sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

175 - Manuel Rui " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA"

»1238«
ANA PAULA TAVARES
Ana Paula Ribeiro Tavares
Nasceu a 30 de outubro de 1952, signo de escorpião,
Lubango, Província Huíla, Angola, África.
Cursou História na Faculdade de Letras de Lubango,
Angola, e leciona na Universidade Católica de Lisboa.
Escreveu para várias revistas.
Membro "Comité Angolano do Conselho Internacional
de Museus"; "Comité Angolano do Conselho Internacional
de Monumentos e Sítios da Comissão Angolana para a Unesco
e da U.E.A." . . .
Prémio "Mário António"
*
CANTOePALVRAS
Ritos e Passagens, 1985; Sangue da Buganvília, 1988;
O Lago da Lua, 1999; Dizes-me coisas Amargas com
frutos, 2001; Ex-votos, 2003.
Manual para Amantes Deseperados, 2007 . . .
*
I
Tão manso é o lago dos teus olhos
Que temo avançar a mão
Cortar as águas
E semear o espanto
Na descoberta
Da minha sede antiga.
*
ANA PAULA TAVARES
" O Lago "
*
II
Guardo a memória do tempo
em que eramos Vatwa,
os dos frutos silvestres.
Guardo a memória de um tempo
sem tempo
antes da guerra
das colheitas
e das cerimónias
*
ANA PAULA TAVARES
" Origens "
»1239«
GERALDO BESSA VICTOR
Nasceu em 1917, Luanda, Angola, África.
Viveu em Lisboa, Portugal.Doutorou-se em Direito,
na Universidade de Lisboa . . .
Homenagens: Prémio "Camilo Pessanha", 1957;
Prémio "Jogos Florais das Férias", 1961 . . .
Faleceu em 1990.
*
CANTOePALAVRAS
A Poesia e a Política(ensaio), 1937; Ecos Dispersos;
Ao Som das Marimbas, 1943; Debaixo do Céu, 1949;
Minha Terra e Minha Dama, 1952; Cubata
Abandonada, 1957; Mucanda, 1964;
Senzala sem Batuque, 1967; Monandengue, 1973;
Restauração de Angola . . .
*
I
Amo-te porque tudo em ti me fala de África,
duma forma completa e envolvente.
Negra, tão negramente bela e moça,
todo o teu ser me exprime a terra nossa,
em nós presente.
-
Nos teus olhos eu vejo, como em caleidoscópio,
madrugadas e noites e poentes tropicais,
- visão que me inebria como ópio,
em magia de místicos duendes,
e me torna encantado.( Perguntam-me: onde vais?
E não sei onde vou, só sei que tu me prendes . . . )
-
A tua voz é, tão perturbadoramente,
a música dolente dos quissanges tangidos
em noite escura e calma,
que vibra nos meus sentidos
e ressoa no fundo da minh'alma.
-
Quando me beijas sinto que provo ao mesmo tempo
o gosto do caju, da manga e da goiaba,
- sabor que vai da boca até às vísceras
e nunca mais acaba . . .
-
O teu corpo, formoso sem disfarce,
com teu andar dengoso, parece que se agita
tal como se estivesse a requebrar-se
nos ritmos da massemba e da rebita.
E sinto que teu corpo, em lírico alvoroço,
me desperta e me convida
para um batuque só nosso,
batuque da nossa vida.
-
Assim, onde te encontres (seja onde estiveres,
por toda a parte onde o teu vulto for),
eu te descubro e elejo entre as mulheres,
ó minha negra belamente preta,
ó minha irmã na cor,
e, de braços abertos para o total amplexo,
sem sombra de complexo,
eu grito do mais fundo da minh'alma de poeta:
- Meu amor! Meu amor!
*
GERALDO BESSA VICTOR
"As Raízes do Nosso Amor"
Mucanda
*
II
Nem meninos negros nem meninos brancos,
mas meninos.
Nem cânticos de escravo nem canções de senhor,
mas apenas hinos
de amor.
-
Nem palavras de ódio nem ameaças loucas
(não, nunca ameaças!),
mas apenas braços que geram abraços,
mas sómente bocas
que fecundam beijos onde o corpo e a alma
não conhecem cores, não conhecem raças.
-
Nem crianças brancas nem crianças negras:
só crianças,
que não têm raça, que não têm cor.
Nelas se fundiram todas as alianças
do amor!
*
GERALDO BESSA VICTOR
"Crianças"
Mucanda
»1240«
DAVID MESTRE
Nasceu em 1948, Loures, Portugal.
Foi para Angola ainda criança.
Jornalista, Poeta . . .
Faleceu a 12 de junho de 1998.
*
CANTOePALAVRAS
Kir-Kan, 1967;Crônica do Ghetto, 1973; Dizer País, 1975;
Do Canto à Idade, 1977; O Relógio de Cafucolo, 1987;
Nas Barbas do Bando, 1985; Obra Cega, 1991;
Subscrito a Giz, 1996. . .
*
I
O sapo
sabe
saltar na lagoa.
-
o sapo
sabe
que não voa.
-
o sapo
chape
chape.
*
DAVID MESTRE
"O Sapo"
Nas Barbas do Bando
*
II
Boca de
pedra
basalto
temperado no
hálito e mortal
do amor.
-
Boca bífida
parêntese e
oração
voraz
configuração do
silêncio.
-
Boca de
feito
excesso
poluído
no álcool
das palavras.
-
Boca pintada
de fresco
seca e
polida
nos cornos
da Lua.
-
Boca de
serpente(n)encantada
no bote
suspenso
desta
poesia.
*
DAVID MESTRE
"Configuração do Silêncio"
Nas Barbas do Bando
»1241«
IVONE HELENA SOEIRO DOS SANTOS PEREIRA
Nasceu a 26 de maio de 1926, signo de gemeos,
em Lisboa, Portugal
Viveu em Angola.
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
A terra, à noite,
é um negro escrínio de veludo . . .
e, ao nascer da lua, jóia fulgurante de trevas rodeada,
a terra é o leito de diamante
e a abóbada a tampa levantada . . .
-
Sob a luz diamantina
as sombras imóveis
das grandes ramadas
parecem rendas negras espalhadas,
ao acaso, sobre a areia fina . . .
-
Na noite alva e fria
o negro Mulai tange
absorto, pensando na mãe.
A saudade negra
chora-a o quissange,
grande confidente que o negro tem . . .
-
Sob a melodia
na noite ansiosa,
som de voz queixosa,
choro de uma alma ferida . . .
a fogueira em brasa
é estrela pousada,
oiro incandescente que ilumina
e aquece;
e o negro, tocando , à luz diamantina
da noite enluarada,
uma estátua sentada.
-
Seu olhar ausente
mergulha lá longe, nas sombras
dos troncos gigantes;
e seus pensamentos,
inda mais distantes,
transpõem a mata, atravessam espaços . . .
-
enquanto os seus dedos, lassos,
sobre as lâminas finas, dentro da cabaça,
transmitem à música a saudade infinda
que habita na alma dos da sua raça . . .
-
Da lua serena,
da noitev alva e fris,
do quissange triste,
vem uma nostalgia
que no ar subsiste . . .
-
Conversam as folhas, manso,
sussurrando segredos
que não entendi.
Entre o ciclar de tanto mistério
parece-me ouvir lá, no cemitério,
algum cazumbi . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Amortece a luz da fogueira em brasa.
Empalidece a lua.
E a branca reentrou em casa,
levando na alma
e no ouvido
o som do quissange
que um pobre negro,
tristemente, tange.
-
Pela noite fora
ela ficou escutando
com a impressão angustiosa
e torturante
de ouvir a África inteira chorando
pelas mãos de um negro,
num quissange soluçante . . .
*
IVONE HELENA SOEIRO DOS SANTOS PEREIRA
Fragmentos de
" Luar e Nostalgia em Cangamba "
»1242«
CORSINO FORTES
Nasceu em 1933, Mindelo, Cabo Verde, África. . .
*
CANTOePALAVRAS
Pão & Fonema, 1974; Árvore e Tambor, 1986. . .
*
I
Ouve-me! primogénio da ilha
-
Ontem
fui lenha e lastro para navio
Hoje
sol semente para sementeira
Devolvo às ondas
A evocação de ser viagem
E fico pão à porta das padarias
-
Onde
o bolor da terra
é sangue e trigo
E o milho Q
ue amamos
É nosso irmão uterino
-
Onde
os corvos sangram do alto
bibliotecas de tantas sílabas
-
Onde
o osso é cada vez mais espiga
a espiga cada vez mais osso
-
Aqui
Ergo a minha aliança
de pão e; fonema
Enquanto
o vento bebe
E o vento bebe meu sangue a barlavento.
*
CORSINO FORTES
" Pilão " (trecho, II)
Pão; Fonema
*
II
Que do marulho
ás pedras de sílaba longa
Os joelhos rompem
ilhas da tua boca
o violão da unha
a viola e o vento
Viola do tempo ao tempo grávida
De sub
ou
de substância
E todo o fósforo. Que soma
A árvore do teu lábio
Ao tambor de tal tâmara
E
Do som E da saliva
Volva o ovo o colmo
Que te apelidam
Do fonema ao fruto
Dedo a dedo polegar e seiva
Na tosse tosse da carne óssea
Tossindo verde
De gema-fogo no poço dos joelhos . . .
Agora povo agora pulso
agora pão
agora poema agora.
*
CORSINO FORTES
" Agora Poema Agora "
Pão e Fonema
»1243«
RAUL DE LEONI
Raul de Leoni Ramos
Nasceu a 30 de outubro de 1895, signo de escorpião,
Petrópolis, interior da cidade de Rio de Janeiro, Brasil.
"Faculdade Livre do Rio de Janeiro", fez Direito. . .
Estilo Parnasiano
Faleceu 21 de novembro de 1926.
*
CANTOePALAVRAS
Ode a um Poeta Morto, 1919; Luz Mediterrânea, 1922. . .
*
I
Ironia! Ironia!
Minha consolação! Minha filosofia!
Imponderável máscara discreta
D'essa infinita dúvida secreta,
Que é a tragédia recôndita do ser!
Muita gente não te há de compreender
E dirá que és renúncia e covardia!
Ironia! Ironia!
És a minha atitude comovida:
O amor próprio do Espírito, sorrindo!
O pudor da Razão diante da Vida!
*
RAUL DE LEONI
"Ironia"
Luz Mediterrânea
*
II
Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras,
E eu tenho a alma dos faunos na pupila. . .
-
Às belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila.
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila. . .
-
É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Eleusis).
-
Se um dia eu fôsse teu e fôsses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses. . .
*
RAUL DE LEONI
"Nascemos Um para o Outro, Dessa Argila. . ."
*
III
Deitando os olhos sobre a perspectiva
Das cousas, surpreendo em cada qual
Uma simples imagem fugitiva
Da infinita harmonia universal,
-
Uma revelação vaga e parcial
De tudo existe em cada cousa viva:
Na corrente do Bem ou na do Mal
Tudo tem uma vida evocativa.
-
Nada é inútil; dos homens aos insetos
Vão-se estendendo todos os aspectos
Que a idéia da existência pode ter;
-
E o que deslumbra o olhar é perceber
Em todos esses seres incompletos
A completa noção de um mesmo ser. . .
*
RAUL DE LEONI
"Unidade"
Luz Mediterrânea
»1244«
JORGE MACEDO
Jorge Mendes Macedo
Nasceu a 16 de outubro de 1941, signo de libra,
Malanje, Angola, África.
doutorou-se em Etnomusicologia, Universidade
Nacional do Congo(Kinshasa), Membro da "União dos
Escritores Angolanos".
Homenagens: Prémio "Nacional de Cultura e Arte" de
Angola, 2005. . .
*
CANTOePALAVRAS
Itetembu, 1966; As Mulheres, 1970; Pai Ramos, 1971;
Irmã Humanidade, 1973; Clima do Povo, 1977;
Gente do Meu Bairro, 1977; Voz do Tambarino, 1978;
Geografia da Coragem, 1978; Livro das Batalhas, 1982;
Página do Prado, 1989 . . .
*
I
a presença de futuro
flutua de pio na brisa
seu cheiro a nuvem
seu cheiro nos vem
seu cheiro
verte o sinal oblíquo da galáxia.
-
a presença de futuro mede o aceno
das gaivotas
na branda nublagem do vôo.
-
a presença de futuro
da banda do azul
no cais em bando
caminhando
vai caminhando.
*
JORGE MACEDO
"Da Nublagem do Vôo"
Voz de Tambarino
*
II
é isto
o artístico lavar o rio
a transparência do olhar
dobrado
ao sentido circular
das ramas
a charrua
o seu discurso
os pássaros agitando branda a voz.
-
do
rio
no verdescente berrar
avante
o clarear
o d i a m a i ú s c u l o.
-
é isto
o sábio levar o trovão
o calmo trazer a calema
para o clima
o silêncio das ondas
ou o rio de silêncio no tumulto
da calma.
*
JORGE MACEDO
"Enchente Frente", 5.1
Voz de Tambarino
»1245«
AUGUSTO CERVEIRA BAPTISTA
Gabriello de Altamira(pseudónimo)
Nasceu em Portugal
Morou em Malanje, Angola, África . . .
*
CANTOePALAVRAS
Mais Alto e Mais Além; O Céu Ainda é Azul;
Réstia de Luz; Claridade; Poemas do Tempo
Disperso; Roteiro Sentimental de Malanje.
*
I
Dois mais belos miradoiros
e de horizonte mais longo,
sem invejas nem desdoiros
é o de Tala-Mungongo.
-
A serra ali se levanta
imponente, quase a prumo,
como a alma quando santa
toma do céu certo rumo.
-
Eis que a nossa vista abrange
Belezas de raro gosto;
- toda a Baixa de Cassange,
do dealbar ao sol-posto.
-
E nossa imaginação
do belo se contagia,
sentindo a forte emoção
da local corografia.
-
Nascer do Sol deslumbrante
sobre os verdes da paisagem
soberba, luxuriante,
com vários tons de folhagem.
-
Quando o Sol se eleva ao cume,
na sua marcha ascendente,
sopra um cálido perfume
da natureza silente.
-
Mas se o Sol desce a desmaia
nos horizontes distantes
- onda perdida na praia
das ramagens sussurrantes -
-
Sentimos em nós descer
suaves melancolias,
como sinos a tanger
vesperais Ave-Marias.
-
E nossa alma emocionada
à luz da ténue penumbra,
que contagia e deslumbra.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Entretanto entre os cativos
vencidos pela desgraça,
a sofrer, enquanto vivos,
misérias da sua raça,
-
Havia um homem, inda novo,
corpo esbelto, raça pura,
exemplo vivo de um povo
que não verga à desventura.
-
Caminhava juntamente
com os demais da sanzala;
seu olhar nunca presente,
como ausente a sua fala.
-
Só uma vez estacou
no contínuo caminhar,
e foi quando ele escutou
voz de criança a chorar . . .
-
Voltou-se por um momento,
reparou em quem pranteava,
e logo no pensamento
uma ideia se lhe crava.
-
Ideia de salvação
fogo ateado a rastilho:
- tentar a sua evasão
levando consigo o filho . . .
*
AUGUSTO CERVEIRA BAPTISTA
"Lenda de Tala-Mungongo" (fragmento).
*
II
Ao dealbar
da manhã, tranquila,
com farrapos de nuvens a nascente,
o Miradoiro de Cabatuquila
deslumbra o nosso olhar
por tudo quanto abrange
com paisagem, surpreendente,
da Baixa de Cassange.
-
Se a névoa foi lavada
pela chuva da noite,
os livores da madrugada
têm mais encanto,
como olhos formosos de mulher
brilham, com mais fulgor
depois de embaciados pelo pranto.
-
Diversos tons de verde vão surgindo
ao clarear do dia
com o desbobinar, na fantasia,
de sonho lindo.
-
A falésia concede majestade
à beleza esplendente da paisagem,
e bem assim augusta dignidade
aos verdes da folhagem.
-
Ravinas e barrancos
- descendo das alturas -
mostram nos escalvados flancos
todo e drama das suas amarguras.
-
Ao longe, herdades e casais
onde a esperança da vida está presente
no fumo alvinitente
que se vai na amplidão.
-
E o nosso pensamento,
qual neblina tocada pelo vento
no mundo surreal das coisas belas,
eleva-se por hautos de emoção
às celestes alturas
onde, em sílio de estrelas,
reside o Rei e Deus das criaturas.
-
O claro Sol deslumbra
no arroteado das terras de lavoura,
e parece que doura
a ténue cortina de penumbra
que envolve a verde mata,
mimbando-a de mistério e de poesia.
-
Trazido pela aragem roçagante
vem até nós eco distante,
como fala misteriosa do destino,
na mansa voz de um sino
anunciando a hora do meio-dia.
-
Abrem-se os olhos ao Sol da realidade;
porém o coração,
movido por estranha nostalgia
acolhe com ternura e humildade
a longíqua lembrança
de fagueira oração,
ainda e só esperança . . .
-
Cabatuquila,
porta do céu que se descerra
para mostrar ao homem, pobre argila,
a grandeza infinita desta terra.
-
Cabatuquila:
- sino de campanário aonde tange
a música nativa que sunguila
a Baixa de Cassange.
-
Do outro lado da estrada,
dominando igualmente a Natureza
como símbolo amigo,
ergue-se o forte derruído, antigo,
memória da cruzada
que fez de Angola terra portuguesa.
-
Ali foi o reduto,
depois testa de fila
das tropas sem igual do Muene-Puto.
-
Cabatuquila:
-
Onde as árvores da floresta
murmuram, nas conversas da folhagem,
uma canção triunfal
em que ressoa, com ar de festa,
comovida homenagem
ao Soldade de Portugal.
*
AUGUSTO CERVEIRA BAPTISTA
"Miradoiro de Cabatuquila"
Roteiro Sentimental de Malanje
(Mais Poemas . . ."Donde Borbota, Minha Saudade"
pág. 193).
»1246«
MANUEL RUI
Manuel Rui Alves Monteiro
Nasceu em 1941, Nova Lisboa(Huambo), Angola África.
Cursou Direito na Universidade de Coimbra, Portugal.
Participou em vários jornais e revistas. . .
Homenagens: Prémio "O Caminho das Estrelas", 1984.
*
CANTOePALAVRAS
Poesia sem Notícias, 1967; A Onda, 1973;
11 Poemas em Novembro,1976 a 1981 e 1984;
Regresso Adiado(ficção), 1973; Memória do
Mar, 1980; Quem me dera ser Onda,(ficção),1984. . .
*
I
Como se o mar não nos sorrisse imenso
por cada passo de onda um espanto novo
rota de direcções sem nome e sem plano
viagem que fizemos sem ter barco
poemas que escrevemos sobre a areia
na garrafa mais imaginária que não partiu
nem se perdeu porque vai sempre ter
ao mesmo porto.
-
Como se o mar não nos sorrisse imenso
e nele viessem vagas de outras vagas
depor modificando-se na areia
onde as construções se desmoronam
e levantam.
-
(Saboreando o sal de ti
com a lágrima alegre em onze de Novembro
caída sobre as bocas
de tanto amargo dantes).
-
Como o mar não nos parecesse estranho
por não lançar as mais nervosas ondas
para as praias onde o nosso sangue
é cotação do dólar imperial.
Como se o mar de corpo inteiro não pudesse
falar com a maior fúria virada a essa terra
para dizer: eeh kamérica! é só liberdade
que daquele lado um povo faz e vence a guerra!
*
MANUEL RUI
"Como se o Mar"
Cinco vezes onze
Poemas em Novembro
*
II
1. É a loucura dos trovões
esculpindo a música da água
em pedra do Kandumbe ou da Quissala.
É a faísca do céu rachando a noite
e a terra treme
É o cheiro. Leve
das primeiras gotas.
-
2. Estala o salalé no planalto
e voa antes da chuva. Na infância
agarra esta memória quase gasta
de bichinhos encarnados de veludo
uma folha verde entre dois dedos
e havia flores amarelas e sem nome
podiam-se chupar que tinham mel
e um arco-íris em cada pétala
espelho de uma bruxa se ir pe4ntear.
-
3. Escorre-nos a chuva no corpo
como na rocha
Escorre-nos a chuva nos olhos
como no tempo
nas mãos como na força
e nos pés da terra mole
abrigo de raízes.
-
4. E a chuva mais miúda
batendo no pensar
gota a gota interior
de abrir o coração do Sol
tão devagar?
*
MANUEL RUI
"Chuva"
Cinco vezes onze
*
III
1. Assim tão de repente
uma enxada pensou que era já chuva
quando esta lágrima caiu.
-
Assim tão de repente
um torno
pensou que era suor operário
quando esta lágrima caiu.
-
Assim tão de repente
a arma sentinela madrugada
pe3nsou que fosse orvalho
quase nada
quando esta lágrima caiu.
-
Assim tão de repente
um livro numa escola
julgou muito inocente
que os professores voltaram a tosar
ia queixar ao Camarada Presidente
mas viu também as letras a chorar.
-
2. Esta lágrima é grossa
e não escolhe onde cair
-
caiu no mar
e o mar ficou se remo
do mar até à praia
os pés sem terra
um silêncio de areia
a onda de perguntas
a demandar o caminho das estrelas.
-
Esta lágrima é grossa
e não escolhe onde cair
E cai ainda mais
de ver cair dos olhos dos meninos
choro sem fim no lenço que era teu
o lenço do futuro.
-
(alguém roubou o Sol a este fruto
antes de ser maduro).
*
MANUEL RUI
"Lágrima"
Cinco Vezes Onze

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