sábado, 4 de julho de 2009

063 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

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 "Meu Jardim" Foto LuisD.
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ROSA ALICE BRANCO
Rosa Alice da Silva Branco
Nasceu a 22 de dezembro de 1950, signo de capricórnio,
em Aveiro, Portugal.
Na "Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa", Portugal, doutourou-se
em "Filosofia do Conhecimento", 1990; "Faculdade de
Letras da Universidade do Porto", "Filosofia", 1978;
"Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto",
Portugal, Farmacêutica, e muito mais . . .
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CANTOePALAVRAS
A Mulher Amada; Animais da Terra, 1988;
Monadologia Breve, 1991 . . .
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Ser ombro e chama atravessada
na paciência da terra
-
cintilas tens rosto
e uma genealogia brave
entregue à leveza do tempo
Olho-te
olho o que resta na dispersão das asas.
-
em ti as palavras evaporam-se
culmina um silencio arcaico
incessante
A noite é interior
A lua desdenha outra luz.
-
deito-me em ti
esperança vegetal
Recolho o peso
a lei do pulso minucioso contra a carne.
-
as imagens entram no meu corpo
respitam
respiro a transparência das folhas.
*
ROSA ALICE BRANCO
" Esperança Vegetal "
Monadologia Breve
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DULCE MARIA CARDOSO
Nasceu em 1964, Fonte Longa, Carrezeda de Ansiães,
província de Trás-os-Montes, Portugal,
Escritora, advogada, cinema, fez direito na "Universidade
de Lisboa", Portugal. Morou em Angola . . .
Homenagens: Prémio "Acontece", 1999;
Prémio "União Europeia de Literatura", 2009. . .
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CANTOePALAVRAS
Campo de Sangue, 2002; Os Meus Sentimentos,2005;
Até Nós(contos), 2008; Chão de Pardais, 2009 . . .
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I
A quatro mulheres permanecem na sala. A senhoria tem
fome e propõe às outras uma ida ao refeitório mas ninguém lhe
responde. A mãe tem os olhos fechados e não vê o raio de Sol do
meio-dia que lhe aquece o regaço no qual descansam as mãos e
o rosário. A rapariga desapertou as sancálias e refresca os
pés inchados no chão de mármore pintalgado. Liberta das
sandálias que lhe marcaram a carne, coloca em pé de cada vez
num determinado mosaico e calca-o com força. Um funcionário
entra batendo com a porta e as quatro mulheres assustam-se.
O funcionário não é o mesmo que detectou o problema da
identificação nem o que as identificou. É outro, mas parece-se
com os dois primeiros que também são parecidos entre si.
Isto está muito atrasado. Nestes casos podem ir comer ao
refeitório, Têm aqui as senhas, estica-se para entregá-las, não
pagam nada. A ex-mulher mexe-se irritada na cadeira e recusa
a senha. Diz qualquer coisa que ninguém consegue perceber. A
Senhorita sorri para o funcionário e estende a mão com o mesmo
contentamento com que um cão recebe alimento do seu dono.
A mãe espera que chegue a sua vez, recebe a senha e guarda-a
sem mostrar agrado ou irritação. A rapariga que, com vergonha,
enfiara rapidamente os pés nas sandálias não quer não quer
aceitar a senha porque não gosta da comida da cantina. Diz
que quer comer no bar. O funcionário responde que as senhas
não dão para o bar e a rapariga insiste que tem fome mas não
gosta da comida de cantina, só o cheiro a enjoa. O funcionário
cala-se e a ex-mulher sorri quando a rapariga aceita a senha
contrariada. A ex-mulher sorri porque o seu dinheiro lhe
permite rejeitar o que não gosta.
O funcionário prepara-se para sair, mas a ex-mulher levanta-se,
aproxima-se dele, está tão perto que a sente a respiração na
face. Procura os olhos do funcionário e quando pergunta,
posso vê-lo, o funcionário afasta-se assustado com a voz com
os olhos da ex-mulher. A quem, a ele, ele está cá não está, o
funcionário continua a recuar, está apreensivo, não compreende
a ex-mulher que lhe procura os olhos, que respira demasiado
perto da cara dele, que lhe agarra o braço para o reter na sala.
Não são permitidas visitas fora do horário habitual,
mas eu quero vê-lo. A ex-mulher torna-se ameaçadora.
O funcionário recua,já está do outro lado da porta. Vou
perguntar ao meu chefe, mas no sítio onde ele está, parece-me,
arrepende-se, vou perguntar ao meu chefe. Parece-lhe o quê,
parece-lhe o quê? vou falar com o meu chefe e já informo.
A rapariga que se descalça novamente para colocar os pés
nos mosaicos frescos pergunta, eu não tenho que o ver pois não,
a ex-mulher vira-se com tanta violência que bate sem querer no
joelho da mãe. A mãe abre os olhos, mas desvia-os
imediatamente para a janela do saguão, suspira e torna a baixar
a cabeça, fecha os olhos, não quer saber o que se passa na sala,
não quer estar ali ao contrário da senhoria que apesar da aflição
que finge deseja que alguém discuta, que se bata, se acontecer
alguma coisa o tempo passa mais depressa e sempre tem alguma
coisa que contar aos hóspedes ou a algum jornalista que
apareça, a senhoria lamenta que os jornais já se tenham
esquecido do crime de sua pensão, tem esperança que se tornem
a lembrar no julgamento, talvez marquem de novo entrevistas,
a fotografem, talvez lhe fixem a voz naqueles gravadores
pequeninos, a senhoria gosta dos jornalistas, respeita o
trabalho de quem pergunta tudo, de quem está disposto a
ouvir tudo, de qualquer maneira o sítio onde o críme
aconteceu continua intacto, a mancha de sangue, quase um
altar, ainda está tudo como aparece na televisão, a senhoria
tem pena que o prédio seja demolido e que nessa altura
termine tudo. O funcionário aproveira para se libertar da
ex-mulher. Quando é que posso ver, ainda pergunta mais
uma vez, mas o funcionário retira-se e os passos ecoam no
corredor iluminado pela clarabóia, de longe o funcionário
recomenda, os filetes não estão grande coisa, as bifanas
comem-se melhor, e assobia porque a primavera começou
e as árvores-de-Judas floriram.
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DULCE MARIA CARDOSO
"Capítulo"
Campo de Sangue

 "Meu Jardim" Foto LuisD


FÁTIMA PARENTE
Maria de Fátima dos Santos Parente Ferreira
Nasceu a 29 de novembro de 1935, signo de sagitário
Mondim de Basto, norte de Portugal, mais precisamente
Trás-os-Montes, Portugal.
Veio para o Brasil, depois Angola Benguela, vindo depois
Para o Rio de Janeiro, Brasil.
considerada a "Mulher do Ano da Comunidade
Luso-Brasileira" . . .
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CANTOePALAVRAS
Delírios, 1998; Semenhanças, 2001; Altern'Ânsia, 2004;
Fátim'Árias, 2005 . . .
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Um dia quando a terra
for meu chão, serei
semente ou grão?
-
Não serei flor nem
botão, apenas pó da
natureza irmão.
-
No túmulo talvez,
alguém vá rezar.
-
Chorar não, sou pó sem
raiz nem tronco no chão . . .
-
Entre os ciprestes tão mudos
como sombras espectrais, os
silêncios dizem tudo dos que
já não vivem mais.
-
Pirilampos pela noite são
estrelas tumulares, acendem
nas sombras risos dos vivos
em seus lugares.
-
Ninguém morre na verdade, é
só a transformação.
-
Natureza inovadora, artista da
criação, que do pó d[a vida à
vida!
Numa outra dimensão.
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FÁTIMA PARENTE
"Lápides"
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MARIA VELHO DA COSTA
Nasceu em 26 de junho de 1938, signo de cancer.
Lisboa, Portugal.
Escritora, Tv, teatro, tradutora . . .
Formada em "Filologia Germânica". . .
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CANTOePALAVRAS
Lugar Comum, 1966; Novas Cartas Portuguesas, 1972;
Revolução e Mulheres, 1975; Cravo, 1976;
Casas Pardas, 1977; Da Rosa Fixa, 1978;
Lucialina, 1983; Das Áfricas, 1991 . . .
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Dentro da caixa o lápis roído, pousado
no trapo manchado de amarelo, sobejos de
aguarela da última composição geométrica
de girassois. A caixa perdida entre os livros,
desfeito o acesso de ordem de dois dias antes.
Por cima a tampa de madeira encerada, ris-
cada das fórmulas dos últimos pontos escri-
tos, da única letra que Lurdes conhecia do
alfabeto grego. Apoiados à tampa, os coto-
velos agudos e o externo mal coberto da
pele, das hesitentes formas de uma puber-
dade infindável e de tecido azul, sulcado de
tinta da China, fantasiado de cabecinhas, es-
perando a lavagem de sábado próximo. Em
torno de Lurdes sentada, carteiras, bibes
azuis. Carteiras e bibes diferenciados pelos
corpos que apoiavam e continham, cujos
significados se interpenetravam, tais como
a indissolúvel ligação de Teresa à posição
firmente perpendicular da sua carteira
intacta, à sequência exacta dos seus três lápis
esmalatados de ponta a ponta, dentro de sua
caixa.
Caladas todas, com o rio à ilharga, lá bem
em baixo, depois da varanda de granito, da
Lapa, de Santos, depois do muro hirsuto de
guindastes da doca. Rio que Lurdes não via
agora, quieta no seu lugar do salão de estudo,
atenta à graça senhoril e pateta da habitual
"conferência" da Madre Prefeita. Esta falava
em frase curta e coloquial, num gostoso
acasalamento das construções castelhanas
com um português lisboeta, de gente muito
nova, de gente fina. As maneiras à mesa, os
namoros, as festas. Lurdes lembrou-se do
patético desastre que era, à mesa, a Infanta
da Espanha.
"Filhas mias, porque têm de dar o exem-
plo. Que vão a pensar os rapazes? Porque
não o fazem por mal. São coquetas, mas os
rapazes sentem de outra maneira. Ah, a
Madre Isabel me veio a dizer que estão
muito mal em a capela. Vamos a ver, filhas
mias, estamos na semana da Imaculada, um
pouco de domínio, filhas. Porque é muito
agradável chegar em casa e se sentar em
uma poltrona e tocar a campainha porque
as coisas estão longe. E depois os filhos se
ressentem. Podem começar a trazer as coisas
para o Natal para as pequenas da cataquese.
Rita, filha, tem que fazer a lista. Se lembrem
que Nossa Senhora sofriu muito nesta se-
mana, sabendo porque nascia o menino. E
não vão a festas durante a semana, filhas,
as professoras se queixam. Pois como vão a
trabalhar se estão cansadas?"
Se se fitasse longamente o crucifixo a
meio da parede quase branca, por cima do
estrado onde estava a freira, e se depois,
imediatamente, se encarasse a parede nua,
em outra parte, lá estava de novo uma man-
cha em cruz, esbranquiçada, com o corpo de
Cristo côr de fumo negro. Lurdes pensava,
exercitando assim a vista, que era aquilo um
fenómeno de óptica explicável, e ouvia simul-
tâneamente a freira, entretida, por aqueles
esgares de rosto e mãos, rindo com o riso
cheio de se ter licença.
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MARIA VELHO DA COSTA
(fragmento)
O Lugar Comum
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 "Natureza" Foto LuisD.

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AGUSTINA BESSA-LUIS
Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa
Nasceu em 15 de outubro de 1922, signo de libra.
Vila Meã, Amarante, Portugal.
Escritora, jornalista, teatro, e televisão . . .
Homenagens:
Prémio "Bodalo de Literatura"(Casa da Imprensa), 1966;
Prémio "Adelaide Ristoli"(Centro
Italiano Cultural de Roma), 1975; Prémio "cidade do
Porto", 1982; Prémio "seiva de Literatura"(Companhia
de Teatro Seiva Trupe, Porto); Prémio " Vergilio Ferreira"
(Universidade de Évora),2004; Prémio "Camões", 2004;
Prémio de Literatura do "Festival Grinzane Cinema"
(turim Itália), 2005 . . .
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CANTOePALAVRAS
Mundo Fechado, 1948(novela); Os Super-Homens(romance),
1950; Contos Impopulares(romance), 1951 a 1953;
Sibila(romance), 1954; Os Incuráveis(romance), 1956;
A Muralha(romance), 1957; O Susto(romance), 1958;
Ternos Guerreiros(romance), 1960; O Manto(romance), 1961;
O Sermão de Fogo(romance), 1962; As Relações Humanas,I,II,III
(romance), 1964 a 1966; A Biblia dos Pobres I,II(romance),
1967 a 1970; A Brusca(conto), 1971; As Pessoas Felizes(romance),
1975; Crônica do Cruzado Osb(romance), 1976; As Fùrias(romance),
1977; Fanny Owen(romance-histórico)1979; O Mosteiro(romance),
1980;Os Meninos de Ouro(romance), 1983; Adivinhas de Pedro
e Inês(romance-histórico), 1983; Um Bicho da Terra
(romance-histórico),1984; A Monja de Lisboa
(romance-histórico)1985 . . .
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I
Vento sul-sudoeste fraco; céu nublado. Tempo de miscaros.
Matérias orgânicas que alastram nos muros e nos fossos, bolores
negros, lodos, fungos, vidas persistentes, possuídas de uma
animação vegetal crescendo sobre a decomposição,
sobre a ruína, nos lôbregos refegos da terra, nos podres
esconsos, nos charcos parados, debruadosde lamas. Como
míscaros, os homens parecem brotar na rua, ressumar das
pedras, pardos e cor de azebre, cor de pão de rala,
com as suas faces vazias, as mãos que são como raízes
impregnadas de água. . .
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AGUSTINA BESSA-LUIS
"Míscaros"(fragmento)
Contos Impopulares
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II
-" Quando passará? - perguntava a si próprio. Em vão
arredava a fimbria da cortina, e olhava. A vidraça,
onde aderiam as pequenas moscas dos estábulos, era
baça, como que porosa e penetrada de bolhas de ar. E a
rua era excêntrica, isolada, poeirenta, com margens de
terrenos baldios onde cresciam, como abertos ponteagudos
em miniatura, arbustos calcinados; a múltiplas flores
bravias rompiam das valas, fulgutantes e apenas perceptíveis.
Quando passará, quando virá o cortejo?"- perguntava.
Ali estava desde a madrugada, procurando divisar o cortejo
que desceria das bandas da cidade, com suas flâmulas
brilhando e voando, enchendo o horizonte de cores
inesperadas e palpitantes. Alongou-se o dia, as sombras
mudaram de lugar; os cães de pastor trotavam circundando os
campos, vigiando os rebanhos. A rua, deserta, com suas velhas
paredes que se desmoronam, mantidas ainda pelas garras das
heras e a aglomeração dos silvados. "Quando virá o cortejo,
quando será?" Cansado , ele inclina um momento a cabeça
sobre o parapeito, e adormece. Não por muito tempo, não por
muitas horas. Quando volta a arredar a orla da cortina, a
olhar pela janela a rua desamparada que se perde na distancia
entre arbustos calcinados e flores apenas perceptíveis, ainda
que fulgurantes, ele, perplexo e inquieto, indaga de si próprio:
"Já teria passado o cortejo, quando teria passado?!" Abre
a janela, e os vidros, mal seguros pelo betume ressequido,
caem no chão, sem ruído, sobre a poeira. Todo o solo parece
revolto, e um tastro de pegadas como que ondula e se
entrecruza e se perde, por fim, varrido nos turbilhões de
pó. Ele experimenta na boca, ao respirar, o sabor áspero
e absurdo desse pó. Depois, fecha a janela, e, por detrás das
vidraças partidas continua a esperar.
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AGUSTINA BESSA-LUIS
"O Cortejo"
Contos Impopulares
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III
Um caminhante que passava à margem dumas ruínas foi
cair num velho poço esgotado pela estiagem. então,
sepultado num matouço de camarinheiras que cresciam
no fundo meio arenoso, e respirando o ar vaporizado
que se encontra na proximidade das nascentes, pôs-se a
considerar a situação. As pedras, veiadas de ferro, estavam
deslocadas, e nas brechas entaizavam-se os juncos e as
plantas dormideiras. Uma sucessão de sombras ondulava
na borda do poço, como vultos que hesitam e se entrecruzam.
-Olhem cá!- disse, debaixo, o tal, que continuava prostrado,
a modos de protesto. - Tenho tão pouco tempo para
esperar! Vamos, triem-me depressa daqui!
Ninguém lhe respondeu.
-Salvai-me- gritou, com voz desvairada. Ergueu os braços
e pôs-se a implorar auxílio e a rogar piedade, insinuando
promessas, votando a sua alma às forças que o libertassem
daquele antro silencioso. Ninguém lhe respondia. E ele
passou a injuriar as sombras que, acima de si, ora de
distendiam, ora se aglomeravam, como trocando alvitres e
segredos, disperdando-se em seguida em saltos bruscos,
para logo voltarem, dissimuladas. A voz reboava na
profundidade do poço. Lagatixas, que dormitavam no
limiar das suas luras, dispararam num rabiar vertiginoso,
fazendo desprender torrões de lama seca.
-Ainda me apedrejais, raça de cães! Quanto tempo tenho
de esperar para que se retirem e para que me esqueçam?
Até quando tenho eu de esperar?!
Tudo estava calmo. Telazinhas cintilavam, tecidas em
pentágono entre os juncos. As sombras dos espinheiros,
de recorte fugidio e quase humano, permaneciam sobre
o bocal do poço, como o seu movimento instável provocado
pela aragem.
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AGUSTINA BESSA-LUIS
"De Profundis"
Contos Impopulares
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