terça-feira, 14 de julho de 2009

051 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "



CESÁRIO VERDE
José Joaquim Cesário Verde
Nasceu a 25 de fevereiro de 1855,  Lisboa, Portugal.
signo de peixes,
Poeta 
Descendente de italianos, pai era comerciante em Lisboa.
Doutorou-se na Faculdade de Letras
Na Universidade de Coimbra, 1873.
Escreveu, para vários jornais, por exemplo "Diário de Notícias".
Falava francês e Inglês . . . .
Faleceu a 19 de julho de 1886, Lisboa, Portugal..
*
CANTOePALAVRAS
O Livro de Cesário Verde, 1887 . . .

"Meu Jardim" Foto LuisD.























*
I
Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem com espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.
-
Se ela deixasse, extático e suspenso,
Tomar-lhe as mãos "mignonnes" e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.
-
Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O Clarão dos relâmpagos noturnos.
-
Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando a suas pernas com as minhas,
Eu desfaria o Sol, como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.
-
Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.
-
Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a lua afogaria nos meus braços.
-
Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,
Eu ergueria os vales mais profundos
E abateria as sólidas montanhas.
-
E se aquela visão da fantasia
Me estreitasse ao peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca mais me sentaria
Às mesas espelhentas do Martinho.
*
CESÁRIO VERDE
" Arrojos "
*
II
Nas nossas ruas, ao anoitecer
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me em desejo absurdo de sofrer.
*
CESÁRIO VERDE
"Nas nossas ruas, ao Anoitecer"
*
III
Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,
Aonde tanta vez a lua nos beijou,
E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,
Soberba como um Sol, serena como um vôo.
-
Em tudo cintilava o límpido poema
Com ósculos rimado às luzes dos planetas,
A abelha inda zumbia em torno da alfazema;
E ondulava o matiz das leves borboletas.
-
Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,
A imagem que inspirava os castelos madrigais;
E as virações, o rio, os astros, a paisagem,
Traziam-me à memória idílios imortais.
-
Diziam-me que tu, no flórido passado,
Detinhas sobre mim, ao pé daquelas rosas
Aquele teu olhar moroso e delicado,
Que fala de langor e de emoções mimosas;
-
E, ò pálida Clarisse, ó alma ardente e pura,
Que não me desgostou nem uma vez sequer,
eu não sabia haurir do cálix da ventura
O néctar que nos vem dos mimos da mulher.
-
Falou-me tudo, tudo, em tons comovedores,
Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes;
As falas quase irmãs do vento com as flores
E a mole exalação das várzeas rescendentes.
-
Inda pensei ouvir aquelas coisas mansas
No ninho de afeições criado para ti,
Por entre o riso claro, e as vozes das crianças,
E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.
-
Lembrei-me muito, muito, ó símbolo das santas,
Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas,
E sob aquele céu e sobre aquelas plantas
Bebemos e elixir das tardes perfumadas.
-
E nosso bom romance escrito num deserto,
Com beijos sem ruido em noites sem luar,
Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,
Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.
-
Mas tu agora nunca, ah! nunca mais te sentas
Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,
E eu não te beijarei, às horas sonolentas,
Os dedos de marfim, polidos e delgados . . .
-
Eu, por não ter sabido amar os movimentos
Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,
Eu sinto as decepções e os grandes desalentos
E tenho um riso mau como o sorrir de Judas.
-
E tudo enfim passou, passou como uma pena
Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,
E aquela doce vida, aquela vida amena,
Ah! nunca mais virá, meu lírio, nunca mais!
-
Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!
quando ontem eu pisei, Bem magro e bem curvado,
A areia em que rangia a saia roçagante,
Que foi na minha vida o céu aurirrosado.
*
CESÁRIO VERDE
"Melodias Vulgares"(fragmento)
*
IV
O mundo é velha cena ensangüentada,
Coberta de remendos, picarescas;
A vida é chula farsa assibiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.
-
eu sei um bom rapaz, - hoje uma ossada -,
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.
-
Aos domingos a déia, já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa.
-
Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir a missa!
*
CESÁRIO VERDE
"Manias"
Ecos do Realismo
*
V
Naquele piquenique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aquarela.
-
foi quando tu, descendo do burrico,
foste colher, sem imposturas tolas,
A um grazoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
-
Pouco depois, em cima duns penhascos
Nós acampamos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
-
Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro de papoulas!
*
CESÁRIO VERDE
"De Tarde"
*
VI
O teto de oxigênio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trepadeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-se a quimera azul de transmigrar.
-
Por baixo dos portões! que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, às escuras;
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-se, sangrentos.
-
E eu sigo, como as linhas de uma pauta
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silêncio infaustas e trinadas
As notas pastoris de uma longínqua flauta. 
-
Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!
-
Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas.
Numas habitações translúcidas e frágeis.
-
Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os  gritos de socorro ouvir estrangulados.
-
E nestes nebulosos corredores
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e os bordos sobre as pernas,
Cantam de braço dado, uns tristes bebedores.
-
eu não receio, todavia, os roubos;
Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;
E sujo, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.
-
E os guardas, que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
tossem, fumando, sobre a pedra das sacadas.
-
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A dor humana busco os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!
*
CESÁRIO VERDE
"Horas Mortas"

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