sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

177 - Leonel Alves " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA"

»1256«
ANTÓNIO ANTUNES
Nasceu em Cabo Verde
*
- Mamãe!
sonho que, um dia,
estas leiras de terra que se estendem,
quer seja Mato Engenho, Dàcabalaio ou Santana,
filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor,serão nossas.
E, então,
O barulho das máquinas cortando,
águas correndo por levadas enormes,
plantas a apontar,
trapiches pilando,
cheiro de melaço estonteando, quente,
revigorando os sonhos e remoçando as ansias
novas seivas brotaram da terra dura e seca!. . .
*
ANTÓNIO ANTUNES
"Mãe"


»1257«
JORGE BARBOSA
Jorge Pedro Barbosa
Nasceu em 1902, Praia, Cabo Verde, África
Colaborou com a revista "Claridade". . .
*
CANTOePALAVRAS
Arquipélago, 1935; Ambiente, 1941; Caderno de um ilhéu, 1956;
Poesia inédita e dispersa, 1993. . .
*
I
O Drama do Mar,
o desassossego do Mar,
sempre
sempre
dentro de nós!
-
O Mar!
cercando
prendendo as nossas Ilhas,
desgastando as rochas de nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias,
batendo a sua voz de encontro aos montes,
baloiçando os barquinhos de pau que vão por estas costas. . .
-
O Mar!
pondo rezas nos lábios,
deixando nos olhos dos que ficaram
a nostalgia resignada de países distantes
que chegam até nós nas estampas das ilustrações
nas fitas de cinema
e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros
quando desembarcam para ver a pobreza da terra!
-
O Mar!
a esperança na carta de longe
que talvez não chegue mais!. . .
-
O Mar!
saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos
passados,
histórias da baleia que uma vez virou a canoa. . .
de bebidas, de rixas, de mulheres,
nos portos estrangeiros. . .
-
O Mar!
dentro de nós todos,
no canto da Morna,
no corpo das raparigas morenas,
nas coxas ágeis das pretas,
no desjo da viagem que fica em sonhos de muita gente!
-
Este convite de toda a hora
que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir
e ter que ficar!
*
JORGE BARBOSA
"Poema do Mar"
*
II
Vou falar com o Pássaro-Rei,
vou-lhe pedir um favorzinho;
vou ver se ele me dá emprestado
sete penas brancas
para eu voar
e ir poisar no teto do mundo.
-
Se ele disser que sim,
estou garantido,
porque Capotona-Preta prometeu virar-me
dum passo para o outro,
em senhor da terra,
senhor das águas,
senhor dos céus,
senhor do Mundo.
-
Mas é se eu voar
com as sete penas brancas
E fôr poisar no teto do Mundo.
-
E porquê ele não me faz o favorzinho,
se lhe levo um punhado de milho
e se lhe digo: - Por favor?
*
JORGE BARBOSA
"Vou ser Senhor do Mundo"
»1258«
TAO KONG LIAO
"Zheng Zhuo Li"
Nasceu em Macau, Ásia . . .
*
As palavras
tal como um feixe de dedos
transformam em tinta o que é de apodrecer
para pintar as folhas verdes que cobrem a terra
Ah,elas estendem-se tremulamente ao tombar do tempo
para encher os dias da Primavera
para encher a vista atenta
para encher as notas musicais manchadas de sangue
para encher o desejo em que se respira a opulência.
-
Os dentes agudos das folhas cortando o frio da Primavera
Os seus lábios húmidos encharcando o sonho
Debaixo das folhas, talvez uma ponte
sob a qual corra a luz líquida do Sol
e uma aldeia moribunda comece a ressuscitar
Mesmo a morte e as pedras alimentam as veias das folhas
Nas folhas talvez poisem mil pássaros
Nas folhas talvez se forje um rosto solene
ou se beba o passado que se desja.
-
As palavras
vidradas num painel de chuva
são um sentimento inesgotável
repassado nas folhas sem limite.
*
TAO KONG LI
"Palavras"
»1259«

ALEXANDRE OTTO
Nasceu no Brasil . . .
*
Catirumbava"Orthogonys chloricterus"

Saracura

Gente-de-fora "Pitiguari"
Japiim.
Dançarino-Rosado ou Uirapuru-Cigarra.
Anambé-Roxo "Xipholena Punicea"
Amazonas.
Ariramba -pintado "Chloroceryle inda"
ou Martim-Pescador.
Pedreiro da Floresta "Furnarius leucopus".











Aracuã "Ortalis canicollis"ou Aranquã.

Curiango "Nyctidromus albicollis"
ou Bacurau ou Mede-caminho.
(Aquarela de Louis Agassiz Fuertes, 1926).
Licorne.
Piaçoca "Jacana jacana"
ou Cafezinho ou Jaçanã.

Catirumbava, Saracura Azul,
Gavião-Pinagé,Gente-de-Fora,
Jaçanã, Pomba Rola, Japiim,
Dançarino-Rosado, Anambé-Roxo.

-
Ariramba, Pedreiro, Uirapuru,
Aracuã, Curiango, Beija-Flôr,
Pipira, Bem-te-vi, Galo-da-Serra,
Arara-Azul, Licorne, Piaçoca,

-
Canário, Sábia, Arapaçu,
Tucano, Pica-pau, Rolinha-Roxa,
Quero-Quero, Inambu, Garça-Real,
-
Socó-Boi, Andorinha, Macuquinho,
Pedreiro, Olho-de-Fogo, Mergulhão,
Anu-Branco, Coroca e Muia!
*
ALEXANDRE OTTO
"Um Pássaro tornou mais ampla a tarde"
»1260«
LEONEL ALVES
Nasceu,27 de janeiro. . . Macau. . .
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . .
*
Meu pai transmontano
Minha mãe chinesa taoísta
Eu cá sou, pois euraseano
Cem por cento macaísta
-
Meu sangue tem bravura
Dos touros de Portugal,
Temperada co'a brandura
Do chinês meridional.
-
Meu peito é luso-chinês,
Meu génio sino-lusitano,
E toda a minha altivez
Sabe ter um trato lhano.
-
Tenho um pouco de CAMÕES
E defeitos lusitanos
E nalgumas ocasiões
Pensamentos confucianos.
-
Gosto de tinto e bagaço
Dos meus paternos avós
E cerimónias não faço
Com aguardente de arroz.
-
É verdade que me exalto
Á maneira portuguesa,
Mas também sei fazer alto
Com toda a calma chinesa.
-
Nariz tenho ocidental
E de Oriente é meu bigode,
Se vou à Sé Catedral,
Também vou a um pagode.
-
Sei rezar Avé Maria,
Assim como ó lei tó fate,
Sempre sonhei ser um dia
Um bom sino-luso vate.
-
Sempre tenho à minha mesa
Caril com arroz ou pão,
Minha mulher é chinesa
Com sangue de Paquistão.
-
Assim, os meus descendentes
Têm sangue internacional
E vão deitando sementes
Em qualquer belo local.
-
Tem sido a minha horta boa,
Pois nunca a colheita engana,
Dei fruta desde Lisboa.
-
Se sou o que sou, dou graças
À CHINA e a PORTUGAL,
Pois já criei novas raças
Pró progresso universal.
*
LEONEL ALVES
"Sabem quem sou"

»1261«
APARÍCIO FERNANDES DE OLIVEIRA
Nasceu a 16 de dezembro de 1934, signo de sagitário,
em Acari, Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Viveu por
muito tempo em Macau, cidade no Rio Grande do Norte.
*
CANTOePALAVRAS
O grande Rei, 1966; Rei dos Reis, 1968;
Trovadores do Brasil(tres volumes), 1966 a 1970. . .


*
I
Nas translúcidas asas da quimera,
volto a Macau. Vejo a rua da frente.
A respeitabilíssima e severa
figura de meu pai está presente.
-
Beijo-lhe as mãos, com devoção sincera,
e sinto, num transporte comovente,
a mensagem de luz da atmosfera
brilhando na salina alvinitente.
-
Percorro as ruas. É de bom alvitre
não me impressionar demasiado
com frias cicatrizes do salitre
nas paredes austeras de um sobrado.
-
Meu Deus, meu Deus, é todo o meu passado
que a memória me traz, nítidamente
as pessoas, orio e êste dobrado
que a Banda vai tocando alegremente!
-
Contemplo, com saudade, mil janelas
que emolduram lindas namoradas. . .
o campo do Cruzeiro. . .as aquarelas
das garças pensativas e paradas. . .
-
As comadres sentadas nas calçadas,
os passeios em volta da pracinha,
a doce amenidade da tardinha. . .
-
O Porto do Roçado, o Alagamar,
as Quatro Bôcas da prostituição,
onde o anjo da Saudade vai lançar
uma benevolente absolvição. . .
-
Volto aos sítios, enfim de antigamente:
serestas. . .pastoris. . .o futebol. . .
e as barcaças que, pacientemente,
cruzam o rio sob a luz do sol. . .
-
Com a fleugma sutil de um velho bardo,
preso à bóia,mas livre na vontade,
faz a côrte, o rebocador Ricardo
às lanchas Patativa e Liberdade. . .
-
Visito a velha igreja e não resisto
ao pranto que me jorra em profusão,
ao ver minha madrinha, a Mãe de Cristo,
- Virgem da Imaculada Conceição!
-
Peço a bênção ao Monsenhor Honório,
que ainda hoje reza a missa humildemente;
só que agora o seu templo é um zimbório
azul, universal e resplandecente!
-
Filo cigarros na alfaiataria,
jogo sinuca em três ou quatro bares,
recordo os carnavais em que se via
mil coreografias singulares. . .
-
As feiras no Mercado. . .as procissões. . .
o Atêrro, que a paisagem nos descerra
dos moinhos de vento. . .as pulsações
das artérias de sal da minha terra!
-
A revoada feliz das andorinhas,
o louco esbracejar dos caranguejos,
o bamboleio das algas marinhas,
as carícias dos ventos benfazejos.
-
Diviso ao longe Edinor Avelino,
no seu habitual recolhimento:
- o Poeta conversa com o destino,
"nos grandes vôos do seu pensamento".
-
Mas eis que a escuridão torna-se espêssa,
até que o luar desponta e envolve a gente.
-Foi o "motor da luz", cuja cabeça
voltou a se quebrar, infelizmente. . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .


MACAU! Tu me apareces, hoje em dia,

como um sacrário de melancolia,
revestindo da místicos esplendor.
-
Pois em tua paisagem feiticeira
guardo a esperança da ilusão primeira
choro a saudade do primeiro amor!
*
APARÍCIO FERNANDES DE OLIVEIRA
"Macau" (Rio Grande do Norte)
"A cidade onde passei a infância e a adolescência"

*
II
Quantos amores tive! Todas elas
revejo-as hoje em proporções normais.
No entanto, outrora, além de serem belas,
eu as julgava deusas imortais!
*
Tolo que fui! Aspirações singelas
dos verdes anos que não voltam mais!. . .
E só porque gostava muito delas,
não percebia como eram banais!
*
Algo porém ficou que me comove:
o louco anseio de que se remove
o turbilhão de beijos sensuais!
*
Pois na saudade de um adolecente
o Sol do amor fulgura eternamente,
num resplendor de auroras boreais!
*
APARÍCIO FERNANDES
"Todas Elas. . ."

»1262«

"Lua Nova"
 eclipse solar, Goa.

Foto N.A.S.A.
VIMALA DEVI
Teresa de Almeida
Nasceu em 1932, Goa, Ásia. . .

CANTOePALAVRAS

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Na madrugada de lágrimas e esperanças,
Teu pranto é o meu.
-
De ti vem um apelo
Dolorido e ancestral.
-
No meu pensamento serás sempre
O eterno sonho luso
- Comunhão de mosteiros e pagodes.
-
O Súria divino
Esconde-se tímido
Cobrindo de luto
Teus rios e prados!
Calam-se murdangas e batuques;
Mandóis são lamentos
Do folclore em agonia. . .
-
Teu brado de protesto,
Como eco abafado,
Guardarei no sorriso
Que me deste em criança,
E a tua expressão de luar
Na noite de amor mais fundo
Será o meu único enlevo
No sonho da noite imensa.
-
Envolta em odor de sândalo,
Serei a voz da consciência;
A voz de dois mundos!
*
VIMALA DEVI
"Goa"


                                        ▬
                                                                         »1263«
GLÓRIA DE SANT'ANA
Nasceu a 25 de maio de 1925, signo de gemeos,
cidade de Lisboa, Portugal.
Morou por muito tempo em Moçambique, África,
1951 a 1974, participou em muitas revistas, e
jornais, eternizou na sua poesia o mar de Porto Amélia, hoje
Pemba, esta a cidade, onde morou em Moçambique.
Agraciada com o prémio "Camilo Pessanha". . .
*
CANTOePALAVRAS
Ausente, 1954; Livro de Água, 1961;
Poemas do Tempo Agreste, 1964; Um Denzo Azul Silêncio, 1965;
A Escuna Angra, 1966/1968; Desde que o Mundo, 1972;
Do Tempo Inútil(crónica), 1975; Zum-Zum, 1996;
Solampo, 2000; Ao Ritmo da Memória, 2003;
O Pelicano Velho, 2003;
*
Nós somos o que esperamos
todos ainda iguais aos mortos recentes
mas cobertos das cicatrizes
colhidas nas seivas dos ramos molhados de sangue
na alta lua esgarçada das vigílias
no último eco mortífero e vibrante . . .
*
GLÓRIA DE SANT'ANA
" Poema dos Jovens Conscientes "
»1264«
ERNESTO LARA FILHO
Ernesto Pires Barreto de Lara Filho
Nasceu a 02 de novembro de 1932, signo de escorpião,
cidade de Benguela, Angola África.
Viajou para vários paises como Bélgica, França e
Portugal, onde estudou na Escola Nacional em
Agricultura, Coimbra.
Como jornalista, participou e, jornais, e revistas
exemplo "Diário de Luanda".
Prémios
"Sociedade Cultural de Angola"
"Alexandre Dáskalos", Casa dos Estudantes
do Império, Lisboa, Portugal.
Acesse internet site http://www.uea.angola.org/
*
CANTOePALAVRAS
Picada de Marimbondo, 1961;
O Canto de Martrindinde e Outros Poemas
Feitos no Puto, 1964; Crônicas da Roda Gigante, 1990 . . .
*
I
Sou sincero.
Eu gostava de ser negro.
gostava de ser um Joe Louis, um Louis Armstrong
um Harrison Rillard, um Jess Owens,
um Leopold Shengor, um Aimé Cesaire, um Diopp
gostava de ritmar,
de dançar como um negro.
-
Sou sincero.
Eu gostava de ser negro
vivendo no Harlem,
nas plantações do Sul,
trabalhando nas minas do Rand,
cantando ao luar da Massangarala
ou nas favelas da Baía.
-
Eu gostava de ser negro.
E sou sincero . . .
*
ERNESTO LARA FILHO
" Sinceridade "
O Canto do Martrindinde
*
II
Tu,
que lá em Benguela
tinhas saudades do Minho
Expressas
em todos os teus olhares saudosos,
em todas as conversas.
-
Tu,
que sempre recordavas lá tão longe
a tua terra distante
o teu Portugal de menino.
-
Por que,
meu pai,
me negas o direito simples
de amar a minha terra,
a minha Angola?
Por que me negas todos os dias.
A todas as horas,
o direito sagrado
de ter saudades da minha terra,
de olhar com os olhos embaciados,
mas contentes,
de escrever longas cartas inconsequentes,
de ter longas conversas melancólicas
sobre a minha terra desflorada,
a minha Angola adiada?
-
Serei poeta também
adiado como a minha terra.
Eu negarei Pai e Mãe
pela minha terra.
Três vezes como Pedro
o apóstolo
negou Cristo
Três vezes antes de o galo cantar
no raiar da madrugada.
*
ERNESTO LARA FILHO
" Pergunta " (para meu pai)
O Canto do Martrindinde
(Mais Poemas . . . "NEGRAS CAPAS . . .POETAS
DE COIMBRA ", 184).


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