domingo, 5 de julho de 2009

060 - Fernando Pessoa " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

* * * * * Foto "Busto de Fernando Pessoa"
Homenagem da Fundação Eng. António de
Almeida, Porto Portugal. Centro de Estudos, Academia Lusíada
Está no Largo Mestre de Aviz, São Paulo, Brasil.
LuisD.
*
FERNANDO PESSOA
Fernando António Nogueira Pessoa
Nasceu a 13 de junho de 1888, signo de gêmeos,
em Lisboa, Portugal.
Orfão de pai, aos cinco anos, morou na África do Sul,
ainda jovem. Participou em várias revistas, como
"Centauro", "Athena", "Presença", "Águia"(1905),
um dos fundadores de "Orpheu",1915, com a participação
de Almada Negreiros e outros. Revista trimestral.
Um dos mais importantes iniciadores do Movimento Modernista.
Seu corpo, faleceu em Lisboa, Portugal a 20 de novembro de 1935.
*
Homenagens: Escultura em bronze " Café Brasileira "
Lisboa, Portugal; Busto, no Largo Mestre de Aviz,
perto do Parque do Ibirapuera, São Paulo, Brasil.
Caricatura, 1915, e Pintura, 1954, por Almada Negreiros.
Prémio "Antero de Quental", com "Mensagem".
Universidade "Fernando Pessoa".








*

CANTOePALAVRAS
Sonnets e inscriptions . . .
Aviso por causa da Moral; Interregno Defesa;
Justificação da Ditadura Militar em Portugal;
Mensagem, 1934; Quaresma(conto policial) . . . Criação de Almada Negreiros

*
I
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O Sol doira
Sem literatura.
-
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa . . .
-
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quando é melhor, quando há bruma,
Esperar por Dom Sebastião,
Quer venha ou não!
-
Grande é a poesia, a bondade e as danças . . .
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o Sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
-
O mais do que isto É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca . . .
*
FERNANDO PESSOA
"Liberdade"
*
II
Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.
*
FERNANDO PESSOA
" XL "
Alberto Caeiro
*
III
Não só vinho, mas nele o olvido, deito
Na taça: serei ledo, porque a dita
É ignara. Quem, lembrando
Ou prevendo, sorria?
Dos brutos, não a vida, senão a alma,
Consigamos, pensando; recolhidos
No impalpável destino
Que não 'spera nem lembra.
Com mão mortal elevo à mortal boca
Em frágil taça o passageiro vinho,
Baços os olhos feitos
Para deixar de ver.
*
FERNANDO PESSOA
" Sem titulo"
Ricardo Reis
*
IV
O poeta é fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
-
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
-
E assim nas calhas de roda
gira, a entreter a razão,
esse comboio de corda
Que se chama o coração.
*
FERNANDO PESSOA
"Autopsicografia"
Cancioneiro
*
V
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã . . .
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não . . .
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico . . .
Esta espécie de alma . . . .
Só depois de amanhã . . . .
Hoje quero preparar-me,
Quero prepara-me para pensar amanhã no dia seguinte. . .
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos . . .
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã . . .
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro . . .
-
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã . . .
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância . . .
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital. . .
Mas por um edital de amanhã . . .
Hoje quero dormir, redigirei amanhã . . .
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que bem o espetáculo . . .
Antes não . . .
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã . . .
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã . . .
sim, talvez só depois de amanhã . . .
-
O porvir
Sim, o porvir . . .
*
FERNANDO PESSOA
"Adiamento "
Alvaro Campos
*
VI
Ó sino da minha aldeia,
dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma;
-
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
-
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante;
És para mim como um sonho:
soas-me na alma distante . . .
-
A cada pancada tua,
Vibrante no Céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
*
FERNANDO PESSOA
" Impressões do Crepúsculo "
*
VII
O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao Sol.
É assim, azul e calmo,
Porque não interroga nem se espanta . . .
-
Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer cousa no Sol de modo a ele ficar mais belo . . .
-
(Mesmo se nascessem flores novas no prado
E se o Sol mudasse para mais belo,
Eu sentiria menos flores no prado
E achava mais feio o Sol . . .
Porque tudo é como é e assim é que é,
E eu aceito, e nem agradeço,
Para não parecer que penso nisso . . .).
*
FERNANDO PESSOA
" O Guardador de Rebanhos
XXIII "
Alberto Caeiro
*
VIII
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
o plantador de naus a haver,
e ouve um silencio múrmuro consigo:
é o rumor dos pinhais que, como um trigo
de Império, ondulam sem se poder ver.
-
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
busca o oceano por achar;
e a fala dos pinhais, marulho obscuro,
é o som presente desse mar futuro,
é a voz da terra ansiando pelo mar.
*
FERNANDO PESSOA
" D. Dinis "
*
IX
Todo começo é involuntário.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.
-
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
" Que farei eu com esta espada? "
-
Ergueste-a, e fez-se.
*
FERNANDO PESSOA
" O Conde D. Henrique "
*
X
Cessa o teu canto!
Cessa, que enquanto
O ouvi, ouvi
Uma outra voz
Como que vindo
Nos interstícios
Do brando encanto
Com que o teu canto
Vinha até nós.


-
Ouvi-te e ouvi-a
No mesmo tempo
E diferentes
Juntas cantar
E a melodia
Que não havia,
se agora a lembro,
Faz-se chorar.


-
Foi tua voz
Encantamento
Que, sem querer,
Nesse momento
Vago acordou
Um ser qualquer
Alheio a nós
Que nos falou?
-
Não sei. Não cantes!
Deixa-me ouvir
Qual o silencio
Que há a seguir
A tu cantares
-
Ah, nada,nada!
Só os pesares
de ter ouvido,
De ter querido
Ouvir para além
Do que é o sentido
Que uma voz tem.
-
Que anjo, ao ergueres
A tua voz,
Sem o saberes
veio baixar
Sobre esta terra
Onde a alma erra
E com as asas
Soprou as brasas
De ignoto lar?
-
Não cantes mais!
Quero o silencio
Para dormir
Qualquer memória
Da voz ouvida,
Desentendida,
Que foi perdida
Por eu a ouvir . . .
*
FERNANDO PESSOA
" Poesia "
*
XI
Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!
-
Dá contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A benção como espada,
A espada como benção!
*
FERNANDO PESSOA
"Afonso Henriques"
Os Castelos
Mensagem
*
XII
O poeta é um fingidor,
finge tão completamente,
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.
*
FERNANDO PESSOA
"Trova"
*
XIII
Nada sou, nada posso, nada sigo
Trago, por ilusão, meu ser comigo.
Mão compreendo compreender, nem sei
Se hei de ser, sendo nada, o que serei.
-
Fora disto, que é nada, sob o azul
do lato céu um vento vão do sul
Acorda-me e estremece no vedor.
Ter razão, ter vitória, ter amor.
-
Murcharam na haste morta da ilusão.
Sonhar é nada e não saber é vão
Dorme na sombra, incerto coração.
*
FERNANDO PESSOA
"Nada sou, Nada posso, Nada sigo."
*
XIV
"Guardador de Rebanho"1893
Pintor Silva Porto 1850/1893, Portugal.

Sou um guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
-
Pensar uma flôr é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
-
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
*
FERNANDO PESSOA
"Alberto Caeiro"
"IX"
O Guardador de Rebanhos
*
XV
O amor quando se revela,
Não se sabe revelar
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
*
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala parece que mente
Cala parece esquecer.
*
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
*
Mas quem sente muito cala,
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
*
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar.
*
FERNANDO PESSOA
"O Amor, Quando se Revela"
*
XVI
Os antigos invocavam as Musas,
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam - 
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação.
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido "ah!" para ouvir em eco,
E não tenho ouvido mais que o visto - 
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser do outro.
É uma coisa quase invisível,
Excepto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silencio e na luz fala do fundo...

Que Musa!...
*
ÁLVARO DE CAMPOS
"Musa"

(Mais Poemas . . . "O CANTO. . .do encanto das . . .PALAVRAS"
pág. 189)
*

POETAS E FERNANDO PESSOA
*
Sophia de Mello B. Andresen
*
Teu canto justo que desdenha as sombras
Limpo de vida viúvo de pessoa
Teu corajoso ousar não ser ninguém
Tua navegação com bússula e sem astros
.No mar indefinido
Teu exacto conhecimento impossessivo.
-
Criaram teu poema arquitectura
E és semelhante a um deus de quatro rostos
E és semelhante a um deus de muitos nomes

("Celebridades" pág. XXX.)
Cariátide de ausência isento de destinos
Invocando a presença já perdida
E dizendo sobre a fuga dos caminhos
Que foste como as ervas não colhidas.
*
SOPHIA DE MELLO B. ANDRESEN

"Fernando Pessoa"
Livro Sexto








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