a hora se desfaz
areia aprisionada na ampulheta
praia sem saber do mar.
-
O Tempo é este:
o poema e suas perdas
fragilidades calcinadas
e no entanto tardes e jasmineiros
perfumes de setembro
momentos em que a vida
é clareira entre ramos
encontro e repouso
divino Odisseu
avistando Ítaca.
-
O Tempo é este:
eras bordadas por vivos
e por mortos
florescem no aclive e no avesso.
Há quase dois milhões de anos
entre águas árvores e répteis
Australopithecus Boisei,
o pai,
espreita o espaço breve do ser
que rebelde se debate
contra toda medida.
e marcham ossos
marcham vísceras.
Marcha a vida.
-
O Tempo é este:
ruminamos cardos
à espera de um abraço de amor
ainda que tardio
e na memória
enquanto Chronus sem piedade
devora a carne macilenta
de seus filhos
(pálpebras sempre abertas)
e de outros e de outros
efebos que há pouco
cantavam pelas ruas
o prazer
nus e firmes
como o ouro.
-
O corpo lembra
a alma desespera.
E às margens um menino chora.
-
O Tempo é este:
abriga o grão de pó
de cada homem
parcela do mundo
que Deus acaricia e revela.
E balaça o chapéu de Van Gogh
nos campos amarelos de trigo.
Do entulho nasce o murmúrio
das pedra.
-
O Tempo é este:
e é mais tarde do que nunca.
De que ris, Baudelaire?
O douleur! O douleur!
Le Temps mange la vie.
Luxo calma e volúpia.
três sóis violetas
brilham ainda nas trevas
deste drama.
-
O Tempo é este:
o rosto que os anos transformaram
resguarda os que já passaram
signos traçados em seus espelhos
algum rei que nunca fui
as letras do meu nome.
-
Vida que sonha e renasço
numerosa e una
como as rosas.
*
NEIDE ARCHANJO
" O Tempo é este "
Tudo é sempre agora
*
V
Paisagem é tudo aquilo
que pode ser observado:
as árvores
o que não é humano
o homem arcaico
e certos seres que não são para si.
-
Os amantes são pura paisagem.
*
NEIDE ARCHANJO
"Paisagem é tudo aquilo"
Tudo É Sempre Agora
MARIA LÚCIA DAL FARRA
Nasceu a 14 de outubro de 1944, signo de libra.
Botucatu, Estado de São Paulo, Brasil.
Estudou, Lisboa, Paris e São Paulo . . .
Foi professora na U.S.P. e U.N.C.A.M.P.,
Universidade de Berkeley,Califórnia, E.U.A.
Professora de Literatura Portuguesa e pesquisadora C.N.Pp..
*
CANTOePALAVRAS
O Narrador Ensimesmado, 1978;
A Alquimia da Linguagem, 1986; Livro de Auras, 1994;
Afinado Desconcerto(Florbela Espanca); Inquilina do Intervalo;
Possuídos . . .
*
I
Evito rimas, recuso acrobacias
apenas do frugal me ocupo inteira:
tomo como medida o arame do varal
e entremeio nele( sensual, promíscua)
toalha de mesa com lençol.
-
A casa deságua no quintal.
alta se amolda aos ramos das mangueiras.
De quando em vez faz rumo, sai pra rua
(sem pejo) presa pela lua cheia
ou terna atrás de longe realejo.
-
Fica tudo quarando enquanto
cozinho ou vasculho a cumeeira.
(esteio onde é mais vivo o espírito do meu pai)
e escapa das molduras uma aura, um certo enleio
com que apanho luz para as candeias,
-
com que canto funcionando este tear.
*
MARIA LÚCIA DAL FARRA
"Artes"
Livro de Auras
*
II
De início
o corpo se iça para o alto,
linha traçando o prumo
que os braços
(uma vez alçados)
se incumbem de sondar
ativando a arquitetura em que
a alma trabalhará.
-
Depois
(diante do ar paralisado)
os dedos desatam o movimento
- e a catedral
(indecisa entre gótico e mourisco)
se constrói.
*
MARIA LÚCIA DAL FARRA
"Dança Flamenca"
Livro de Auras
*
III
Esta árvore trabalha suas cordas
para o vento. Do chão
recolhe o enérgico acorde das rochas
o timbre abafado do húmus do inverno
a memória tiritante das manhãs.
-
Alta desse silêncio,
mal se sustém
quando o vento a arrebata para o enleio.
Entrega-lhe lasciva o corpo
que se rima
pelo frenético chicote desse sopro.
-
Imprime-se aí
(Sobre seu futuro tronco)
a pauta do primeiro instante de gozo -
sinfonia.
*
MARIA LÚCIA DAL FARRA
"Choupo"
Livro de Auras
*
IV
A água viva do chafariz desliza das moringas,
servida à mesa.
Na tina a nona aninha as tartarugas
para uso do custoso reumatismo.
O tempo é antigo.
Mamãe vai de charrete dar aulas no sítio.
Meu cachorro saltita a alegria perdigueira
pelo quintal espaçoso
(ausente de fronteiras).
Só nos domingos, pra missa,
vamos no forde-bigode do papai
(movido à manivela)
e o fole da semitonada stradella que ele toca
solta do leque inquieto do papel-tela
migratórias memórias:
-
estampas com nódoas de idade
bafio de travessia marinha
vultos esquivos de antepassados,
dentre os quais vislumbro
(feliz que me acena)
0 nono-cometa,
que se foi quando eu nasci.
*
MARIA LÚCIA DAL FARRA
"Fonte"
Livro de Auras
ANGÉLICA TURINI FERREIRA
Nasceu em Jaú, Estado de São Paulo, Brasil.
Cursou "Faculdade de Filosofia Plena" e "Faculdade de
Pedagogia".
*
CANTOePALAVRAS
Andanças Circuito Fechado; Água e Fogo; O Cometa;
Oficina do Destino(conto); Cristal de Lua . . .
*
I
Sempre que atravesso o jardim,
encontro você perdido entre as plantas
ciranda de margaridas, rosas e piracantas
-
Se o encontro desprevenido
olhar indefinido
a dimensão é outra
não sei medir com medidas
que temos na vida.
-
Um dia vindo do nada
tentando intuir a localização geográfica
você falou(quase etereamente)
- Vendo a casa da praia . . .
-
Como é a sua casa? É incrustada na rocha?
Tem corredores com muitas portas fechadas
que guardam mistérios fantasmais
e poderes magnéticos?
ou é fria, vazia sem magia . . .
-
- A minha casa tem mil pensamentos vagando
entre colunas e vasos de plantas
O teto é baixo com brilho metálico
reflete o luar e o barulho do mar.
Paredes azuis de vidro.
-
Com gestos rápidos e amplos
desenhou no espaço
algo geométrico, quase amorfo
com ternura.
-
A sua casa tem detalhes expressivos
esconde o sentido da vida.
-
De repente começou ventando
e você partiu.
-
e . . . levou a casa.
*
ANGÉLICA TURINI FERREIRA
"Portas Fechadas"
Cristal de Lua
*
II
Em escarpas,
choupos balançando ao vento,
tenho origens telúricas.
Fui promessa nos seus gestos
angústia nos seus gritos,
abrigo no seu pranto.
-
Minha túnica esvoaçante
ausência
tecendo uma emboscada
nesse espaço arenoso
em vagos murmúrios.
-
Fui liberdade física
geográfica
nos seus cabelos
pedaço de terra escavado
sugerindo mudanças
trazendo inelutáveis argumentos.
-
fui texto sem leitura.
-
renasci névoa
envolvendo a cidade.
*
ANGÉLICA TURINI FERREIRA
"Sombras"
Cristal de Lua
*
III
O universo
imensa nave
cúpula azul
parecendo infinita
mas pode não ser
na trajetória dos traços
linhas visíveis
imaginárias.
-
Comandos de vidro
alados
falados.
-
radar
-
Homens ignotos
entre aves
navegam naves espaciais
buscam
em outros espaços
novas solidões
depressões
sensações.
-
Ruido insólito
de estrelas cristalizadas
amarfanhadas
-
Pretéritos anseios
com aparência de razão
nave
aves
espaçonave.
-
templos de argila
argamassa
no templo da névoa.
-
templo no cosmo
sintonia
com anos-luz
governam as leis naturais
traços.
-
a justa dimensão com o querer.
*
ANGÉLICA TURINI FERREIRA
"Azul-Cristal"
Cristal de Lua
ANA CÂNDIDA COSTA
Nasceu no Brasil . . .
*
CANTOePALAVRAS
Elogio do Homem, 1990 . . .
*
I
Com a certeza de como as árvores perdem as folhas
E brotam no verão, os alexandrinos da primavera
Fartos versos não mecânicos, Eu te amo.
-
Como o céu deleite ou se esconde, O cinza
invadindo o azul, que é sempre o azul
Mexe com a sintxe
O círculo à manhã, Eu te amo.
-
Lugar comum
A ressurreição após o túmulo
Eu te amo, ventre fechado para o parto
Possam as contrações de dor, passam Eu te amo
Cada nascimento, Eu te amo.
-
A corrida, minhas pernas, os olhos
Meu coração, Eu te amo.
-
A forma alegórica e o desandar eufórico
O segredo, Eu te amo
O concreto
O que me move, Eu te Amo.
-
Carência
-
Simples o complexo
Poema, Amor
Eu te amo
*
ANA CÂNDIDA COSTA
"Poema Simples o Complexo"
Elogio do Homem
-
II
De tanto resistente à metempsicose
porque acredito que cada ser
inédito, um momento e não se repete
-
O único na própria esfera
-
Acréscimo ao invisível infinda
cada palavra, o seu corpo
transmissível espírito, o imortal
-
A cada um o seu nome, não haverá outro
os malabarismos da fantasia, apenas
-
As fantasias empenho das transmigrações
insólitas sobre telhados espaço, os vãos
-
Espíritos se confundem e nossos olhos credos
-
A cada um de deus o seu nome, não serei outros
-
faço o teatro, mas estarei sózinho
face a face o homem diante de seu Criador
-
A supremacia da compaixão nos momentos finais
-
qual foi levado para o assassínio
-
O homem que recebeu o tiro só teve Deus
que lhe falou da extrema sombra a luz
-
Só a quem recorreu no seu pânico
-
na hora disputa com o demônio
-
Deus e o Diabo que o arrebatamento
o extremo passo da solidão
-
na vida morte de homens anônimos
-
do rebanho lobo devora ovelha
o seu susto susto de cada rês
-
Face a face seu salto ao infinito
não se dissolve a pessoa, mas o corpo
-
retorna ao fixado retrato
geradas todas as faces, a face
-
Alguém se lembrará, daqueles só Deus
os abrigará na memória, nossos párias
-
e as lendas, O mito de nossos deuses.
*
ANA CÂNDIDA COSTA
"Anonimato"
Elogio do Homem



Nenhum comentário: