domingo, 14 de junho de 2009

089 - Mário de Andrade " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


MÁRIO DE ANDRADE
Mário Raul de Morais Andrade
"Mário Sobral" pseudônimo
Nasceu em 09 de outubro de 1893, signo de libra.
na cidade de São Paulo, Brasil.
Estudou no "Conservatório Dramático e Musical de São Paulo",
Fez parte do "Departamento Municipal de Cultura", onde
montou a "Discoteca Pública". Dirigente do "Instituto
de Artes da Universidade do Distrito Federal",e
o "Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional",
do "Ministério da Educação".
Participou da "Semana de Arte Moderna" 1922.
"Teatro Municipal", São Paulo, Brasil,
com "Pauliceia Desvairada".
Compositor da famosa modinha "Viola Quebrada".
Integrante do "Grupo dos Cinco", Tarsila Amaral, Anita Malfatti,
Oswald de Andrade e Menotti del Picchia.
Hoje, a principal Biblioteca Municipal de São Paulo,
chama-se "Mário de Andrade" em sua homenagem. . .
Estilo Modernista.
Faleceu a 25 de fevereiro de 1945.
*
CANTOePALAVRAS
Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, 1917;
Paulicéia Desvairada, 1922;Losango Cáqui, 1926;
Primeiro Andar, 1926; Clã do Jaboti, 1927;
Amar, Verso Intransitivo, 1927; Macunaíma, 1928;
Remate de Males, 1930; Poesias, 1941;
Os Filhos da Candinha, 1945; Contos Novos,1946;
O Carro da Miséria, 1946; Lira Paulista, 1946 . . .
*
I
. . . de árvores indesvassáveis
de alma escusa sem pássaros
Sem fonte matutina
Chão tramado de saudades
À eterna espera da brisa,
Sem carinhos . . . como me alegrarei?
-
Na solidão solitude
Na solidão entrei.
-
era uma esperança alada,
Não foi hoje mas será amanhã,
Há-de ter algum caminho
Ráio de Sol promessa olhar
As noites graves do amor
O luar a aurora o amor . . . que sei!
-
Na solidão solitude
Na solidão entrei
Na solidão perdi-me.
-
O agouro chegou. Estoura
No coração devastado
O riso da mãe-da-lua,
Não tive um dia! uma ilusão não tive!
Ternuras que não me viestes
Beijos que não me esperastes
Ombros de amigo fiéis
Nem uma flor apanhei.
-
Na solidão solitude
Na solidão entrei
Na solidão perdi-me,
Nunca me alegrarei.
*
MÁRIO DE ANDRADE
"Canção"
Poesias Completas
*
II
Milhões de rosas
Para esta grave
Melancolia,
milhões de rosas,
Milhões de castigos . . .
-
Milhões de castigos,
Imperfeita grávida,
Quem foi?
foi o vento
que fez-te imperfeita,
Milhões de aratacas!
-
A toca fendeu
Para esta grave
Melancolia,
Milhões de castigos,
Milhões de aratacas . . .
-
Salta o bicho roxo.
Depois ficou ruim,
Depois ficou roxo,
Depois ficou ruim,
Depois ficou roxo,
Ruim-roxo, ruim-roxo,
Milhões de bandeiras!
-
Os camisas pretas,
Os camisas pardas,
Os camisas roxas,
Ruim-roxo, ruim-roxo,
Milhões de bandeiras!
Milhões de castigos!
quem foi? foi a rosa
Dos ventos da amarga
Desesperança . . .
-
Êi-vem a morte
- ruim-roxo . . . -
Consoladora . . .
Milhões de rosas,
Milhões de castigos . . .
*
MÁRIO DE ANDRADE
Excerto "Grifo da Morte"
Livro Azul
*
III
O jardim estava em rosa ao pé do Sol
E o ventinho de mato que viera do Jaraguá,
Deixando por tudo uma presença de água,
Banzava gozado na manhã praceana.
-
Tudo limpo que nem toada de flauta.
A gente si quisesse beijava o chão sem formiga,
A boca roçava mesmo na paisagem de cristal.
-
Um silêncio nortista, muito claro!
As sombras se agarravam no folhedo das árvores
Tal qual mente preguiças pesadas.
O Sol sentava nos bancos tomando banho-de-luz.
-
tinha um sossego tão antigo no jardim,
Uma fresca tão de mão lavada com limão,
Era tão marupiara e descansante
Que desejei . . .Mulher não desejei não desejei . . .
Si eu tivesse a meu lado ali passeando
Suponhamos Lenine, Carlos Prestes, Ghandi, um desses! . . .
-
Na doçura da manhã quase acabada
Eu lhes falava cordialmente: - Se abanquem um bocadinho.
E havia de contar pra eles os nomes dos nossos peixes,
Ou descrevia Ouro Preto, a entrada de Vitória, Marajó
Coisa assim, que pusesse um disfarce de festa
No pensamento dessas tempestades de homens.
*
MÁRIO DE ANDRADE
"Manhã"
Remate de Males
*
IV
Quando a brisa no açoite
A flôr da noite se curvou
Fui encontra com a Maróca meu amor
eu senti n'alma um golpe duro.
Quando ao muro já no escuro.
Meu olhar andou buscando a cara dela e não achou
-
Minha viola gemeu, meu coração estremeceu.
Minha viola quebrou, meu coração me deixou.
-
Minha Maróca resolveu p'ra gosto seu me abandonar
Porque o fadista nunca sabe trabalhar
Isto é besteira pois da flôr
Que brilha e cheira a noite, inteira
Vem depois a fruta que dá gosto de saborear.
-
Minha viola gemeu, meu coração estremeceu.
Minha viola quebrou, meu coração me deixou.
-
Por causa dela sou um rapaz
Muito capaz de trabalhar
E todos os dias e todas as noites capinar
Eu sei carpir porque minh'alma está
Arada, loteada, capinada
Com as foiçadas desta luz do seu olhar.
*
MÁRIO DE ANDRADE
"Viola Quebrada"
*
V
Vem a estrela dos treze bicos,
BRASIL, COIMBRA, GUINÉ, CATALUNHA,
E mais a Burges inimaginável
E a decadência dos Almeidas.
-
E sobre a estrele dos treze bicos
Pesa um coração mole
De prata coticada trezemente,
Em cujo campo há-de inscrever-se
"Eu sou aquele que veio do imenso rio".
-
E sobre o campo do meu coração,
Todo em zarcão ardendo,
Há em ouro a arca de Noé com vinte-e-nove bichos blau,
E a jurema esfolhando as folhas derradeiras
Sobre Mestre Carlos, o meu grande sinal.
-
E a seguir a trombeta, essa trombeta
Insiste pela Catalunha,
Mas desta vez eu que escolhi!
Oh, meus amigos,
Perdão pelos seculos pesados de cicatrizes infinitas,
Perdão por todas as sabedorias,
Pela esfera armilar das conquistas insanas!
Essa trombeta eu que escolhi, toda de prata,
Com treze línguas de fogo na assustadora boca,
E a Inscrição "Que-dele eles?",
Eles, os bandeirantes . . .
-
E falta o boi Paciência, o boi que pertence a Armida,
Trás por guampas os cornos da luna
E um peitoral de turmalinas.
Mas esse vem no outro coração mole,
Não se mostra a ninguém.
O boi Paciência serão treze preguiças assustadas,
No porto do imenso rio esperando,
Esperando pelos treze caminhos
Das mil cavernas das quarenta mil perguntas.
-
Ai, que vou me calar agora,
Não posso, não posso mais!
*
MÁRIO DE ANDRADE
"Brasão"
Remate de Males
*
VI
Deve haver aqui perto uma roseira florindo,
Não sei . . . sinto por mim uma harmonia,
Um pouco da imparcialidade que a fadiga trás consigo.
-
Olho pra minhas mãos. E uma ternura perigosa
Me faz passar a boca sobre elas, roçando,
(De certo é alguma rosa . . .)
Numa ternura que não é mais perigosa não, é piedade paciente,
As rosas . . . Os milhões de rosas paulistanas . . .
Já tanto que enxerguei minhas mãos trabalhando,
E tapearem por brinquedo umas costas de amigo,
Se entregarem pra inimigo, erguerem dinheiro do chão . . .
Uma feita meus dedos poisaram nuns lábios,
Nesse momento eu quis ser cego!
Ela não quis beijar a ponta dos meus dedos,
Beijou as mãos, apaixonadamente, em submissão . . .
Ela beijou o pó das minhas mãos . . .
O mesmo pó que já desce na rosa nem bem ela se abre.
Deve haver aqui perto uma roseira florindo . . .
Que harmonia por mim . . . Que parecença com jardim . . .
O meu corpo está são . . . Minha alma foi-se embora . . .
E me deixou.
*
MÁRIO DE ANDRADE
"Momento"
Remate de Males
*
VII
O vento corta os seres pelo meio.
Só um desejo de nitidez ampara o mundo . . .
Faz Sol. Faz chuva. E a ventania
Esparrama os trombones das nuvens no azul.
-
Ninguém chega a ser um nesta cidade,
As pombas se agarram nos arranhacéus, faz chuva.
Faz frio. E faz angústia . . . É este vento violento
Que arrebenta dos grotões da terra humana
Exigindo céu, paz e alguma primavera.
*
MÁRIO DE ANDRADE
"Momento"
Remate de Males
*
VIII
Vosso corpo seria encontrado nos desertos.
Sois tão linda . . . você é a Lei!
Você é tão mal contrária a essas mil leis humanas
Que avançam cegas insensíveis sobre o horror . . .
Você é tal-e-qual, bem polida,
Sem erros , cadencial.
-
Oh besta fera maldita.
Você é mas é um braço esfomeado terminando em faísca do gládio,
Caindo aqui, varrendo além,
Voando, cego braço, aterrissando no meio das turbas,
Matando gente, depredando gente, inventando orfanatos,
Bandos de caravanas de leprosos,
Exílios pra judeus, pra paulistas, pra estudantada cubana,
Eu te amo de um amor educado no inferno!
Te mordo no peito até o sangue escorrer
Me dando socos, chorando, chamando de bruto, de cão,
O Grã Cão é o Maldiabo educado sozinho no inferno!
-
Nos debatemos, o braço esfomeado braceja,
Golpeia aqui, natou centenas de operários,
queima cafezais, trigais, canaviais, desocupados,
Quebra os museus grandiosos.
Usa a lei de fugir pra estudantada cubana.
-
E no esgorço subrosso colhendo com o gládio o subsolo da Europa,
Abaixo os tiranos! abaixo Afonso XIII!
O mar fez maremoto, e convulsivos
Nos odiando no mesmo abraço confundidos,
Eleitos, desesperados na febre de amar,
Jorramos em lucilações fantásticas tremendas,
Todo o nosso ardor vai se esgotar na seiva!
Você é lindíssima! É polida e cadencial feito uma lei!
Mas eu sou o Grã Cão que te marquei um bocado com o crime dos mundos!
E agora nem de perdão carecemos
No mesmo abraço desaparecidos.
*
MÁRIO DE ANDRADE
"Poema Tridente"
Grã Cão do Outubro
*
IX
A cidade está mais agitada a meio dia
As ruas devastam minha virgindade
E os cidadãos talvez marquem encontro nos meus lábios.
Minha boca é o peixe macho e derramo núcleos de amor pelas ruas.
Que irão fecundar os ovários da vida algum dia.
Eu venho das altas torres, venho dos matos alagados,
Com meus passos conduzidos pelo fogo do Grã Cão!
Mas pra viver na cidade de São Paulo escondi na corrente de prata
A inútil semente de acerba seda o arlequinal do meu dizer . . .
-
E agora apontai-me, janelas do Martinelli,
Calçadas, ruas, ruas ladeiras rodantes, viadutos,
Onde estão os judeus de consciência lívida?
Os tortuosos japoneses que flertam São Paulo?
Os ágeis brasileiros no Nordeste? os coloridos?
Onde estão os coloridos italianos? onde estão os turcomanos?
Onde estão os pardais, madame la Françoise,
Ergo, ego. Ega, égua, água, iota, calúnia e notícias,
Balouçantes nas marquesas dos roxos arranhacéus? . . .
-
Não vos trago a fala de Jesus nem o escudo de Aquiles,
Nem a casinha pequenina ou a sombra do jatobá.
Tudo escondi no caminho da corrente de prata.
Mas eu venho das altas torres trazido ao facho do Grã Cão,
Lábios, lábios para o encontro em que cantareis fatalmente,
Ameaçados pela fome que espia detrás da cochilha,
A dor, a caprichosa dor desocupada que desde milhões de existências.
busca a razão de ser.
*
MÁRIO DE ANDRADE
"Dor" 


X
A moça Camalalô
foi no mato colher fruta.
A manhã fresca de orvalho
Era quase noturna.
- Ah...
Era quase noturna...
-
Num galho de tarumã
Estava um homem cantando.
A moça sai do caminho
Pra escutar o canto.
-Ah...
Ela escuta o canto...
-
Enganada pelo escuro
Camalalô fala pro homem:
Ariti, me dá uma fruta
Que eu estou com fome.
- Ah...
Estava com fome...
-
O homem rindo secundou:
- Zuimaalúti se engana,
Pensa que sou ariti?
Eu sou Pai-do-Mato.
-
Era o Pai-do-Mato!
*
MÁRIO DE ANDRADE
"Toada do Pai-do-Mato"
(Índios Parecis)
Clã do Jabuti

▬▬▬
OS POETAS DIZEM . . .
*
Manuel Bandeira
*
Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
-
Sei bem que ela viá
(Pela força persuavisa do tempo).
Virá súbito um dia.
Inadvertida para os demais.
Poe exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra,
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue,
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
-
Mas agora não sinto a sua falta.
-
( É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu).
-
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua.
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.
*
MANUEL BANDEIRA
"A Mário de Andrade Ausente"
Belo Belo
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa" pág. 181).

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