sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

173 - Rosa Silva " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA"


»1220«
ROSA SILVA
Rosa Maria Correia da Silva
Nasceu o1 de abril de 1964, signo de áries,
em Canada de Vassoura, Angra de Heroísmo, 
Ilha Terceira, Açores, Portugal. . .
Poetisa... 
*
CANTOePALAVRAS
Azoriana . . .
*
Rosas animam meu dia
Que se sente vão e perdido
Nem ouso fazer ruido.
Privo-me à melancolia.
-
Sua beleza é alegria;
Há espinhos com sentido,
Mas não lhes faço alarido
Pra não perder energia.
-
Ando às voltas nas marés
Enfrento alguns revés
Na espreita da nova luz.
-
Das rosas sorrisos vêm,
São eles que fazem bem
Na cor que noss'alma seduz.
*
ROSA SILVA
"A Cor que Seduz"
Azoriana
»1221«
ANTÓNIO DIAS MACEDO
Nasceu em Angola, África. Poeta e era capitão.
*
Se a Deos chamão por tu,
e a el Rey chamão por vós,
como chamaremos nós,
a três que não fazem hum,
que o povo indiscreto, e nú
falto de experiência, fez
em lugar de hum três
que com toda a Cortezia
tú, nem vós, nem Senhorita
merecem suas mercês.
*
ANTONIO DIAS MACEDO
(Sem Título)
»1222«
MÁRIO ANTÓNIO
Nasceu em 1934, Marquesa do Zombo,
Angola, África. . .

Poeta...
*
CANTOSePALAVRAS
Poesia, 1956; Poemas e conto miúdo, 1961;
Gente para romance, 1961; Chingufo, 1962;
100 Poemas, 1963; Crónica da cidade estranha, 1964;
Farra do fim de semana, 1965; Era tempo de poesia, 1966;
Rosto de Europa, 1968; Coração transplantado, 1970;
Afonso, O Africano, 1980; 50 anos, 50 poemas, 1988. . .
*
Nas tardes de domingo
(cheirava a doce de coco e rebuçado)
os meninos brincavam
iam passear no mar
até o Morro iam
ver a gente.
-
O menino ficou preso
quando cresceu.
-
E nas tardes de domingo
vozes vinham chamá-lo
vinham ecos de vozes
que lindas vozes o menino ouvia!
-
Mas o menino estava preso
e não saía. . .
-
Numa tarde de domingo
os outros meninos vieram chamar
O menino preso. . .
E foi nessa tarde de domingo
(cheirava a doce de coco e rebuçado)
que o menino fugiu para não voltar.
*
MÁRIO ANTÓNIO
"Fuga para a Infância"

»1223«
LUÍS MIRANDA CABRAL
Nasceu a 17 de outubro de 1926, signo de libra,
em Humpata, Angola, África.
Poeta, viveu  em Lisboa, Portugal, onde cursou a
"Sociedade Nacional de Belas Artes". . .
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
Já dezassete dias haviam passado
do mês de outubro, quando num povoado,
(lá, na Humpata querida), ele nascia.
-
São vinte e quatro horas daquele dia.
-
Pela oitava vez aquele lar
tal acontecimento foi festejar.
-
Luís lhe chamaram. E na igreja,
que logo à entrada da vila alveja,
um padre velho,tão velho, a tremer,
disse que ele um triste havia de ser . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Um dia os irmãos saem em burricada,
e deixam-lhe uma fisga endiabrada:
- "Ah! esqueceram-se disto?! Vão ver, manos! . . ."
(ele tinha então apenas cinco anos.)
-
Entra pela mata, pé ante pé:
ouvira dizer que assim é que é:
"matam-se pássaros até mais não querer. . . "
E como lhe ensinaram, que fazer . . .
-
No sombreado bosque há um encanto
que o surpreende. Parece ser santo
aquele silêncio, Lá em cima há ninhos.
Mas, então . . ."Que é feito dos passarinhos?"
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
As árvores quietas. Nada estremecia . . .
e ele procurava e nada via.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Primeiro manso, muito de mansinho,
ouviu . . .o gorgeio dum passarinho.
Onde estaria? Ali, com certeza,
no mais espesso daquela devesa . . .
Foi-se preparando, de antemão,
p'ra o tiro certeiro.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Já então,
o canto ressoava alto, sublime,
da triste bengalinha, que em um vime,
pousara. Luís vê bem a árvore,
porém, seu rosto tem uma expressão grave . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
LUÍS MIRANDA CABRAL
trechos de
" Memória "
»1224«
JOAQUIM CORDEIRO DA MATTA *
Nasceu em 1857, Angola, Àfrica. . .

Poeta...

Negra! Negra! como a asa
do corvo mais negro e escuro,
mas tendo os claros olhos,
o olhar mais límpido e puro.
*
JOAQUIM CORDEIRO DA MATTA
"Negra"
Almanach de Lembranças
»1225«
TOMAZ KIM
Joaquim Fernandes Tomás Monteiro Grilo
Nasceu em 1915, cidade de Lobito, Angola, África.
Poeta, doutorou-se em Letras na Universidade de Lisboa.
*
CANTOePALAVRAS
Em cada dia se morre, 1939; Para o nossa iniciação, 1940;
Os quatro cavaleiros, 1943; Dia da promissão, 1946;
Flora & Fauna, 1959; Exercícios temporais, 1967. . .
*
Eis aqui a estalagem:
Escassa a palha na mangedoira
E morno o bafo das animais.
-
Brilhante a estrêla,
Brilhante o brocado
Dos Reis.
-
Oh, o fulgor, até, dos farrapos
Dos Pastores!
-
Claro o silêncio:
Um murmúrio a prece
Na noite clara
De graça plena.
-
Mas longe, longe. . .tão perto,
Afinal
Que uivo de mau agoiro
A prometer o estrupo do Sol
E a sombra da carne viva
No chão
Gravada?
-
Tão negra a noite,
Agora,
Ó, Senhores do Mundo!
Tão nua de GRAÇA,
Agora,
A noite - a noite e os dias. . .
*
TOMAZ KIM
"Tempo de Natal"
Exercícios Temporais
»1226«
BOAVENTURA CARDOSO
Boaventura da Silva Cardoso
Nasceu a 26 de julho de 1944, signo de leão,
Luanda, Angola, África.
Poeta, participou de várias revistas e jornais.
Secretário do Comité Nacional Preparatório da VI
Conferência dos Escritores Afro-Asiáticos, 1979, Luanda,
Angola. . .
*
CANTOePALAVRAS
Dizanga Dia Muenhu; O Fogo da Fala, 1980 . . .
*
Tinha chuva grande. Na corrida rápida do vento,
o capim alto dobrava-se todo, as árvores estremeciam.
Os pássaros já tinham passado.
Só, uma andorinha voava, perdida. Antes da chuva as
cabras correram à toa, saltaram vedações, regressaram
à senzala. Brincadeiras das crianças lá fora terminara.
As mulheres preparavam o fogo da cozinha dentro das
cubatas. Às vezes uma faísca cortava o negro do céu.
Tinha chuva. Chovia. Chuva grande.
O canto crescia. Cada vez que as enxadas cavavam
a terra, as vozes eram mais fortes. Desbravando a terra,
os contratados cantavam. O chicote marcava o ritmo do
canto nas costas negras.
Canto, Trabalho. Canto. Trabalho. Canto. Trabalho.
Canto. Força! Força! Trabalho! Trabalho forçado! Força!
Quando começaram a trabalhar era demanhã. Sol ainda
nascente. Ainda que chovesse, o tempo estava marcado.
Os contratados tinham de trabalhar sem parar. Cortar
capim alto, terra preparar, café plantar, plantar, plantar.
Trabalho de contratado.
Agora estavam na fila. Alinhados, Os contratados não
podiam tossir, nem falar. À frente deles, a uma certa distância,
o patrão, barrigudo, encharutado, continuava a fazer
contas, a assinar papéis. Quase não olhava para os
contratados. No fim de cada mês era sempre assim.
- João Tomé! - começou finalmente a chamada dos
contratados.
- Presente! - respondeu o contratado, enquanto avançava
em direção à mesa onde estava o patrão. Humildemente.
- Seis vales na cantina, mais a visita do médico, mais o im-
posto indígena . . . descontando tudo, não tens nada a receber.
Nada a receber! - aqui o patrão falava alto para todos
ouvirem.
Entretanto, a cena foi acontecendo cada vez. A maior parte
dos contratados não recebia nada. Alguns recebiam dez
angolares para todo o mês! Avançavam esperançados, para
recuarem tristes na fila. Ninguém percebia as contas que o
patrão fazia. Os contratados não sabiam ler, nem escrever.
Terra flor, o café florescia. O patrão aumentava
a sua riqueza. Todos os anos comprava carros novos e ia
passar as férias no estrangeiro. Os contratados não tinham
descanso.
- David Kassule! - o patrão lhe chamou. Fez aldrabice nas
contas, assinou os papéis e disse: - Não tens nada a receber!
Vá! Toca a andar! Outro! Vá! Toca a andar!
Vendo que o contratado não saía daquele lugar, começou
a ficar furioso. Levantou-se e lhe empurrou. David Kassube
rapidamente deu murro na cara do patrão. A confusão era
grande. Os papéis estavam no chão. Não tinha mais fila de
contratados. Cada um estava admirado. De repente o patrão
pegou na pistola e descarregou as balas na cabeça do
contratado. David Kassube começou a sangrar.
Caiu no chão. Todos estavam em volta dele. O medo não
lhes deixava falar nada. O patrão quis disparar mais.
A pistola não tinha balas.
Foi buscar a cçadeira da caça no mato. Disparou todas as
balas, toda a fúria, toda a raiva, tudo no corpo do contratado.
Arrastando os pés descalços, os contratados regressaram.
Era noite. Cantavam o mesmo canto. A fila do regresso ia
ficando pequena. Uns iam caindo. O canto enfraquecia. Os
pés arrastavam-se. As vozes morriam. Não tinha mais
canto. A fila dos contratados desaparecera na escuridão
da noite escura.
*
BOAVENTURA CARDOSO
"O Canto da Fome"
O Fogo da Fala
»1227«
ANA SANTANA
Ana Paula de Jesus Faria Santana
Nasceu a 20 de outubro de 1960, signo de libra,
Gambela, Kwanza Sul, Angola, África.
Poetisa e especialista em "Economia Internacional e Integração
Económica Regional", Universidade Técnica de Lisboa,
Portugal, I.S.E.G.. Bacharel em "Economia Empresarial"
1998, Grão-Bretanha.
Homenagens: Premio de Mérito da "London School of
Economics and; Political Science", Grão-Bretanha.
*
CANTOePALAVRAS
Sabores, Odores & Sonhos, 1986. . .
*
Havia a felicidade
no alto do morro,
do perfil da música
-
Do bico do pássaro
-
Assim mesmo
como em momentos
nos guarda-jóias
buscando apenas
quando se deve
-
acreditar na semeadura
-
Vai havendo a impotência,
que é trágica
quando não comedida,
-
no montar do sorriso.
-
Assim também
como o dente trincando
a maçã da imagem
-
na sacritia.
*
ANA SANTANA
"Longe da Cidade"
»1228«
MARIA AMÉLIA DALOMBA
Nasceu em 1961, Cabinda, Angola, África.
Poetisa, psicologa, jornalista . . .
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
Quando a nuvem passar
a chuva
Desprender sobre os campos
Seus pingos que entoam
Baladas autênticas que
abafem meu pranto.
-
Voltarei
-
E sei que teus lábios
Se abrirão naquele sorriso
Ah!
aquele sorriso
que encanta tão bem.
*
MARIA AMÉLIA DALOMBA
" Aquele Sorriso "

174 - Alberto Lacerda " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

»1229«
AGUINALDO FONSECA
Nasceu em 1922, Mindelo, Cabo Verde, África. . .
Poeta...Integrou a revista "Claridade".
*
CANTOePALAVRAS
Linha do Horizonte, 1951. . .
*
I
Das estrelas e dos grilos,
Arrasta-se o vão lamento
Da África dos meus Avós,
Do coração desta noite,
Ferido, sangrando ainda
Entre suores e chicotes.
*
AGUINALDO FONSECA
"Magia Negra"
*
II
Eu sei que fico.
Mas o meu sonho irá
Levado pelo vento, pelas nuvens, pelas asas.
*
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá. . .
*
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos frutos, nos colares
E nas fotografias da terra,
Comprados por turistas estrangeiros
Felizes e sorridentes.
Eu sei que fico mas o meu sonho irá. . .
*
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Metido na garrafa bem rolhada
Que um dia hei-de atirar ao mar. . .
*
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá. . .
*
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos veleiros que desenho na parede.
*
AGUINALDO FONSECA
"Canção dos Rapazes da Ilha"
»1230«
DANIEL FELIPE
Daniel Damásio Ascenção Felipe
Nasceu em 1925, Ilha de Boavista, Cabo Verde, África. . .

Poeta, Jornalista...
Faleceu em 1966
*
CANTOePALAVRAS

Missiva, 1949; Marinheiros em Terra, 1949; O Viageiro Solitário, 1951;
Recado para a amiga distante, 1956; A Invenção do Amor e outros poemas, 1961;
Pátria, lugar de exílio, 1963; A ilha e a solidão, 1957. . .
*
I
É de água a sêde da paisagem
que o som da música enlanguesce.
Pedem meus olhos a miragem
de branca nuvem, fria aragem
- virgem morena que adolesce.

É de água a sêde deste monte
em sal e areia acontecido.
Venha a ternura de uma fonte!
Lírico som que em mim desponte
e saiba a céu e a ter vivido.

*
DANIEL FILIPE
"Seca"
A Ilha e a solidão
*
II
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de
aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nos
sa
esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor.
-
em letra enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com caráter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
DANIEL FILIPE
fragmento de
"A Invenção do Amor"
Cabo Verde

*
III
De ti sabes o nome
a hora exata o martelo no relógio
a escassa visão do tempo novo a vida
sempre imatura e entanto desejada
-
De ti sabes a calma citadina
a distância entre a casa e o emprego o perfil
da amante
o sabor do café matinal
a maresia súbita.
-
De ti sabes a idade a altura o peso e o vigor
dos músculos a suave atração
da porta do cinema
a misteriosa vos lunar palavras soltas
gararine  vostok estação espacial.
-
De ti sabes os sinais característicos
quanto pode ser escrito medido registrado
em fichas passaportes cartões de identidade
-
Só não sabes da bala da pólvora da arma
só não sabes das mãos como as tuas plebéias
erradas mãos do povo
só não sabes do medo do ódio da terrível impotência.
-
Só não sabes da morte antes do tempo
exilado na pátria numa tarde de Maio
Pergunto poderia cantar de modo alheio
dizer outras palavras como quem diz bom dia
poderia acaso ignorar o tempo a tortura a prisão
Bernardino e a pequena rosa
vermelha e orvalhada
insólita no tablier do automóvel azul.
-
Poderia falar dos dias impossíveis
das manhãs sem revolta do xadrez matemático
jogado interminavelmente
das virgens dos poentes do mar da minha infância
-
Poderia escrever meu amor e pensá-lo
sem mais nada sem a rubra mancha de sangue na parede da cela
sem um nome ou um grito.
*
DANIEL FELIPE
"Primeira Canção"
»1231«
HELDER ARY DE FREITAS DUARTE DE ALMEIDA
Nasceu a 26 de agosto de 1933, signo de virgem,
em Moçâmedes, Angola, África.
Poeta...
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
Na minha terra
a noite tem feitiço e lenda . . .
-
Tem a canção lânguida e fútil
das palavras
e do mar,
e a renda
inconsútil
do luar.
-
Tem fogueiras
e ritos
e gritos
nos batuques inquietos,
e feitiços
e amuletos
e lendas e canções
e pregões
castiços.
-
E tem o céu mais azul
e o Cruzeiro do Sul
a namorar a Lua . . .
Tem a beleza trágica
e nua
dos desertos com a mágica
das imagens
fátuas
das miragens,
e monólitos
talhados em perfis
febris,
convulsos e aflitos
de estátuas.
-
Tem a canção pagã
do galo da manhã
com o dia a nascer . . .
-
E tem a sombra do imbondeiro
sobre o capim rasteiro,
onde irei repousar . . .
dormir . . .talvez sonhar . . .
quando o quimbanda disser que vou morrer . . .
*
HELDER ARY DE FREITAS DUARTE DE ALMEIDA
" Cântico "
»1232«
RAUL BOPP
Nasceu em 1898, Tupaceretã, Estado do
Rio Grande do Sul, Brasil.
Poeta, foi diplomata em vários países, como Espanha,
Suíça. Fez parte de "Verde e Amarelo" grupo de
intelectuais e depois de "Antropofagia". . .
Homenagens: Premio "Machado de Assis", 1977 . . .
*
CANTOePALAVRAS
Cobra Norato, 1931; Urucungo. . .
*
Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens.
As florestas guardaram na sombra o segredo da tua história.
Trazes em baixo-relêvo inscrições de chicote no lombo.
-
Um dia atiraram-te no bôjo de um navio negreiro.
Durante noites longas e longas
vieste ouvindo o rugido do mar,
como um soluço no pão soturno.
-
O mar era um irmão da tua raça.
-
Um dia de madrugada
uma nesga de terra e um porto.
Armazéns com depósitos de escravos
e o gemido dos teus irmãos amarrados em coleiras de ferro.
-
Principiou aí a tua história.
-
O resto, o que ficou pra trás . . .
. . . o Congo, as florestas, o mar,
deixam queixas na corda do urucungo.
*
RAUL BOPP
"Negro"
Cobra Norato
»1233«
ALBERTO LACERDA
Alberto Correia de Lacerda
Nasceu a 09 de setembro de 1928, signo de virgem,
na Ilha de Moçambique, Moçambique, África.
Poeta...
Lecionou na, "Universidade de Austin", Estado do Texas, Estados
Unidos da América, "Universidade de Columbia", Nova
Iorque, Estados Unidos da América, "Universidade de Boston",
Estado de Massachussetts, Estados Unidos da América.
Participou em Portugal de várias revistas, a mais importante
"Tavola Redonda".
Premio "Pen Club", 1988. . .
*
CANTOePALAVRAS
77 Poemas, 1955; Palácio, 1961; Exilio, 1963;
Tauromagia, 1981; Oferenda I, 1984; Meio Dia, 1988;
Sonetos, 1991; Oferenda II, '994; Àtrio, 1997; Horizonte, 2001;
Mecânica Celeste . . .
*
I
Ó oriente surgindo do mar
Ó minha Ilha de Moçambique
Perfume solto no Oceano
Como se fosse em pleno ar
*
ALBERTO LACERDA
" Moçambique "
*
II
Não encontraste a rua
Não encontraste a casa
Não encontraste a mesa
No café que alguém
Por engano indicou
-
Mas a cidade é esta
E não outra
-
Não encontraste o rosto
-
O anel caiu
Ninguém sabe aonde.
*
ALBERTO LACERDA
" Não Encontraste a Rua "
»1234«
MARIA DO CARMO ABECASSIS
Nasceu em Lourenço Marques, Moçambique, África.
Poetisa...
*
CANTOePALAVRAS
Em Vez de Asas Tenho Braços, 1973 . . .
*
I
Foi uma janela fechada sobre o mar.
Sobre os teus olhos as palpebras descidas.
Foi uma sombra de sombras esvaecidas
O teu reflexo em mim sem refractar.
*
MARIA DO CARMO ABECASSIS
"Fim"
Em Vez de Asas Tenho Braços
*
II
Eu sou assim
tenho a sensação extravagante
que a vida dos outros está em mim
como o verde no azul berrante
*
MARIA DO CARMO ABECASSIS
"Dissonância"
Em Vez de Asas Tenho Braços
»1235«
ISABEL FERREIRA
Nasceu em 1958, Luanda, Angola, África.
Poetisa...
Bacharel em Direito. . .
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
Quotidianamente . . .
A vida
Um passeio destruido . . .
Um sapato descalçado . . .
-
A vida. . .
São ninhos destruidos
São pétalas caídas
-
A vida . . .
Um caminhante sem pousada
Um perdido à beira da estrada
-
A vida . . .
É poesia estancada
é poeta lânguido distraído
-
A vida. . .
É uma roda viva que vive rodando, rodando
Á procura da roleta.
*
ISABEL FERREIRA
" A Vida "
»1236«
MALANGATANA


Pintor "Malangatana"
Malangatana Valente Ngwenya
Nasceu a 06 de junho de 1936, signo de gêmeos,
Matalava, Moçambique, África.
O génio da pintura Moçambicana.
Ceramista, músicas!!, murais,

curandeiro e até Poeta?!!?? Também . . .
Um dos fundadores do "Museu
Nacional de Arte" de Moçambique. . .
Homenagens: "Ordem Cruzeiro do Sul",Brasil, 1990;
Grande Oficial "Ordem do Infante D. Henrique",Portugal
1995; Artista para a Paz, U.N.E.S.C.O., 1997; Membro da "Academia de Ciências" de Lisboa;
"Honoris Causa" Universidade de Évora, 2009 . . .
Faleceu a 05 de janeiro de 2011.
*
CANTOePALAVRAS
Vinte e Quatro Poemas, 1960 . . .
*
Alta, negra, esbelta e laboriosamente melada
sua boca húmida e brilhante
peito repleto de seios gelatinosos sumarento e pró-dócil
olhos amendoados e mãos sensuais.
Laurinda mexe seus membros como um pássaro voando,
sua cabeça mexe como se nada lhe prendesse
as ancas repletas dum ímpar sensualismo,
estremece suavemente suas nádegas bem redondas
olhar serpêntico, dança, canta e vai gritando descontraída.
Balança o corpo e vai subindo de intensidade
a volúpia vai atingindo o auge,
o corpo estremece cada mais forte,
o solo rubro faz arder o espaço
as pernas elegantes em passos comedidos vão sulcando
a terra vermelha.
-
A marrabenta extasia Laurinda
a capulana multicolor voa que nem uma pluma
marrabenta essa violenta e sensualíssima dança contagia
a multidão presente,
gente ulula como gazelas em cio
dança e dança muito.
-
O frenesim invade e o auge domina todos
a viola do Kho tão estridente multiplica o tom,
o eco contagia a aldeia.
De volta as árvores bailam e Matalana, bela aldeia dança
batendo palmas,
todos gritam: Laurinda, Laurindanôôô!!!
-
Essa esbelta mulher balança o corpo cada vez mais,
a terra cariciada pelos pés da Laurinda e tanta gente augia-se
a guitarra de Kho não pára
vibraliza cada vez mais os corpos da gente
Oh!! como é belo ver tanto povo dançar de volta da Laurinda!!!!!!!!!
*
MALANGATANA
"Dança Marrabenta"
*
Homenagem
*
Sou sobrevivente dos milhões
Mortos por falta de ar puro
Não estavam eles habituados
Ao ar condicionado
e à mina que os entupiu.
-
Morreram, morreram sem de despedirem
Debaixo daquela mina de ouro
Debaixo de aquela caverna
Não chiava galinha
Onde só há homens
*
RUI NOGAR
"Malangatana"
»1237«
ARMANDO ARTUR
João Armando Artur
Nasceu a 28 de dezembro de 1963, signo de capricórnio,
Poeta...
Zambézia, Moçambique, África. . .
*
CANTOePALAVRAS
Espelho dos Dias, 1986; O Hábito das Manhãs, 1990;
Estrangeiros de Nós Próprios, 1996;
Os Dias em Riste, 2002; No Coração da Noite, 2007 . . .
*
Hábito no Halo
dos meus versos
onde incansávelmente
rimo palavras sem rima
e seco lágrimas sem pranto.
-
É a arte de viver . . .
-
Como lacrar a vida e o amor
sem cantar?
como vencer o tédio e o terror
sem bailar?
eis a razão
porque sonho sem sono
porque vôo sem asas
porque vivo sem vida
-
no avesso dos versos escondo
o tesouro, da minha contariedade
o mistério da minha enfermidade
e o feitiço da minha eternidade.
*
ARMANDO ARTUR
"A Arte de Viver"