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»1238«
ANA PAULA TAVARES
Ana Paula Ribeiro Tavares
Nasceu a 30 de outubro de 1952, signo de escorpião,
Lubango, Província Huíla, Angola, África.
Cursou História na Faculdade de Letras de Lubango,
Angola, e leciona na Universidade Católica de Lisboa.
Escreveu para várias revistas.
Membro "Comité Angolano do Conselho Internacional
de Museus"; "Comité Angolano do Conselho Internacional
de Monumentos e Sítios da Comissão Angolana para a Unesco
e da U.E.A." . . .
Prémio "Mário António"
Internet Site http://www.uea-angola.org/
*
CANTOePALVRAS
Ritos e Passagens, 1985; Sangue da Buganvília, 1988;
O Lago da Lua, 1999; Dizes-me coisas Amargas com
frutos, 2001; Ex-votos, 2003.
Manual para Amantes Deseperados, 2007 . . .
*
I
Tão manso é o lago dos teus olhos
Que temo avançar a mão
Cortar as águas
E semear o espanto
Na descoberta
Da minha sede antiga.
*
ANA PAULA TAVARES
" O Lago "
*
II
Guardo a memória do tempo
em que eramos Vatwa,
os dos frutos silvestres.
Guardo a memória de um tempo
sem tempo
antes da guerra
das colheitas
e das cerimónias
*
ANA PAULA TAVARES
" Origens "
▬▬
»1239«
GERALDO BESSA VICTOR
Nasceu em 1917, Luanda, Angola, África.
Viveu em Lisboa, Portugal.Doutorou-se em Direito,
na Universidade de Lisboa . . .
Homenagens: Prémio "Camilo Pessanha", 1957;
Prémio "Jogos Florais das Férias", 1961 . . .
Faleceu em 1990.
*
CANTOePALAVRAS
A Poesia e a Política(ensaio), 1937; Ecos Dispersos;
Ao Som das Marimbas, 1943; Debaixo do Céu, 1949;
Minha Terra e Minha Dama, 1952; Cubata
Abandonada, 1957; Mucanda, 1964;
Senzala sem Batuque, 1967; Monandengue, 1973;
Restauração de Angola . . .
*
I
Amo-te porque tudo em ti me fala de África,
duma forma completa e envolvente.
Negra, tão negramente bela e moça,
todo o teu ser me exprime a terra nossa,
em nós presente.
-
Nos teus olhos eu vejo, como em caleidoscópio,
madrugadas e noites e poentes tropicais,
- visão que me inebria como ópio,
em magia de místicos duendes,
e me torna encantado.( Perguntam-me: onde vais?
E não sei onde vou, só sei que tu me prendes . . . )
-
A tua voz é, tão perturbadoramente,
a música dolente dos quissanges tangidos
em noite escura e calma,
que vibra nos meus sentidos
e ressoa no fundo da minh'alma.
-
Quando me beijas sinto que provo ao mesmo tempo
o gosto do caju, da manga e da goiaba,
- sabor que vai da boca até às vísceras
e nunca mais acaba . . .
-
O teu corpo, formoso sem disfarce,
com teu andar dengoso, parece que se agita
tal como se estivesse a requebrar-se
nos ritmos da massemba e da rebita.
E sinto que teu corpo, em lírico alvoroço,
me desperta e me convida
para um batuque só nosso,
batuque da nossa vida.
-
Assim, onde te encontres (seja onde estiveres,
por toda a parte onde o teu vulto for),
eu te descubro e elejo entre as mulheres,
ó minha negra belamente preta,
ó minha irmã na cor,
e, de braços abertos para o total amplexo,
sem sombra de complexo,
eu grito do mais fundo da minh'alma de poeta:
- Meu amor! Meu amor!
*
GERALDO BESSA VICTOR
"As Raízes do Nosso Amor"
Mucanda
*
II
Nem meninos negros nem meninos brancos,
mas meninos.
Nem cânticos de escravo nem canções de senhor,
mas apenas hinos
de amor.
-
Nem palavras de ódio nem ameaças loucas
(não, nunca ameaças!),
mas apenas braços que geram abraços,
mas sómente bocas
que fecundam beijos onde o corpo e a alma
não conhecem cores, não conhecem raças.
-
Nem crianças brancas nem crianças negras:
só crianças,
que não têm raça, que não têm cor.
Nelas se fundiram todas as alianças
do amor!
*
GERALDO BESSA VICTOR
"Crianças"
Mucanda
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»1240«
DAVID MESTRE
Nasceu em 1948, Loures, Portugal.
Foi para Angola ainda criança.
Jornalista, Poeta . . .
Faleceu a 12 de junho de 1998.
*
CANTOePALAVRAS
Kir-Kan, 1967;Crônica do Ghetto, 1973; Dizer País, 1975;
Do Canto à Idade, 1977; O Relógio de Cafucolo, 1987;
Nas Barbas do Bando, 1985; Obra Cega, 1991;
Subscrito a Giz, 1996. . .
*
I
O sapo
sabe
saltar na lagoa.
-
o sapo
sabe
que não voa.
-
o sapo
chape
chape.
*
DAVID MESTRE
"O Sapo"
Nas Barbas do Bando
*
II
Boca de
pedra
basalto
temperado no
hálito e mortal
do amor.
-
Boca bífida
parêntese e
oração
voraz
configuração do
silêncio.
-
Boca de
feito
excesso
poluído
no álcool
das palavras.
-
Boca pintada
de fresco
seca e
polida
nos cornos
da Lua.
-
Boca de
serpente(n)encantada
no bote
suspenso
desta
poesia.
*
DAVID MESTRE
"Configuração do Silêncio"
Nas Barbas do Bando
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»1241«
IVONE HELENA SOEIRO DOS SANTOS PEREIRA
Nasceu a 26 de maio de 1926, signo de gemeos,
em Lisboa, Portugal
Viveu em Angola.
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
A terra, à noite,
é um negro escrínio de veludo . . .
e, ao nascer da lua, jóia fulgurante de trevas rodeada,
a terra é o leito de diamante
e a abóbada a tampa levantada . . .
-
Sob a luz diamantina
as sombras imóveis
das grandes ramadas
parecem rendas negras espalhadas,
ao acaso, sobre a areia fina . . .
-
Na noite alva e fria
o negro Mulai tange
absorto, pensando na mãe.
A saudade negra
chora-a o quissange,
grande confidente que o negro tem . . .
-
Sob a melodia
na noite ansiosa,
som de voz queixosa,
choro de uma alma ferida . . .
a fogueira em brasa
é estrela pousada,
oiro incandescente que ilumina
e aquece;
e o negro, tocando , à luz diamantina
da noite enluarada,
uma estátua sentada.
-
Seu olhar ausente
mergulha lá longe, nas sombras
dos troncos gigantes;
e seus pensamentos,
inda mais distantes,
transpõem a mata, atravessam espaços . . .
-
enquanto os seus dedos, lassos,
sobre as lâminas finas, dentro da cabaça,
transmitem à música a saudade infinda
que habita na alma dos da sua raça . . .
-
Da lua serena,
da noitev alva e fris,
do quissange triste,
vem uma nostalgia
que no ar subsiste . . .
-
Conversam as folhas, manso,
sussurrando segredos
que não entendi.
Entre o ciclar de tanto mistério
parece-me ouvir lá, no cemitério,
algum cazumbi . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Amortece a luz da fogueira em brasa.
Empalidece a lua.
E a branca reentrou em casa,
levando na alma
e no ouvido
o som do quissange
que um pobre negro,
tristemente, tange.
-
Pela noite fora
ela ficou escutando
com a impressão angustiosa
e torturante
de ouvir a África inteira chorando
pelas mãos de um negro,
num quissange soluçante . . .
*
IVONE HELENA SOEIRO DOS SANTOS PEREIRA
Fragmentos de
" Luar e Nostalgia em Cangamba "
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»1242«
CORSINO FORTES
Nasceu em 1933, Mindelo, Cabo Verde, África. . .
*
CANTOePALAVRAS
Pão & Fonema, 1974; Árvore e Tambor, 1986. . .
*
Nasceu em 1933, Mindelo, Cabo Verde, África. . .
*
CANTOePALAVRAS
Pão & Fonema, 1974; Árvore e Tambor, 1986. . .
*
I
Ouve-me! primogénio da ilha
-
Ontem
fui lenha e lastro para navio
Hoje
sol semente para sementeira
Devolvo às ondas
A evocação de ser viagem
E fico pão à porta das padarias
-
Onde
o bolor da terra
é sangue e trigo
E o milho Que amamos
É nosso irmão uterino
-
Onde
os corvos sangram do alto
bibliotecas de tantas sílabas
-
Onde
o osso é cada vez mais espiga
a espiga cada vez mais osso
-
Ontem
fui lenha e lastro para navio
Hoje
sol semente para sementeira
Devolvo às ondas
A evocação de ser viagem
E fico pão à porta das padarias
-
Onde
o bolor da terra
é sangue e trigo
E o milho Que amamos
É nosso irmão uterino
-
Onde
os corvos sangram do alto
bibliotecas de tantas sílabas
-
Onde
o osso é cada vez mais espiga
a espiga cada vez mais osso
-
Aqui
Ergo a minha aliança
de pão e; fonema
Enquanto
o vento bebe
E o vento bebe meu sangue a barlavento.
*
CORSINO FORTES
Aqui
Ergo a minha aliança
de pão e; fonema
Enquanto
o vento bebe
E o vento bebe meu sangue a barlavento.
*
CORSINO FORTES
" Pilão " (trecho, II)
Pão; Fonema
Pão; Fonema
*
II
Que do marulho
ás pedras de sílaba longa
Os joelhos rompem
ilhas da tua boca
o violão da unha
a viola e o vento
Viola do tempo ao tempo grávida
De sub
ou
de substância
E todo o fósforo. Que soma
A árvore do teu lábio
Ao tambor de tal tâmara
E
Do som E da saliva
Volva o ovo o colmo
Que te apelidam
Do fonema ao fruto
Dedo a dedo polegar e seiva
Na tosse tosse da carne óssea
Tossindo verde
De gema-fogo no poço dos joelhos . . .
Agora povo agora pulso
agora pão
agora poema agora.
*
CORSINO FORTES
" Agora Poema Agora "
Pão e Fonema
▬▬
»1243«
RAUL DE LEONI
Raul de Leoni Ramos
Nasceu a 30 de outubro de 1895, signo de escorpião,
Petrópolis, interior da cidade de Rio de Janeiro, Brasil.
"Faculdade Livre do Rio de Janeiro", fez Direito. . .
Estilo Parnasiano
Estilo Parnasiano
Faleceu 21 de novembro de 1926.
*
CANTOePALAVRAS
Ode a um Poeta Morto, 1919; Luz Mediterrânea, 1922. . .
*
I
Ironia! Ironia!
Minha consolação! Minha filosofia!
Imponderável máscara discreta
D'essa infinita dúvida secreta,
Que é a tragédia recôndita do ser!
Muita gente não te há de compreender
E dirá que és renúncia e covardia!
Ironia! Ironia!
És a minha atitude comovida:
O amor próprio do Espírito, sorrindo!
O pudor da Razão diante da Vida!
*
RAUL DE LEONI
"Ironia"
Luz Mediterrânea
*
II
Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras,
E eu tenho a alma dos faunos na pupila. . .
-
Às belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila.
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila. . .
-
É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Eleusis).
-
Se um dia eu fôsse teu e fôsses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses. . .
*
RAUL DE LEONI
"Nascemos Um para o Outro, Dessa Argila. . ."
*
III
Deitando os olhos sobre a perspectiva
Das cousas, surpreendo em cada qual
Uma simples imagem fugitiva
Da infinita harmonia universal,
-
Uma revelação vaga e parcial
De tudo existe em cada cousa viva:
Na corrente do Bem ou na do Mal
Tudo tem uma vida evocativa.
-
Nada é inútil; dos homens aos insetos
Vão-se estendendo todos os aspectos
Que a idéia da existência pode ter;
-
E o que deslumbra o olhar é perceber
Em todos esses seres incompletos
A completa noção de um mesmo ser. . .
*
RAUL DE LEONI
"Unidade"
Luz Mediterrânea
*
III
Deitando os olhos sobre a perspectiva
Das cousas, surpreendo em cada qual
Uma simples imagem fugitiva
Da infinita harmonia universal,
-
Uma revelação vaga e parcial
De tudo existe em cada cousa viva:
Na corrente do Bem ou na do Mal
Tudo tem uma vida evocativa.
-
Nada é inútil; dos homens aos insetos
Vão-se estendendo todos os aspectos
Que a idéia da existência pode ter;
-
E o que deslumbra o olhar é perceber
Em todos esses seres incompletos
A completa noção de um mesmo ser. . .
*
RAUL DE LEONI
"Unidade"
Luz Mediterrânea
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»1244«
JORGE MACEDO
Jorge Mendes Macedo
Nasceu a 16 de outubro de 1941, signo de libra,
Malanje, Angola, África.
doutorou-se em Etnomusicologia, Universidade
Nacional do Congo(Kinshasa), Membro da "União dos
Escritores Angolanos".
Homenagens: Prémio "Nacional de Cultura e Arte" de
Angola, 2005. . .
*
CANTOePALAVRAS
Itetembu, 1966; As Mulheres, 1970; Pai Ramos, 1971;
Irmã Humanidade, 1973; Clima do Povo, 1977;
Gente do Meu Bairro, 1977; Voz do Tambarino, 1978;
Geografia da Coragem, 1978; Livro das Batalhas, 1982;
Página do Prado, 1989 . . .
*
I
a presença de futuro
flutua de pio na brisa
seu cheiro a nuvem
seu cheiro nos vem
seu cheiro
verte o sinal oblíquo da galáxia.
-
a presença de futuro mede o aceno
das gaivotas
na branda nublagem do vôo.
-
a presença de futuro
da banda do azul
no cais em bando
caminhando
vai caminhando.
*
JORGE MACEDO
"Da Nublagem do Vôo"
Voz de Tambarino
*
II
é isto
o artístico lavar o rio
a transparência do olhar
dobrado
ao sentido circular
das ramas
a charrua
o seu discurso
os pássaros agitando branda a voz.
-
do
rio
no verdescente berrar
avante
o clarear
o d i a m a i ú s c u l o.
-
é isto
o sábio levar o trovão
o calmo trazer a calema
para o clima
o silêncio das ondas
ou o rio de silêncio no tumulto
da calma.
*
JORGE MACEDO
"Enchente Frente", 5.1
Voz de Tambarino
▬▬
»1245«
AUGUSTO CERVEIRA BAPTISTA
Gabriello de Altamira(pseudónimo)
Nasceu em Portugal
Morou em Malanje, Angola, África . . .
*
CANTOePALAVRAS
Mais Alto e Mais Além; O Céu Ainda é Azul;
Réstia de Luz; Claridade; Poemas do Tempo
Disperso; Roteiro Sentimental de Malanje.
*
I
Dois mais belos miradoiros
e de horizonte mais longo,
sem invejas nem desdoiros
é o de Tala-Mungongo.
-
A serra ali se levanta
imponente, quase a prumo,
como a alma quando santa
toma do céu certo rumo.
-
Eis que a nossa vista abrange
Belezas de raro gosto;
- toda a Baixa de Cassange,
do dealbar ao sol-posto.
-
E nossa imaginação
do belo se contagia,
sentindo a forte emoção
da local corografia.
-
Nascer do Sol deslumbrante
sobre os verdes da paisagem
soberba, luxuriante,
com vários tons de folhagem.
-
Quando o Sol se eleva ao cume,
na sua marcha ascendente,
sopra um cálido perfume
da natureza silente.
-
Mas se o Sol desce a desmaia
nos horizontes distantes
- onda perdida na praia
das ramagens sussurrantes -
-
Sentimos em nós descer
suaves melancolias,
como sinos a tanger
vesperais Ave-Marias.
-
E nossa alma emocionada
à luz da ténue penumbra,
que contagia e deslumbra.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Entretanto entre os cativos
vencidos pela desgraça,
a sofrer, enquanto vivos,
misérias da sua raça,
-
Havia um homem, inda novo,
corpo esbelto, raça pura,
exemplo vivo de um povo
que não verga à desventura.
-
Caminhava juntamente
com os demais da sanzala;
seu olhar nunca presente,
como ausente a sua fala.
-
Só uma vez estacou
no contínuo caminhar,
e foi quando ele escutou
voz de criança a chorar . . .
-
Voltou-se por um momento,
reparou em quem pranteava,
e logo no pensamento
uma ideia se lhe crava.
-
Ideia de salvação
fogo ateado a rastilho:
- tentar a sua evasão
levando consigo o filho . . .
*
AUGUSTO CERVEIRA BAPTISTA
"Lenda de Tala-Mungongo" (fragmento).
*
II
Ao dealbar
da manhã, tranquila,
com farrapos de nuvens a nascente,
o Miradoiro de Cabatuquila
deslumbra o nosso olhar
por tudo quanto abrange
com paisagem, surpreendente,
da Baixa de Cassange.
-
Se a névoa foi lavada
pela chuva da noite,
os livores da madrugada
têm mais encanto,
como olhos formosos de mulher
brilham, com mais fulgor
depois de embaciados pelo pranto.
-
Diversos tons de verde vão surgindo
ao clarear do dia
com o desbobinar, na fantasia,
de sonho lindo.
-
A falésia concede majestade
à beleza esplendente da paisagem,
e bem assim augusta dignidade
aos verdes da folhagem.
-
Ravinas e barrancos
- descendo das alturas -
mostram nos escalvados flancos
todo e drama das suas amarguras.
-
Ao longe, herdades e casais
onde a esperança da vida está presente
no fumo alvinitente
que se vai na amplidão.
-
E o nosso pensamento,
qual neblina tocada pelo vento
no mundo surreal das coisas belas,
eleva-se por hautos de emoção
às celestes alturas
onde, em sílio de estrelas,
reside o Rei e Deus das criaturas.
-
O claro Sol deslumbra
no arroteado das terras de lavoura,
e parece que doura
a ténue cortina de penumbra
que envolve a verde mata,
mimbando-a de mistério e de poesia.
-
Trazido pela aragem roçagante
vem até nós eco distante,
como fala misteriosa do destino,
na mansa voz de um sino
anunciando a hora do meio-dia.
-
Abrem-se os olhos ao Sol da realidade;
porém o coração,
movido por estranha nostalgia
acolhe com ternura e humildade
a longíqua lembrança
de fagueira oração,
ainda e só esperança . . .
-
Cabatuquila,
porta do céu que se descerra
para mostrar ao homem, pobre argila,
a grandeza infinita desta terra.
-
Cabatuquila:
- sino de campanário aonde tange
a música nativa que sunguila
a Baixa de Cassange.
-
Do outro lado da estrada,
dominando igualmente a Natureza
como símbolo amigo,
ergue-se o forte derruído, antigo,
memória da cruzada
que fez de Angola terra portuguesa.
-
Ali foi o reduto,
depois testa de fila
das tropas sem igual do Muene-Puto.
-
Cabatuquila:
-
Onde as árvores da floresta
murmuram, nas conversas da folhagem,
uma canção triunfal
em que ressoa, com ar de festa,
comovida homenagem
ao Soldade de Portugal.
*
AUGUSTO CERVEIRA BAPTISTA
"Miradoiro de Cabatuquila"
Roteiro Sentimental de Malanje
(Mais Poemas . . ."Donde Borbota, Minha Saudade"
pág. 193).
▬▬
»1246«
MANUEL RUI
Manuel Rui Alves Monteiro
Nasceu em 1941, Nova Lisboa(Huambo), Angola África.
Cursou Direito na Universidade de Coimbra, Portugal.
Participou em vários jornais e revistas. . .
Homenagens: Prémio "O Caminho das Estrelas", 1984.
*
CANTOePALAVRAS
Poesia sem Notícias, 1967; A Onda, 1973;
11 Poemas em Novembro,1976 a 1981 e 1984;
Regresso Adiado(ficção), 1973; Memória do
Mar, 1980; Quem me dera ser Onda,(ficção),1984. . .
*
I
Como se o mar não nos sorrisse imenso
por cada passo de onda um espanto novo
rota de direcções sem nome e sem plano
viagem que fizemos sem ter barco
poemas que escrevemos sobre a areia
na garrafa mais imaginária que não partiu
nem se perdeu porque vai sempre ter
ao mesmo porto.
-
Como se o mar não nos sorrisse imenso
e nele viessem vagas de outras vagas
depor modificando-se na areia
onde as construções se desmoronam
e levantam.
-
(Saboreando o sal de ti
com a lágrima alegre em onze de Novembro
caída sobre as bocas
de tanto amargo dantes).
-
Como o mar não nos parecesse estranho
por não lançar as mais nervosas ondas
para as praias onde o nosso sangue
é cotação do dólar imperial.
Como se o mar de corpo inteiro não pudesse
falar com a maior fúria virada a essa terra
para dizer: eeh kamérica! é só liberdade
que daquele lado um povo faz e vence a guerra!
*
MANUEL RUI
"Como se o Mar"
Cinco vezes onze
Poemas em Novembro
*
II
1. É a loucura dos trovões
esculpindo a música da água
em pedra do Kandumbe ou da Quissala.
É a faísca do céu rachando a noite
e a terra treme
É o cheiro. Leve
das primeiras gotas.
-
2. Estala o salalé no planalto
e voa antes da chuva. Na infância
agarra esta memória quase gasta
de bichinhos encarnados de veludo
uma folha verde entre dois dedos
e havia flores amarelas e sem nome
podiam-se chupar que tinham mel
e um arco-íris em cada pétala
espelho de uma bruxa se ir pe4ntear.
-
3. Escorre-nos a chuva no corpo
como na rocha
Escorre-nos a chuva nos olhos
como no tempo
nas mãos como na força
e nos pés da terra mole
abrigo de raízes.
-
4. E a chuva mais miúda
batendo no pensar
gota a gota interior
de abrir o coração do Sol
tão devagar?
*
MANUEL RUI
"Chuva"
Cinco vezes onze
*
III
1. Assim tão de repente
uma enxada pensou que era já chuva
quando esta lágrima caiu.
-
Assim tão de repente
um torno
pensou que era suor operário
quando esta lágrima caiu.
-
Assim tão de repente
a arma sentinela madrugada
pe3nsou que fosse orvalho
quase nada
quando esta lágrima caiu.
-
Assim tão de repente
um livro numa escola
julgou muito inocente
que os professores voltaram a tosar
ia queixar ao Camarada Presidente
mas viu também as letras a chorar.
-
2. Esta lágrima é grossa
e não escolhe onde cair
-
caiu no mar
e o mar ficou se remo
do mar até à praia
os pés sem terra
um silêncio de areia
a onda de perguntas
a demandar o caminho das estrelas.
-
Esta lágrima é grossa
e não escolhe onde cair
E cai ainda mais
de ver cair dos olhos dos meninos
choro sem fim no lenço que era teu
o lenço do futuro.
-
(alguém roubou o Sol a este fruto
antes de ser maduro).
*
MANUEL RUI
"Lágrima"
Cinco Vezes Onze
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