sexta-feira, 10 de julho de 2009

053 - Eça de Queiroz - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


EÇA DE QUEIROZ
José Maria Eça de Queiroz
Nasceu a 25 de novembro de 1845, signo de escorpião
Póvoa do Varzim, Portugal
Se formou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1861. . .
Escritor, diplomata, escreveu para vários jornais e revistas . . .
Homenagens:
Fundação "Eça de Queiroz", Baião,
Portugal.
Faleceu em 16 de agosto de 1900
*
CANTOePALAVRAS
O Mistério da Estrada de Sintra, 1870
O Crime do Padre Amaro, 1875
O Primo Basilio, 1878
A Tragédia da Rua das Flores, 1878
O Mandarim, 1880; A Relíquia, 1887;Os Maias, 1888; Uma Campanha Alegre, 1891;
O Tesouro, 1893; A Aia, 1894;
Adão e Eva no Paraíso, 1897;
A Ilustre Casa de Ramires, 1900 . . .

*
I
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ao bater do meio-dia, entrava na minha tina
de mármore cor de rosa, onde os perfumes
derramados davam à água um tom opaco de
leite: depois pajens tenros, de mão macia,
fricionavam-se com o cerominial de quem
celebra um culto; e embrulhado num
robe-de chambre de seda da Índia, através
da galeria, dando aqui e além um olhar aos
meus Fortunys e aos meus Corots, entre
alas silenciosas de lacaios, dirigia-me ao bife
à inglesa, servido em Sèvres azul e ouro.
O resto da manhã, se havia calor, passava-o
sobre coxins de cetim cor de pérola, num
boudoir em que a mobília era de porcelana
fina de Drede e as flores faziam um jardim
de Armida; aí, saboreava o "Diário de Notícias"
enquanto lindas raparigas vestidas à japonesa refrescavam o ar,
agitando leques de pluma.
De tarde ia dar uma volta a pé, até ao Pote das Almas:
era a hora mais pesada do dia; encostado à bengala,
arrastando as pernas moles, abria bocejos de fera saciada ▬ e a
turba abjecta parava a contemplar, em êxtases, o nababo
enfastiado!
Às vezes vinha-me como uma saudade dos meus tempos
ocupados da repartição. Entava em casa; e encerrado
na livraria, onde o Pensamento da Humanidade repousava
esquecido e encadernado em marroquim, aparava uma pena
de pato, e ficava horas lançando sobre folhas do meu
querido "Tojal" de outrora: "Il.mo e Ex.mo Sr. ▬ Tenho
a honra de participar a V. Ex.ª . . . Tenho a honra de passar
às suas mãos de V. Ex.ª! . . .".
Ao começo da noite um criado, para anunciar o jantar,
fazia soar pelos corredores na sua tuba de prata, à moda
gótica, uma harmonia solene. Eu erguia-me e ia comer,
majestoso e solitário. Uma populaça de lacaios, de librás
de seda negra, servia, num silêncio de sombras que
resvalam, as vitualhas raras, vinhos de preço de jóias:
toda a mesa era um esplendor de flores, luzes, cristais,
cintilações de ouro: ▬ e enrolando-se pelas pirâmides de
frutos, misturando-se ao vapor dos pratos, errava, como
uma névoa subtil, um tédio inenarrável . . .
Depois, apopléctico, atirava-me para o fundo do coupé
e lá ia às Janelas Verdes, onde nutria, num jardim
de serralho, entre requintes muçulmanos, um viveiro
de fêmeas: revestiam-me de uma túnica de seda fresca
e perfumada, ▬ e eu abandonava-me a delírios
abomináveis . . . Traziam-me semimorto para casa, ao
primeiro alvor da manhã: fazia maquinalmente o meu
sinal-da-cruz, e daí a pouco roncava de ventre ao ar,
lívido e com um suor frio, como um Tibério exausto.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
EÇA DE QUEIROZ
"O Mandarim" (Fragmento do capítulo III)
*
II
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Até ao anoitecer estive encostado sombriamente
à borda do paquete, vendo o mar liso, como
uma vasta peça de seda azul, dobrar-se aos lados
em duas pregas moles: pouco a pouco grandes
estrelas palpitaram na concavidade negra, e o
hélice na sombra ia trabalhando em ritmo.
Então, tomado de uma fadiga mole, fui errando
pelo paquete, olhando, aqui e além, a bússola
alumiada; os montões de cabrestantes; as peças
da máquina, numa claridade ardente, batendo
em cdência; as fagulhas que fugiam do cano,
num rolo de fumaça negra; os marinheiros de
barba ruiva, imóveis à roda do leme; e as formas
dos pilotos, sobre o pontal, altas e vagas na noite.
Na cabine do capitão, um inglês de capacete de
cortiça, cercado de damas que bebiam conhaque,
ia tocando melancólicamente na flauta a ária de
"Bonnie Dundee" . . .
Eram onze horas quando desci ao meu beliche.
As luzes já estavam apagadas: mas a Lua que se
erguia ao nível da água, redonda e branca, batia
o vidro da cabina com um raio de claridade:
e então, a essa meia-tinta pálida, lá vi,estirada
sobre a maca, a figura pançuda, vestida de seda
amarela, com seu papagaio nos braços!
Era ele, outra vez!
E foi ele, perpètuamente! Foi ele em Singapura e
em Ceilão. Foi ele erguendo-se dos areais do deserto
ao passarmos no canal de Suez; adiantando-se à
proa de um barco de provisões quando parámos
em Malta; resvalando sobre as rosadas montanhas
da Sicília; emergindo dos nevoeiros que cercam o
morro de Gilbraltar! Quando desembarquei em Lisboa,
no Cais das Colunas, a sua figura bojuda enchia
todo o arco da Rua Augusta; o seu olho oblíquo
fixava-me ▬ e os dois olhos pintados do seu
papagaio pareciam fixar-me também . . .
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EÇA DE QUEIROZ
"O Mandarim" (fragmento do capitulo VII)

















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