sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

174 - Alberto Lacerda " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

»1229«
AGUINALDO FONSECA
Nasceu em 1922, Mindelo, Cabo Verde, África. . .
Poeta...Integrou a revista "Claridade".
*
CANTOePALAVRAS
Linha do Horizonte, 1951. . .
*
I
Das estrelas e dos grilos,
Arrasta-se o vão lamento
Da África dos meus Avós,
Do coração desta noite,
Ferido, sangrando ainda
Entre suores e chicotes.
*
AGUINALDO FONSECA
"Magia Negra"
*
II
Eu sei que fico.
Mas o meu sonho irá
Levado pelo vento, pelas nuvens, pelas asas.
*
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá. . .
*
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos frutos, nos colares
E nas fotografias da terra,
Comprados por turistas estrangeiros
Felizes e sorridentes.
Eu sei que fico mas o meu sonho irá. . .
*
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Metido na garrafa bem rolhada
Que um dia hei-de atirar ao mar. . .
*
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá. . .
*
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos veleiros que desenho na parede.
*
AGUINALDO FONSECA
"Canção dos Rapazes da Ilha"
»1230«
DANIEL FELIPE
Daniel Damásio Ascenção Felipe
Nasceu em 1925, Ilha de Boavista, Cabo Verde, África. . .

Poeta, Jornalista...
Faleceu em 1966
*
CANTOePALAVRAS

Missiva, 1949; Marinheiros em Terra, 1949; O Viageiro Solitário, 1951;
Recado para a amiga distante, 1956; A Invenção do Amor e outros poemas, 1961;
Pátria, lugar de exílio, 1963; A ilha e a solidão, 1957. . .
*
I
É de água a sêde da paisagem
que o som da música enlanguesce.
Pedem meus olhos a miragem
de branca nuvem, fria aragem
- virgem morena que adolesce.

É de água a sêde deste monte
em sal e areia acontecido.
Venha a ternura de uma fonte!
Lírico som que em mim desponte
e saiba a céu e a ter vivido.

*
DANIEL FILIPE
"Seca"
A Ilha e a solidão
*
II
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de
aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nos
sa
esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor.
-
em letra enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com caráter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
DANIEL FILIPE
fragmento de
"A Invenção do Amor"
Cabo Verde

*
III
De ti sabes o nome
a hora exata o martelo no relógio
a escassa visão do tempo novo a vida
sempre imatura e entanto desejada
-
De ti sabes a calma citadina
a distância entre a casa e o emprego o perfil
da amante
o sabor do café matinal
a maresia súbita.
-
De ti sabes a idade a altura o peso e o vigor
dos músculos a suave atração
da porta do cinema
a misteriosa vos lunar palavras soltas
gararine  vostok estação espacial.
-
De ti sabes os sinais característicos
quanto pode ser escrito medido registrado
em fichas passaportes cartões de identidade
-
Só não sabes da bala da pólvora da arma
só não sabes das mãos como as tuas plebéias
erradas mãos do povo
só não sabes do medo do ódio da terrível impotência.
-
Só não sabes da morte antes do tempo
exilado na pátria numa tarde de Maio
Pergunto poderia cantar de modo alheio
dizer outras palavras como quem diz bom dia
poderia acaso ignorar o tempo a tortura a prisão
Bernardino e a pequena rosa
vermelha e orvalhada
insólita no tablier do automóvel azul.
-
Poderia falar dos dias impossíveis
das manhãs sem revolta do xadrez matemático
jogado interminavelmente
das virgens dos poentes do mar da minha infância
-
Poderia escrever meu amor e pensá-lo
sem mais nada sem a rubra mancha de sangue na parede da cela
sem um nome ou um grito.
*
DANIEL FELIPE
"Primeira Canção"
»1231«
HELDER ARY DE FREITAS DUARTE DE ALMEIDA
Nasceu a 26 de agosto de 1933, signo de virgem,
em Moçâmedes, Angola, África.
Poeta...
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
Na minha terra
a noite tem feitiço e lenda . . .
-
Tem a canção lânguida e fútil
das palavras
e do mar,
e a renda
inconsútil
do luar.
-
Tem fogueiras
e ritos
e gritos
nos batuques inquietos,
e feitiços
e amuletos
e lendas e canções
e pregões
castiços.
-
E tem o céu mais azul
e o Cruzeiro do Sul
a namorar a Lua . . .
Tem a beleza trágica
e nua
dos desertos com a mágica
das imagens
fátuas
das miragens,
e monólitos
talhados em perfis
febris,
convulsos e aflitos
de estátuas.
-
Tem a canção pagã
do galo da manhã
com o dia a nascer . . .
-
E tem a sombra do imbondeiro
sobre o capim rasteiro,
onde irei repousar . . .
dormir . . .talvez sonhar . . .
quando o quimbanda disser que vou morrer . . .
*
HELDER ARY DE FREITAS DUARTE DE ALMEIDA
" Cântico "
»1232«
RAUL BOPP
Nasceu em 1898, Tupaceretã, Estado do
Rio Grande do Sul, Brasil.
Poeta, foi diplomata em vários países, como Espanha,
Suíça. Fez parte de "Verde e Amarelo" grupo de
intelectuais e depois de "Antropofagia". . .
Homenagens: Premio "Machado de Assis", 1977 . . .
*
CANTOePALAVRAS
Cobra Norato, 1931; Urucungo. . .
*
Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens.
As florestas guardaram na sombra o segredo da tua história.
Trazes em baixo-relêvo inscrições de chicote no lombo.
-
Um dia atiraram-te no bôjo de um navio negreiro.
Durante noites longas e longas
vieste ouvindo o rugido do mar,
como um soluço no pão soturno.
-
O mar era um irmão da tua raça.
-
Um dia de madrugada
uma nesga de terra e um porto.
Armazéns com depósitos de escravos
e o gemido dos teus irmãos amarrados em coleiras de ferro.
-
Principiou aí a tua história.
-
O resto, o que ficou pra trás . . .
. . . o Congo, as florestas, o mar,
deixam queixas na corda do urucungo.
*
RAUL BOPP
"Negro"
Cobra Norato
»1233«
ALBERTO LACERDA
Alberto Correia de Lacerda
Nasceu a 09 de setembro de 1928, signo de virgem,
na Ilha de Moçambique, Moçambique, África.
Poeta...
Lecionou na, "Universidade de Austin", Estado do Texas, Estados
Unidos da América, "Universidade de Columbia", Nova
Iorque, Estados Unidos da América, "Universidade de Boston",
Estado de Massachussetts, Estados Unidos da América.
Participou em Portugal de várias revistas, a mais importante
"Tavola Redonda".
Premio "Pen Club", 1988. . .
*
CANTOePALAVRAS
77 Poemas, 1955; Palácio, 1961; Exilio, 1963;
Tauromagia, 1981; Oferenda I, 1984; Meio Dia, 1988;
Sonetos, 1991; Oferenda II, '994; Àtrio, 1997; Horizonte, 2001;
Mecânica Celeste . . .
*
I
Ó oriente surgindo do mar
Ó minha Ilha de Moçambique
Perfume solto no Oceano
Como se fosse em pleno ar
*
ALBERTO LACERDA
" Moçambique "
*
II
Não encontraste a rua
Não encontraste a casa
Não encontraste a mesa
No café que alguém
Por engano indicou
-
Mas a cidade é esta
E não outra
-
Não encontraste o rosto
-
O anel caiu
Ninguém sabe aonde.
*
ALBERTO LACERDA
" Não Encontraste a Rua "
»1234«
MARIA DO CARMO ABECASSIS
Nasceu em Lourenço Marques, Moçambique, África.
Poetisa...
*
CANTOePALAVRAS
Em Vez de Asas Tenho Braços, 1973 . . .
*
I
Foi uma janela fechada sobre o mar.
Sobre os teus olhos as palpebras descidas.
Foi uma sombra de sombras esvaecidas
O teu reflexo em mim sem refractar.
*
MARIA DO CARMO ABECASSIS
"Fim"
Em Vez de Asas Tenho Braços
*
II
Eu sou assim
tenho a sensação extravagante
que a vida dos outros está em mim
como o verde no azul berrante
*
MARIA DO CARMO ABECASSIS
"Dissonância"
Em Vez de Asas Tenho Braços
»1235«
ISABEL FERREIRA
Nasceu em 1958, Luanda, Angola, África.
Poetisa...
Bacharel em Direito. . .
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
Quotidianamente . . .
A vida
Um passeio destruido . . .
Um sapato descalçado . . .
-
A vida. . .
São ninhos destruidos
São pétalas caídas
-
A vida . . .
Um caminhante sem pousada
Um perdido à beira da estrada
-
A vida . . .
É poesia estancada
é poeta lânguido distraído
-
A vida. . .
É uma roda viva que vive rodando, rodando
Á procura da roleta.
*
ISABEL FERREIRA
" A Vida "
»1236«
MALANGATANA


Pintor "Malangatana"
Malangatana Valente Ngwenya
Nasceu a 06 de junho de 1936, signo de gêmeos,
Matalava, Moçambique, África.
O génio da pintura Moçambicana.
Ceramista, músicas!!, murais,

curandeiro e até Poeta?!!?? Também . . .
Um dos fundadores do "Museu
Nacional de Arte" de Moçambique. . .
Homenagens: "Ordem Cruzeiro do Sul",Brasil, 1990;
Grande Oficial "Ordem do Infante D. Henrique",Portugal
1995; Artista para a Paz, U.N.E.S.C.O., 1997; Membro da "Academia de Ciências" de Lisboa;
"Honoris Causa" Universidade de Évora, 2009 . . .
Faleceu a 05 de janeiro de 2011.
*
CANTOePALAVRAS
Vinte e Quatro Poemas, 1960 . . .
*
Alta, negra, esbelta e laboriosamente melada
sua boca húmida e brilhante
peito repleto de seios gelatinosos sumarento e pró-dócil
olhos amendoados e mãos sensuais.
Laurinda mexe seus membros como um pássaro voando,
sua cabeça mexe como se nada lhe prendesse
as ancas repletas dum ímpar sensualismo,
estremece suavemente suas nádegas bem redondas
olhar serpêntico, dança, canta e vai gritando descontraída.
Balança o corpo e vai subindo de intensidade
a volúpia vai atingindo o auge,
o corpo estremece cada mais forte,
o solo rubro faz arder o espaço
as pernas elegantes em passos comedidos vão sulcando
a terra vermelha.
-
A marrabenta extasia Laurinda
a capulana multicolor voa que nem uma pluma
marrabenta essa violenta e sensualíssima dança contagia
a multidão presente,
gente ulula como gazelas em cio
dança e dança muito.
-
O frenesim invade e o auge domina todos
a viola do Kho tão estridente multiplica o tom,
o eco contagia a aldeia.
De volta as árvores bailam e Matalana, bela aldeia dança
batendo palmas,
todos gritam: Laurinda, Laurindanôôô!!!
-
Essa esbelta mulher balança o corpo cada vez mais,
a terra cariciada pelos pés da Laurinda e tanta gente augia-se
a guitarra de Kho não pára
vibraliza cada vez mais os corpos da gente
Oh!! como é belo ver tanto povo dançar de volta da Laurinda!!!!!!!!!
*
MALANGATANA
"Dança Marrabenta"
*
Homenagem
*
Sou sobrevivente dos milhões
Mortos por falta de ar puro
Não estavam eles habituados
Ao ar condicionado
e à mina que os entupiu.
-
Morreram, morreram sem de despedirem
Debaixo daquela mina de ouro
Debaixo de aquela caverna
Não chiava galinha
Onde só há homens
*
RUI NOGAR
"Malangatana"
»1237«
ARMANDO ARTUR
João Armando Artur
Nasceu a 28 de dezembro de 1963, signo de capricórnio,
Poeta...
Zambézia, Moçambique, África. . .
*
CANTOePALAVRAS
Espelho dos Dias, 1986; O Hábito das Manhãs, 1990;
Estrangeiros de Nós Próprios, 1996;
Os Dias em Riste, 2002; No Coração da Noite, 2007 . . .
*
Hábito no Halo
dos meus versos
onde incansávelmente
rimo palavras sem rima
e seco lágrimas sem pranto.
-
É a arte de viver . . .
-
Como lacrar a vida e o amor
sem cantar?
como vencer o tédio e o terror
sem bailar?
eis a razão
porque sonho sem sono
porque vôo sem asas
porque vivo sem vida
-
no avesso dos versos escondo
o tesouro, da minha contariedade
o mistério da minha enfermidade
e o feitiço da minha eternidade.
*
ARMANDO ARTUR
"A Arte de Viver"


Nenhum comentário: