domingo, 8 de fevereiro de 2009

181 - Manuel Bandeira " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA"


"Meu Jardim" Flor de Maio, 
Foto LuisD.

»1292»
EDUARDO GUIMARAENS
Nasceu a 30 de março de 1892,signo de áries,
em Porto Alegre, Estado de Rio Grande do Sul, Brasil.
Filho de português. Participou do segundo número
da revista "Orpheu" em Portugal.
Faleceu a 13 de dezembro de 1928, Rio de Janeiro. Brasil.
Estilo simbolismo.
*
CANTOePALAVRAS
Divina Quimera. . .
*
Tarde, os salgueiros. . . Têm a fronde à beira-rio
Que solidão! Ao longe, o horizonte sombrio
do crepúsculo e no alto o vasto céu vazio

de nuvens, muito claro. . .Outono, Quase frio.
-
Outono. Sente a gleba um desjo de paz.
Repira o coração o acre aroma fugaz
que das cousas se evola e que à luz se desfaz
do ocaso, à dúbia luz deste ocaso lilás.
-
Outono. Sob o azul do céu que se angeliza,
com que resignação de mártir agoniza
e morre a tarde! Treme entre ramos a brisa.
-
Bailam as folhas no ar. Pálido, o sol se esvai.
Perde-se uma asa, além. . . Só, como uma alma, vai!
Segue-a o teu doce olhar que sonha. . . E a noite cai.
*
EDUARDO GUIMARAENS
"Autunal"
»1293«
MANUEL BANDEIRA
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho
Nasceu a 19 de abril de 1886. signo de áries, no Recife,
Estado de Pernambuco, Brasil. Morou no Rio de Janeiro,
e na Suíça (Clavadel) 1913, por problemas de saúde.
Participou da "Semana da Arte Moderna" com o poema "SAPOS",

lido por Ronald de Carvalho, também fez parte da
"Academia Brasileira de Letras".
Estilo Modernista.
Faleceu a 13 de outubro de 1968.

CANTOePALAVRAS
A Cinza das Horas, 1917; Carnaval,1919; Poesias, 1924;
O Ritmo Dissoluto
Libertinagem,1930; Estrela da Manhã, 1936;
Poesias Escolhidas, 1937; Poesias Completas,1940;
Lira dos Cinquent'anos, 1948; Belo Belo, 1948;
Opus X, 1952; Mafuá do Malungo, 1954;
Estrela da Tarde, 1963; Estrela da Vida Inteira,1966;

*I*
Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.
Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

MANUEL BANDEIRA
"Estrela"
*
*II*
Que importa a Paisagem, a glória, a baía, linha do horizonte?

- O que eu vejo é o beco.

MANUEL BANDEIRA
"Poema do Beco."
Estrela da Vida Inteira
*
*III*
Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdad e Cuzco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
vida noves fora zero.
*
MANUEL BANDEIRA
"Belo belo"
Lira dos Cinquet'anos
*
*IV*
Enfuando os papos,
Saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
-
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
_ "Não foi" - "Foi" - "Não foi!"
-
O sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
-
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
-
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
-
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
-
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há arte poéticas. . ."
-
Urra o sapo-boi
- "Meu pai foi rei" - " Foi!"
-"Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
-
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- "A grande arte é como
lavor de joalheiro.
-
Ou bem de estatuário.
tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
-
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
_ "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
-
Longe dessa grita,
lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
-
Lá, fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
-
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio. . .
*
MANUEL BANDEIRA
"Os sapos"
Estrela da Vida inteira
"Jardim Botânico" São Paulo, Brasil.
 Foto LuisD.
*
V
Na sombra cúmplice do quarto,
Ao contacto das minhas mãos lentas,
A substância da tua carne
Era a mesma que a do silêncio.
-
Do silêncio musical, cheio
De sentido místico e grave,
Ferindo a alma de um enleio
Mortalmente agudo e suave.
-
Ah, tão suave e tão agudo
!Parecia que a morte vinha . . .
Era o silêncio que diz tudo
O que a intuição mal adivinha.
-
É o silêncio da tua carne.
Da tua carne de âmbar, nua,
Quase a espiritualizar-se
Na aspiração de mais ternura.
*
MANUEL BANDEIRA
"O Silêncio"
O Ritmo Dissoluto
*
VI
Vinha caindo a tarde. Era um poente de agosto.
A sombra já enoitava as moitas. A umidade
Aveludava o musgo. E tanta suavidade
Havia, de fazer chorar nesse sol-posto.
-
A viração do oceano acariciava o rosto
Como incorpóreas mãos. Fosse mágoa ou saudade.
Tu olhavas, ser ver, os vales e a cidade.
-
▬ Foi então que senti sorrir o meu desgosto.
-
Ao fundo o mar batia a crista dos escolhos . . .
Depois o céu . . . e mar e céus azuis: dir-se-ia
Prolongarem a cor ingênua de teus olhos . . .
-
A paisagem ficou espiritualizada.
Tinha adquirido uma alma. E uma nova poesia
Desceu do céu, subiu do mar, cantou na estrada . . .
*
MANUEL BANDEIRA
"Um Sorriso"
A Cinza das Horas
*
VII
Eu vi uma rosa
▬ Uma rosa branca ▬
Sózinha no galho.
No galho? Sózinha
No jardim, na rua.
-
Sózinha no mundo.
-
Em torno, no entanto.
Ao sol de mei-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendida.
-
Tudo isso era excesso.
-
A graça essencial,
Mistério inefável
▬ Sobrenatural ▬
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sózinha no galho.
-
Sózinha no tempo.
-
Tão pura e modesta,
Tão perto do chão,
Tão longe na glória
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outrora Anunciação.
*
MANUEL BANDEIRA
"Eu Vi Uma Rosa"
Lira dos Cinquent'anos
*
VIII
Murmúrio dágua, és tão suave e meus ouvidos . . .
Faz tanto bem à minha dor teu refrigério!
Nem sei passar sem teu murmúrio a meus ouvidos,
Sem teu suave, teu afável refrigério.
-
Água da fonte . . . água de oceano . . . água de pranto . . .
Água de rio . . .
Água de chuva, água cantante das lavadas . . .
Têm para mim, todas consolos de acalento,
A que sorrio . . .
-
A que sorri a minha cínica descrença.
A que sorri o meu opróbrio de viver.
A que sorri o mais profundo desencanto
Do mais profundo e mais recôndito em meu ser!
Sorriem como aqueles cegos de nascença
Aos quais Jesus de súbito fazia ver.
-
A minha mãe ouvi dizer que era minhama
Tranqüila e mansa.
Talvez ouvi, quando criança,
Cantigas tristes que cantou à minha cama.
Talvez por isso eu me comova a aquela mágoa.
Talvez por isso eu me comova tanto à mágoa
Do teu rumor, murmúrio dágua . . .
-
A meiga e triste rapariga
Punha talvez nessa cantiga
A sua dor e mais a dor de sua raça . . .
Pobre mulher, sombria filha da desgraça!
-
▬ Murmúrio dágua, és a cantiga de minhama.
*
MANUEL BANDEIRA
"Murmúrio Dágua"
Ritmo Dissoluto
*
IX
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, Obrigado!
-
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até ao fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Matal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
*
MANUEL BANDEIRA
"Versos de Natal"
Lira dos Cinquent'anos
*
X
▬ Alô, cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que tantas saudades me deixaste?
-
▬ Andei onde o vento.
Onde foi meu pensamento.
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe . . .
Voltei, te trouxe a alegria.
-
▬ Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.
-
▬ Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia . . .
-
▬ E esqueceste Pernambuco
Distraída?
-
▬Voei ao Recife, no cais
Pousei na Rua Aurora.
-
▬ Aurora da minha vida,
Que os anos não trazem mais!
-
▬ Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino
Para o bem que é deste mundo:
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia.
Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te Trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.
*
MANUEL BANDEIRA
"Cotovia"
Opus X
. . . Homenagem dos Poetas . . .
*
Sophia de Mello B. Andresen
*
Este poeta está
Do outro lado do mar
Mas reconheço a sua voz há muitos anos
E digo ao silêncio os seus versos devagar
-
Relembrando
O antigo jovem tempo tempo quando
Pelos sombrios corredores da casa antiga
Nas solenes penumbras do silêncio
Eu recitava
"As três mulheres do sabonete Araxá"
E minha avó se espantava.
-
MANUEL BANDEIRA era o maior espanto da minha avó
Quando em manhãs intactas e perdidas
No quarto já então pleno de futura
Saudade
Eu lia
A canção do "Trem de ferro"
E o "Poema do beco".
-
Tempo antigo lembrança demorada
Quando deixei uma tesoura esquecida nos ramos da cerejeira
Quando
Me sentava nos bancos pintados de fresco
-
E no Junho inquieto e transparente
As três mulheres do sabonete Araxá
Me acompanhavam
Tão visíveis
Que um eléctrico amarelo as decepava.
-
Estes poemas caminharam comigo e com a brisa
Nos passeados campos da minha juventude
Estes poemas poisaram a sua mão sobre o meu ombro
E foram parte do tempo respirado.
*
SOPHIA DE MELLO B. ANDRESEN
"Manuel Bandeira"
Geografia
»1294«


ANTÓNIO FEIJÓ
António Joaquim de Castro Feijó
Nasceu a 01 de junho de 1859, signo de gemeos
Ponte de Lima, Portugal.
diplomata, poeta
Homenageou Camões, pelo tricentenário de sua morte,
compôs "Sacerdos Magnus".

formado em direito pela "Universidade de Coimbra"
Foi membro da "Academia Brasileira de Letras". . .
Faleceu na Suécia, 20 de junho de 1917.

CANTOePALAVRAS

Transfigurações, 1862; Líricas e Bucólicas, 1884;
À janela do Ocidente, 1885;
Cancioneiro Chinês, 1890; Ilha dos Amores, 1897; Bailatas, 1907. . .


I
Morreu. Deitada no caixão estreito,
Pálida e loira, muito loira e fria,
O seu lábio tristíssimo sorria

Como num sonho virginal desfeito.

- Lírio que murcha ao despontar do dia,
Foi descansar no derradeiro leito,
As mãos de neve erguidas sôbre o peito,
Pálida e loira, muito loira e fria. . .

Tinha a cor da rainha das baladas
E das monjas antigas maceradas,
No pequenino esquife em que dormia. . .

Levou-a a morte em sua garra adunca!
E eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
Pálida e loira, muito loira e fria.

ANTÓNIO FEIJÓ
"Pálida e Loira"


II
Vejo um belo caminho marginado
De viridentes árvores frondosas,
Todo em sombras discretas mergulhado
E coberto de moitas olorosas.
-
Mas de que serve este caminho estreito
Em cuja sombra o meu olhar demoro?
Sei muito bem que ele não vai direito
À habitação daquela a quem adoro.
-
E aquela a quem adoro e por quem erro...
Não pode nas estradas caminhar...
Logo ao nascer, em borzeguins de perro
Os tenros pés fizeram-lhe moldar!
-
E ninguém sabe que torturas sofre
Nem que desgosto o meu amor pressente!
- Quando nasceu, fecharam-lhe num cofre
O pequenino coração tremente...

ANTÓNIO FEIJÓ
"O Mau Caminho"

III
Adoro essa mulher moça e formosa,
Que à janela, a sonhar, vejo esquecida,
não por ter uma casa suntuosa
Junto ao Rio Amarelo construída...
- Amo-a porque uma folha melindrosa
Deixou cair nas águas, distraída.
-
Também adoro a brisa do Levante,
Não por trazer a essência virginal
Do pessegueiro que floriu distante,
No pendor da Montanha Oriental...
- Amo-a porque impeliu a folha errante
Ao meu batel, no lago de cristal.
-
E adoro a folha, não por ter lembrado
A nova primavera que rompeu,
Mas por causa dum nome idolatrado,
Que essa jovem mulher nela escreveu
com a doirada agulha do bordado...
E esse nome... era o meu!

ANTÓNIO FEIJÓ
"A Folha do Salgueiro"
Cancioneiro Chinês
*
»1295«
GUILHERME DE ALMEIDA
Guilherme de Andrade e Almeida
Nasceu a 24 de julho de 189o, signo de leão,
em Campinas, Estado de São Paulo, Brasil.
Se formou em Direito em São Paulo (1912)
Faz parte da "Semana de Arte Moderna"(1922),

da "Revolução Constitucionalista"(1932)"e da
"Academia Brasileira de Letras". . .
Considerado "O Príncipe do Poetas Brasileiros."
Um dos fundadores da revista Modernista "Klaxon",
integrante do movimento "Verde-Amarelo"e
"Escola de Anta", 1927. Exilado em Portugal.
Escreveu para vários jornais.
Estilo Modernista
Faleceu a 11 de julho de 1969.

CANTOePALAVRAS
Nós, 1917; A Dança das Horas, 1919; Messidor, 1919;
Livro de Horas de Sóror Dolorosa, 1920;
Era uma vez. . ., 1922; A Frauta que eu Perdi, 1924;
Encantamento, 1925; Meu, 1925; Raça, 1925;

A Flor que foi um Homem, 1925; Simplicidade, 1929;
Carta a minha Noiva, 1931; Você, 1931;
Cartas que eu não Mandei, 1932; Acaso, 1938;
Cartas do meu Amor, 1941; Poesia Vária, 1947;
O Anjo de Sal, 1951; Acalanto de Bartira, 1954;
Camoniana, 1956; Pequeno Romanceiro, 1957;
A Rua, 1962; Rosamor,1965; Toda a Poesia, 1952;
Gente do Cinema, 1929; O Meu Portugal, 1933;
A Casa, 1933 . . .
*
I
Aí está a rosa,
aí está o vaso,

aí está a água,
aí está o caule,
aí está a folhagem,
aí está o espinho
aí está a cor,
aí está o perfume,
aí está o ar,
aí está a luz,
aí está o orvalho,
aí está a mão
(até a mão que colheu).

Mas onde está a terra?

Poesia não é a rosa.

GUILHERME DE ALMEIDA

"Definição de Poesia"
*
II
Edifiquei certo castelo
por uma esplêndida manhã:
brincava o sol, quente e amarelo,
numa alegria incauta e sã.
E eu quis fazer, ó louco anelo!
desse palácio encantador
o ninho rico, mas singelo,
do teu, do meu, do nosso amor

por isso, em vez do som do duelo
tinindo em luta heróica a vã,
fiz soluçar um "ritornello"
em cada ameia ou barbacã. . .
Depois, tomando o camartelo,
alto esculpi, dominador,
esse brasão suntuoso e belo
do teu , do meu, do nosso amor.

De que seviu? se elo por elo
dessa paixão de alma pagã
rompeste a golpes de cutelo,
ó minha loira castelã?
Hoje estou só, sozinho, e velo
por este imenso corredor
que corre, corre paralelo
ao teu, ao meu, ao nosso amor.

GUILHERME DE ALMEIDA
"Balada do solitário"
*
III
Só Para além da janela,
nem uma nuvem, nem uma folha amarela
manchando o dia de ouro em pó. . .
Mas, aqui dentro, quanta bruma,
quanta folha caindo, uma por uma,
dentro da vida de quem vive só!
-
Só - palavra fingida,
palavra inútil, pois quem sente
saudade, nunca está sózinho e a gente
tem saudade de tudo nesta vida. . .
-
De tudo! De uma espera
por uma tarde azul de Primavera;
de um silêncio, da música de um pé
cantando pela escada;
de um véu erguido, de uma boca abandonada,
de um divã, de um adeus, de uma lágrima até!
-
No entanto, no momento,
tudo isso passa
na asa do vento,
como um simples novêlo de fumaça. . .
E é só depois de velho, uma tarde esquecida,
que a gente se surpreende a resmungar:
"Foi tudo o que vivi de tôda a minha vida!"
E começa a chorar. . .
*
GUILHERME DE ALMEIDA
"Saudade"
Messidor
»1296«
Ferreira Gullar

FERREIRA GULLAR
José Ribamar Ferreira
Nasceu a 10 de setembro, 1930, 
signo de virgem, em
São Luis do Maranhão, Estado do Maranhão, Brasil.
Participou em vários jornais e revistas, no Rio de Janeiro,
Brasil. Foi exilado do Brasil, 1971.
Homenagens:
Prémio "Jabuti", 2000 e 2007;
Prémio "Alphonsus de Guimaraens" 2000;
Prémio "Machado de Assis", 2005;
Prémio "Camões", 2010. . .Estilo modernista-concreto.
Faleceu em 04 de Dezembro de 2016, Rio de Janeiro, Brasil*
CANTOePALAVRAS
Um Pouco Acima do Chão, 1949;Poesias, 1952; A Luta Corporal, 1954;
João Boa-Morte(cordel), 1962;

Cabra para Morrer(cordel), 1962;
Quem Matou Aparecida(cordel), 1962;
Dentro da Noite Veloz, 1975; Poema Sujo, 1976
Na Vertigem do Dia,1980; Barulhos, 1987;
Muitas Vozes, 1999; Em Alguma Parte Alguma, 2010. . .

***
I



Entre lojas de flores de sapatos,bares, mercados, butiques,
viajo
num ônibus Estrada de ferro - Leblon.
Volto do trabalho, a noite em meio,

fatigado de mentiras.

O ônibus sacoleja. Adeus Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito-militar.

digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato

um poema

uma bandeira.

FERREIRA GULLAR
"Agosto 1964"
***
II
Uma pedra
(diz
o filósofo,existe
em si.
não para si
como nós).

-
Uma pedra

é uma pedra
matéria densa
sem qualquer luz
não pensa.
-
ela é somente sua
materialidade
de cousa:
não ousa
-
enquanto o homen é uma
aflição
que repousa
num corpo
que ele
de certo modo
nega
pois que esse corpo morte
e se apaga
-
e assim
o homem tenta
livrar-se do fim
que o atormenta.
-
e se inventa.
*
FERREIRA GULLAR
"Uma Pedra é uma Pedra"
*
III
Não é voz de passarinho
Flauta do mato
Viola
-
Não é voz de violão
Clarinete pianola
-
É voz de gente
(na varanda? na janela?
na saudade? na prisão?)
-
é voz de gente - poema:
fogo logro solidão.
*
FERREIRA GULLAR
" A Voz do Poeta "
Na Vertigem do Dia
*
IV
Meu povo e meu poema crescem juntos
Como cresce no fruto
a árvore nova
-
No povo meu poema vai nascendo
como no carnaval
nasce verde o açúcar
-
No povo meu poema está maduro
como o Sol
na garganta do futuro
-
Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil
-
Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta.
*
FERREIRA GULLAR
" Meu Povo, Meu Poema "
Dentro da Noite Veloz
*
V
Vida tenho uma só
que se gasta com a sola de meu sapato
a cada passo pelas ruas
e não dá meia-sola.
-
Perdi-a já
em parte
num pôquer solitário,
mas a ganhei de novo
para um jogo comum.
-
E neste jogo a jogo
inteira, a cada lance,
que a vida ou se perde ou se ganha com os demais
e assim se vive
que o mais é pura perda.
*
FERREIRA GULLAR
" Perde e Ganha "
Dentro da Noite Veloz
*
VI
A poesia é, de fato, o fruto
de um silêncio que sou eu, sois vós,

por isso tenho que baixar a voz
porque, se falo alto, não me escuto.
-
A poesia é, na verdade, uma
fala ao revés da fala,
como um silêncio que o poeta exuma
do pó, a voz que jaz embaixo
do falar e no falar se cala.
Por isso o poeta tem que falar baixo
baixo quase sem fala em suma
mesmo que não se ouça coisa alguma.
*
FERREIRA GULLAR
"Falar"
Em Alguma Parte Alguma
*
VII
*
O sofrimento não tem
nenhum valor
não acende um halo
em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão
de uma alegria).
-
Sofres tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?
*
A justiça é moral, a injustiça não. A Dor
te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos
espiam o Sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
querem estar contentes.
*
FERREIRA GULLAR
Na Vertigem do Dia
VIII
O que vi do universo
até hoje foi pouco
mas, se penso em quanto meço,
posso dizer que foi muito.
-
Sei, de ler, que o universo
é de tais dimensões
que a própria luz só o atravessa
depois de bilhões e bilhões
-
de anos, e que nele há
miltidões de galáxias e sóis
que talvez já morreram, antes
de chegar sua luz até nós.
-
Deste modo, é correto dizer
que o céu que ora espio é passado
e que até pode ser que
o universo que vejo já se tenha acabado.
-
Mas, de fato, não vejo
a não ser nas revistas
de astronomia: o lampejo
espantoso de infinitas
-
constelações a brilhar
num abismo espectral e difuso
de gases e poeira estelar
que me deixa confuso.
-
E assim, assustado e mudo,
bem menor que um infimo
grão de poeira, contudo,
sou capaz de apreender, no meu íntimo,
-
essas incontáveis galáxias,
esses espaços sem fim,
essa treva e explosões de lava.
Como tudo isso cabe em mim?
-
O fato é que qualquer vasta nuvem
prenhe de sóis já mortos ou futuros
não possui consciência, esse obscuro
fenômeno surgido aqui na Via Láctea,
-
ou melhor, na Terra, e talvez
sómente nela, não se sabe por que,
mas que permite ao cosmos perceber-se
a si mesmo, e ter olhos pra se ver.
-
Olhos que são os nossos,
lentes minúsculas mas sensíveis
que captam a luz das nebulosas
vinda de espaço e tempo inconcebíveis.
-
É o que dizem, pois tudo
o que vejo é, à noite, apenas o brilhar
de distantes luzes no escuro.
São estrelas? Planetas do sistema solar?
-
Somos algo recente e raro
no universo, como rara
é também a própria luz
dos sóis deste Sol que nos aclara.
-
Todo o universo é treva.
Inalcançável vastidão escura
dentro da qual os sóis, as explosões
de gás e luz são exceções.
-
O universo na sua vastidão vazia
é espaço e treva, é matéria fria
em que não há o mínimo sinal
de vida ou consciência; o que é mental
-
nele, ao que se sabe, está em nós,
no mínimo do mínimo do existente
e o que também na treva luze é nossa voz
inaudível no espantoso vão silente.
-
Vi pouco do universo: afora a asa
de luz e pó da Via Láctea, o que conheço
são as manhãs que invadem minha casa
*
FERREIRA GULLAR
"Universo"
Em Alguma Parte Alguma

»1297«

ALPHONSUS DE GUIMARAENS
Afonso Henriques da Costa Guimaraens
"Solitário de Mariana"
Nasceu a 24 de julho de 1870, signo de leão, em Ouro Preto,
estado de Minas Gerais, Brasil.
Filho de pai português
Formou-se em Direito, em São Paulo, Brasil, 1895. . .
Estilo simbolismo.
Faleceu a 15 de julho de 1921, Mariana, Brasil.
*
CANTOePALAVRAS
Setenário das Dores de Nossa Senhora, 1899;
Câmara ardente,1899;
Dona Mística, 1899; Kiriale, 1902;
Mendigos(prosa), 1920; Pauvre Lyre, 1921;
Pastoral aos crentes do amor e da morte, 1923;
Mendigos, 1920; Pulvis; 

Septenário das dores de Nossa Senhora. . .
*
I
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar. . .
Viu uma lua no céu.
Viu outra lua no mar.
-
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar. . .
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar. . .
-
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar. . .
Estava perto do céu,
Estava longe ao mar. . .
-
E como um anjo pendeu
As asas para voar. . .
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar. . .
-
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par. . .
sua alma subiu bao céu,
Seu corpo desceu ao mar. . .
*
ALPHONSUS DE GUIMARAENS
"Ismália"
Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte
*
II
Quando chegastes, os violoncelos
Que andam no ar cantaram hinos.
Estrelaram-se todos os castelos,
E até nas nuvens repicaram sinos.
-
Foram-se as brancas horas sem rumo,
Tanto sonhadas! Ainda, ainda
Hoje os meus pobres versos perfumo
Com os beijos santos da tua vida.
-
Quando te foste, estalaram cordas
Nos violoncelos e nas harpas. . .
E anjos disseram:- "Não mais acordas,
Lírio nascida nas escarpas!
-
Sinos dobraram no céu e escuto
Dobres eternos na minha ermida.
E os pobres versos ainda hoje enluto
com os beijos santos da despedida.
*
ALPHONSUS DE GUIMARAENS
"VIII"
*
III
Rosas que já vos fostes desfolhadas
Por mãos também que já foram, rosas
Suaves e tristes! rosas que as armadas,
Mortas também, beijaram suspirosas . . .
-
Umas rubras e vãs, outras fanadas,
Mas cheias do calor das amorosas,
Sois aroma de alfombras silenciosas,
Onde dormiram tranças destrançadas.
-
Umas brancas, da cor das pobres freiras,
Outras cheias de viço e de ferscura,
Rosas primeiras, rosas derradeiras!
-
Ai! quem melhor que vós,se a dor pedura,
Para coroar-me, rosas passageiras,
O sonho que se esvai na desventura?
*
ALPHONSUS DE GUIMARAENS
" Rosas "
Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte
*
IV
"Meu Jardim"
Foto Luis Dias

Ando em meio de flores e de ninhos,
▬ Gorjeios de aves, aromais de lírios . . .
As açucenas gostam dos velhinhos,
Estrelejam de branco os seus martírios.
-
Lençóis de neve dos mais alvos linhos
Bem cedo amortalharem meus delírios . . .
Como sonho com o céu, pelos caminhos
Segue-me sempre a luz de quatro círios.
-
A sombra vespertina do desgosto
(Como descamba tristemente o dia!)
Vestiu de luto as linhas do meu rosto . . .
-
Não sei se longe ou perto surge o porto:
Sei que aos poucos me morro em calmaria,
Pois não há ondas mais neste Mar-Morto . . .
*
ALPHONSUS DE GUIMARAENS
"Ando em meio de flores e de ninhos"
Pulvis
*
V
Foi assim que eu a vi. Desse momento
A lembrança tranqüila vem-me do alto,
▬ Sonho de rosas num país nevoento,
De que afinal acordo em sobressalto.
-
Fugiu-me essa visão: de novo tento
Firmar os passos para um novo assalto.
Mas que farás, pobre homem sem alento,
Tu, cego da Alma e de coragem falto!
-
Que farás, coração que magoas,
Na tua timidez contemplativa,
Só, tão longe das Almas que são boas!
-
Que farás, Alma, tu que louca e pasma,
Seguindo embora o rastro de uma viva,
Beija os passos longos de um fantasma!
*
ALPHONSUS DE GUIMARAENS
"Foi assim que eu a vi . . .
Dona Mística
*
VI
Olhos sublimes, sombras chinesas,
Sob a arcaria das sobrancelhas . . .
Solar magnífico, onde princesas
Passam de túnicas vermelhas . . .
-
Olhos de poente, luares remotos,
Por entre torres inacessíveis . . .
Rosas e lírios, goivos e lotos,
Roxas violetas impassíveis . . .
-
Olhos viúvos, santos, blasfemos,
Ladainha dos Sete Pecados . . .
Nuvens doiradas de crisantemos,
Sonhos de místicos noivados . . .
-
Olhos pungentes, que chorais tanto,
Dias de luto, noites em calma . . .
Instrumentados por algum Santo
Para o responso da minh'alma . . .
-
Olhos profundos, florindo juntos,
Cheios do sangue dos sacrifícios . . .
Essas armadas para defuntos,
Dobres dos últimos ofícios . . .
-
Olhos, olhares evocadores
De espectros mudos de altivo porte . . .
Fechai a campa dos meus amores,
Oficiantes da minha morte!
*
ALPHONSUS GUIMARAENS
"Olhos . . ."
Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte
*
VII
Existem junto da fonte,
Crescidas à luz do luar,
Duas árvores defronte
Da janela do teu lar.
-
O coqueiro e o cinamomo
Nasceram do mesmo chão . . .
De noite são tristes como
Quem morre do coração.
-
A fonte dorida chora
Por entre seixos de luar,
Quando se fecham, Senhora,
As janelas do teu lar.
-
E o coqueiro, todo em palmas,
Beija o cinamomo em flor . . .
Imagem das nossas almas
Unidas no mesmo amor!
*
ALPHONSUS GUIMARAENS
"Existem junto da Fonte"
Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte
*
VIII
O luar, sonora barcarola,
Aroma de argental caçoula,
Azul, azul em fora rola . . .
-
Cauda de virgem lacrimosa,
Sobre montanhas negras pousa,
Da luz na quietação radiosa.
-
Como lençóis claros de neve,
Que o Sol filtrando em luz esteve,
É transparente, é branco, é leve.
-
Eurritmia celestial das cores,
Cheias de esperanças de estrelas,
O luar é o sonho das donzelas.
-
Tem cabalísticos poderes
Como os olhares das mulheres:
Melancoliza e enerva os seres.
-
Afunda na água o alvo cabelo,
E brilha logo, algente e belo,
Em cada lago um sete-estrelo.
-
Cantos de amor, salmos de prece,
Gemidos, tudo anda por esse
Olhar que Deus à terra desce.
-
Pela sua asa, no ar revolta,
Ao coração do amante volta
A Alma da amada aos beijos solta.
-
Rola, sonora barcarola,
Aroma de argental caçoula,
O luar, azul em fora, rola . . .
*
ALPHONSUS GUIMARAENS
"Ária do Luar"
Dona Mística
»1298«
ALFREDO DA CUNHA
Nasceu em 1863, Fundão, Portugal
Jornalista, poeta . . .
Faleceu em 1942.
*
"Vozes do povo", de quem serão?
Quem lhes deu corpo? quem deu expressão
quase dogmática
- ora singela, ora enigmática -
à sua linguagem,
numas, grosseira,
noutras subtil;
nestas, oriunda de alta linhagem,
naquelas, vinda de origem vil?
-
"Vozes do Povo", serão de quem?
tal qual no auto
do grande Gil
De todo o mundo. . .e de ninguém!
e quer nos lembrem o agudo Plauto
quer nos recordem o bom Platão muitas igualam!
os doutos juizes de Salomão
e, assim como este, julgam e falam.
-
"Vozes do Povo", que vozes são?
sejam sisudas, sejam burlescas são dicções breves e pitorescas
que, em frases feitas, cristalizadas
desde idos tempos, correm espalhadas,
de boca em boca, por más e boas bocas do mundo,
razoar de coisas e de pessoas,
ligeiro agora, logo profundo!
São os "logares selectos,uns" outros, "comuns"
de tam vulgares e repetidos
que andam nos lábios e nos ouvidos
de toda a gente néscios e sábios.
-
Ditos dispersos, que posto achasseis
verificados
em rimas fáceis,
em metros pobres,
- embora, às vezes de pés quebrados, -
melhor conseguem suster-se em pé
que outros de engenhos raros e nobres,
visto que até,
obras sublimes, de estros gloriosos
hão de mais prestes cair no olvido
que esses dizeres - em estilo poído
de lingua arcaica - sengos e diosos!
-
"Vozes do Povo!" é bem sabido
que, se umas tomam como argumento
motejo frívolo e comezinho
ao qual revestem, como indumento, de tom escarninho,
outras dir-se-iam na transcendência dos pensamentos,
rasgos de génio, teses de ciência,
bronzeas, solenes e lapidares
como legendas de monumentos.
-
Prístinas vozes que vêm de antanho!
quantas, na ideia, bem singulares
Quantas, na letra, de teor estranho,se nos figuram
como de estirpe mais do que humana!
-
"Vox Dei" lhes chamam. . .E assim perduram por toda a idade,
qual verbo eterno que do alto emana
nos imperiosos decretos seus,
para escarmento da humanidade!
-
"Vozes do Povo. . .Vozes de Deus!"
*
DR. ALFREDO DA CUNHA
"Vox Populi, Voz de Deus."
»1299«
PEDRO TAMEN
Pedro Mário Alles Tamen
Nasceu a 01 de dezembro de 1934, signo de sagitário,
em Lisboa, Portugal.
Formou-se em Direito, Universidade de Lisboa,
1975, Portugal. . .
*
CANTOePALAVRAS
Poema para todos os dias,1956;
O sangue, a água e o vinho, 1958;
Primeiro livro de Lapinova, 1960; Poemas a isto, 1962;
Daniel na cova dos leões, 1970; Escrito de memória, 1973;
Os quarenta e dois sonetos, 1973; Agora, estar, 1975;
Poesia, 1956/78, 1978; Horácio e Coriáceo, 1981. . .
*
Amor, amar-te qual, amar-te quanto,
queimar o verbo quente nos minutos,
amar-te nas palavras que não canto
mais que tê-las dispersa, como enxutos

olhos de verão perene, ede surpresa;
amar de vida e oco, ter perdido
outro pão, outro vinho e outra mesa
além do que tu seres me dá doído

às horas da manhã; amar o leve
e pesado sentir da tua mão
- que o tempo se mudou só porque esteve

e está depois caída sobre o chão
que se te deu, por isso se te deve,
por sua natureza lobo e cão.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Mulher, crescem os dias. Que estações
vividas viveremos, pois se tanto
os dias crescem, brilham os limões
e nula mais que outra tem encanto

que nos preze e nos prenda ao oiro lento
que nossas mãos destilam devagar.
A luz nos diz, agora temos tempo,
e as casa longe não afastam ar

que respiremos até que seja oano
infinito de noites e medidas
sem turvo nem tumor de mal engano,

e primaveras sejam tão compridas
que verão, inverno, outono, o chão guano
das dores inacabadas mas cumpridas.
*
PEDRO TAMEN
"Sonetos"
Os quarenta e dois sonetos
»1300«
CRUZ E SOUSA 
João da Cruz e Sousa
Nasceu a 24 de Novembro de 1861, signo sagitário,
natural de Florianópolis (antigo, Desterro),
Estado de Santa Catarina, Brasil.
Pai
e mãe escravos alforriados,
Participou em vários jornais, no Rio
de Janeiro, Brasil. . .
Estilo simbolismo.
Faleceu a 19 de março de 1898.

CANTOePALAVRAS
Tropos e Fantasias(prosa), 1885;
Broquéis e Missal,1893; Evocações, 1898;
Faróis,1900; Últimos Sonetos, 1905;
Poesias completas, 1944. . .
*
I
Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento. . .
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
bocas murmurejantes de lamento.
-
Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da Fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.
-
sutis palpitações à luz da lua,
anseios dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.
-
Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
rasgando as almas que nas sombras tremem
-
Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram
Gemidos, prantos, que no espaço morrem. . .
-
E sons soturnos, suspiradas mágoas,
Mágoas amargas e melancólicas,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.
-
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
-
Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso. . .
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.
-
Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas de sonho,
Almas que se abismaram no mistério.
*
CRUZ E SOUSA
"Violões que choram". . .
Poesias Completas
*
II
Muito embora as estrelas do Infinito
Lá de cima me acenem carinhosas
E desça das esferas luminosas
A doce graça de um clarão bendito;
-
Embora o mar, como um revel proscrito
Chame por mim nas vagas ondulosas
E o vento venha em cóleras medrosas
O meu destino proclamar n'um grito;
-
Neste mundo tão trágico, tamanho
E o amor e tudo para mim avaro!. . .
-
Ah! como eu sinto compungidamente,
Por entre tanto horror indiferente,
Um frio sepulcral de desamparo!
*
CRUZ E SOUSA
"Só"
Últimos Sonetos
*
III
Por sóis, por belos sóis alvissareiros,
Nos troféus do teu Sonho irás cantando,
As púrpuras romanas arrsatando,
Engrinaldado de imortais loureiros.
-
Nobre guerreiro audaz entre os guerreiros,
Das Idéias as lanças sopesando,
Verás, a pouco e pouco, desfilando
Todos os teus desejos condoreiros. . .
-
Imaculado, sôbre o lôdo imundo,
Há de subir, com as vivas castidades,
Das tuas glórias o clarão profundo.
-
Há de subir, além de eternidades,
Diante do tôrvo crocitar do mundo,
Para o branco Sacrário das Saudades!
*
CRUZ E SOUSA
"Sonhador"
Broquéis
*
IV
Para as Estrelas de cristais gelados
as ânsias e os desejos vão subindo,
galgando azuis e siderais noivados
de nuvens brancas e amplidão vestindo . . .
-
Num cortejo de cânticos alados
os arcanjos, as cítaras ferindo,
passam, das vestes nos troféus prateados,
as asas de ouro finamente abrindo . . .
-
Dos etéreos turibulos de neve
claro incenso aromal, límpido e leve,
ondas nevoentas de Visões levanta . . .
-
E as ânsias e os desjos infinitos
vão com os arcanjos formulando ritos
da Eternidade que nos Astros canta . . .
*
CRUZ E SOUSA
" Siderações "
Bróqueis
*
V
Quem anda pelas lágrimas perdido,
sonâmbulo dos trágicos flagelos
e quem deixou para sempre esquecido
o mundo e os fúteis ouropéis mais belos!
-
É quem ficou do mundo redímido,
expurgado dos vícios mais singelos
e disse a tudo o adeus indefinido
e desprendeu-se dos carnais anelos!
-
É quem entrou por todas as batalhas,
as mãos e os pés e o flanco ensagüentado,
amortalhado em todas as mortalhas,
-
Quem florestas e mares foi rastado
e entre raios, pedradas e metralhas
ficou gemendo, mas ficou sonhando!
*
CRUZ E SOUSA
Últimos Sonetos



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