domingo, 28 de junho de 2009

069 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


JOSÉ PAULO PAES
Nasceu em 22 de julho de 1926, signo de cancer,
Taquaritinga, Estado de São Paulo,
Brasil.
Filho de português. Colaborou em várias revistas
e jornais. . .
Seu corpo faleceu, 08 de outubro de 1998.
*
CANTOePALAVRAS
O Aluno, 1947; Cúmplices, 1951; Novas Cartas
Chilenas, 1954; Epigramas, 1958; Os Poetas, 1961;
Mistério em Casa, 1961; Anatomias, 1967;
Meia Palavra, 1973; Resíduo, 1980; Calendário
Perplexo, 1983; Um por Todos, 1986;
A Poesia está morta mas juro que não fui eu, 1988;
Olha o Bicho(infanti-juvenil), 1989;
A Aventura Literária, 1990; Prosas Seguidas de Odes
Mínimas, 1992; Um Número depois do Outro(infanto-juvenil),
1993; Lé com Cré(infanto-juvenil), 1993;
A Meu Esmo, 1995; De Ontem para Hoje, 1996
Um Passarinho me Contou(infanto-juvenil), 1996 . . .
*
I
Eu mal o conheci
quando era vivo.
Mas o que sabe afinal
um homem de outro homem?
-
Houve sempre entre nós certa distância,
um pouco maior que a desta mesa onde hoje escrevo
até esse retrato na parede
de onde ele me olha o tempo todo. Para quê?
-
Não são muitas as lembranças
que dele guardo: a aspereza
da barba no seu rosto quando eu o beijava
ao chegar para as férias;
o cheiro de tabaco em suas roupas;
o perfil mais duro do queixo
quando estava preocupado;
o riso reprimido
até soltar-se (alívio!)
na risada.
-
Falava pouco comigo.
Estava sempre
noutra parte: ou trabalhando
ou lendo ou conversando
com alguém ou então saindo
(quantas vezes!) de viagem.
-
Só quando adoeceu e o fui buscar
em casa alheia
e o trouxe para a minha casa(que infinitos
os cuidados de Dora com ele!)
estivemos juntos por mais tempo.
Mesmo então dele eu só conheci
a luta pertinaz
contra a dor, o desconforto, os negaceios
da morte já bem próxima.
-
Até o dia em que tive de ajudar
a descer-lhe o caixão à sepultura.
Aí então eu o soube mais que ausência.
Senti com minhas próprias mãos o peso
do seu corpo, que era o peso
imenso do mundo.
Então o conheci. E conheci-me.
-
Ergo os olhos para ele na parede.
Sei agora, PAI,
o que é estar-se vivo.
*
JOSÉ PAULO PAES
"Um Retrato"
Prosas Seguidas de Odes Mínimas
*
II
Tiro da sua cartola
repleta de astros,
mil sobrenaturais
paisagens de infância.
-
A tua bengalinha
queima os ditadores,
destrói as muralhas
libertando os anjos.
-
Calço seu sapato
e eis que percorro
a branca anatomia
de pássaros e flores.
-
Repito seus gestos
de amor e renúncia,
de música ou luta,
de solidariedade.
-
CARLITOS!¹
-
Teu bigode é a ponte
que nos liga ao sonho
e ao jardim tão perto.
-
¹Carlitos- Carles Chaplin, Inglês, ator, diretor, dançarino,
compositor, mimico, roteirista, músico . . .
O Grande Mestre do cinema mudo . . .
*
JOSÉ PAULO PAES
"O Poeta e seu Mestre"
O Aluno
*
III
No alto da serra,
A palmeira ao vento.
Palmeira, mastro
De bandeira, cruz
De madeira, pálio
De fúnebre liteira,
Que negro suado,
Crucificado,
Traído, morto,
Velas ainda?
Não sei, não sabes,
Não sabem. Os ratos
Roem seu livro,
Comem seu queijo
E calam-se, que o tempo
Apaga a mancha
De sangue no tapete
E perdoa o gato
Punitivo. Os ratos
Não clamam, os ratos
Não acusam, os ratos
Escondem
O crime de ¹Palmares.
-
Negra cidade
Da liberdade
Forjada na sombra
Da ²senzala, no medo
Da floresta, no sal
Do tronco, no verde
Cáustico da cana, nas rodas
Da moenda.
Sonhada no ³banzo,
Dançando no bumba
Rezada na *macumba.
Negra cidade
Da felicidade,
Onde a chaga se cura,
O grilhão se parte,
O pão se reparte
E o reino de °Ogun,
ªSangô, ¹¹Olodun,
Instala-se na terra
E o negro sem dono,
O negro sem feitor,
Semeia seu milho,
Espreme sua cana,
Ensina seu filho
A olhar para o céu
Sem ódio ou temor.
Negra cidade
Dos negros, obstinada
Em sua força de tigre,
Em seu orgulho de puma,
Em sua paz de ovelha.
Negra cidade
Dos negros, castigada
Sobre a pedra rude
E elementar e amarga.
Negra cidade
Do velho enforcado,
Da virgem violada,
Do infante queimado,
De §Zumbi traído.
Negra cidade
Dos túmulos, Palmares.
-
'Domingos Jorge, velho
Chacal, a barba
Sinistramente grave
E o sangue
Curtindo-lhe o couro
Da alma mercenária.
Domingos Jorge, velho
Verdugo, qual
A tua paga?
Um punhado de ouro?
Um reino de vento?
Um brasão de horror?
Um brasão: abutre
Em campo negro,
Palmeira decepada,
Por timbre, negro esquife.
Domingos Jorge Velho,
Teu nome guardou-o
A memória dos justos.
Um dia, em Palmares,
No mesmo chão do crime,
terás teu mausoléu:
Lápide enterrada
Na areia e, sobre ela,
A urina dos cães,
O vômito dos corvos
E o desprezo eterno.
-
¹Palmares- quilombo época da escravidão, situado na
Serra da Barriga, Alagoas, Brasil, onde chegou a morar
aproximadamente, 15.000 negros, fugidos da escravidão . . .
²Senzala- Casa grande, alojamento, onde moravam os escravos . . .
³Banzo- doença causada aos escravos africanos, por
saudades da África . . .
*Macumba- culto Afro-Brasileiro . . .
°Ogun- guerreiro Orixá, violento deus do ferro, da África Negra . . .
ªSangô- deus do raio, do trovão, do fogo, Àfrica Negra . . .
¹¹Olodun- deus dos deuses, o criador do Universo, palavra
de origem "Oryba", África . . .
§Zumbi- lider da comunidade "Quilombo dos Palmares",
morto em 1695 . . .
'Domingos Jorge Velho- Bandeirante que perseguiu Indios,
escravos e invadiu o "Quilombo dos Palmares" 1695 . . .
*
JOSÉ PAULO PAES
"Palmares"
Novas Cartas Chilenas
*
IV
Tenham sanhas, querelas, tempestades,
Os mares nunca dantes navegados.
No rude mais se alimpa e mais se apura
A estirpe dos barões assinalados.
-
Cante o vento na rede das enxárcias.
Afane-se o marujo na partida.
Impe o velame inquieto, corte a proa
O infinito das águas repetidas.
-
Ande a estrela cativa do astrolábio.
mostre a bússula válido caminho.
Nas cartas se escriture todo achado
E fama nos virá em tempo asinho.
-
Achar é nossa lida mais constante
E lucro nosso empenho mais vezeiro:
Hemos a gula vil do mercador
Num coração febril de marinheiros.
-
Pene o mouro na gleba, que buscamos
Não colheitas de terra, mas navais.
No comércio marítimo fundamos
Opulência, destino, capitais.
-

Almejo Cipangos misteriosas,
Fabulosas Catais, Indias lendárias.
As latitudes são-nos desafio,
Sendo as ondas do mar nossa alimária.
-
Diga o zarolho, pois, da grã porfia
Da lusitana grei contra o oceano,
Recordo embora o velho do Restelo
Da fama e da ambição o ledo engano.
-
Um dia, nos brasis de boa aguada,
Havemos nosso ocaso de encontrar
E, algemado à Conquista, há de morrer
Aquele Império que nasceu do mar.
*
JOSÉ PAULO PAES
"Os Navegantes"
Novas Cartas Chilenas

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