segunda-feira, 27 de julho de 2009

040 - Miguel Torga " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


MIGUEL TORGA
Adolfo Correia da Rocha
Nasceu a 12 de agosto de 1907, signo de leão, Vila Real de
São Martinho de Anta, Província de Trás-os-Montes, Portugal.
Poeta, Morou no Brasil, ainda jovem, voltou para Portugal,
Doutorou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de
Coimbra, 1933. Esteve preso, por divergências políticas e alguns
de seus livros censurados, proibidos de serem editados!!!!!????
Homenagens: Biblioteca Municipal "Miguel Torga", 2003, Miranda
do Corvo, Portugal.
Faleceu em 17 de Janeiro de 1995, Coimbra, Portugal.
*
*
CANTOePALAVRAS
Ansiedade, 1907; Rampa, 1930; Tributo, 1931;
O Outro Livro de Job, 1936; Bichos (conto), 1940;
Contos da Montanha (conto), 1941; Mar (teatro), 1941;
Terra Firme (teatro), 1941; Lamentação, 1943; Liberdade, 1944;
Novos Contos da Montanha (conto), 1944;
Vindima (romance), 1945;
Sinfonia(teatro), 1947; O Paraíso (teatro), 1949;
Cântico do Homem, 1950; Pedras Lavradas (conto), 1951;
Odes, 1956;
Orfeu Rebelde, 1958; Orfeu Rebelde, 1958;
Câmara Ardente,1962;
Poemas Ibéricos, 1965; Fogo Preso, 1976 . . .
*
I
Somos nós
As humanas cigarras!
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos . . .
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
-
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar!
-
Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura!
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.
-
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz!
-
E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestréis
duma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!
-
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitos e maneiras,
Da cor que o Sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!
-
Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão!
*
MIGUEL TORGA
" Aos Poetas "
Odes
*
II
Melodia, melodia . . .
Como é simples e tu vens!
Como nasces da harmonia
Das formas que nunca tens!
-
Como vive e eternidade
Na fugidia presença
Da tua realidade
Irreal logo à nascença!
-
Não se vê quem te levanta
Nem quem tece o teu destino;
Mas alguém te desencanta,
Te revela e te faz hino
Do nosso amor, melodia!
-
Vai cantando!
Vai passando e vai durando,
Asa branca deste dia!
*
MIGUEL TORGA
" À Música "
Odes
*
III
Foi então que vim de longe,
duns vagos mundos,
e disse:
"Devotados Apóstolos, eu sei
que conheceis algumas teorias;
ora eu sou assim e etc.,
ensinai-me! . . .
-
Todos calados, ouvimos
as vontades interiores
de todos,
que lutavam
para encontrar a Verdade,
porque eu naquela fome desgraçada
pedia Pão Verdadeiro . . .
-
e calados
estivemos
um século inteiro" . . .
*
MIGUEL TORGA
" Cântico "
O Outro Livro de Job
*
IV
Eis o rosto de Apolo iluminado!
Eis o mundo coberto de alegria!
Quando sorri um deus, fica doirado
O céu que a sua raiva enegrecia.
-
Eis a luz da verdade
Aberta sobre a noite da mentira!
Eis a harmonia que nenhuma lira
Reproduz!
Ressuscitada e alada, a criação
Deixa morta no chão
À sombra secular da sua cruz.
-
Transparente e feliz, tudo parece
Representar num palco de magia;
Mas corre-se a cortina à fantasia,
E a estranha maravilha permanece!
-
Nada tem a espessura, que mostrava
À cegueira de cada hesitação.
Nada tem um taipal de solidão.
A rodear-lhe os passos.
Gestos, hostis na escuridão,
São abraços!
-
Verdes, amadurecem
Os corações;
Velhas, rejuvenescem
Às ilusões;
E na mesma fogueira onde se aquecem,
Comungam sentimentos e paixões.
-
Em festas de resgate e de calor
À vida reconquista o seu reinado.
E é o amor
E o pecado
Num paraíso agora consentido;
Já que o gostoso pomo nos foi dado,
Poderá finalmente ser comido!
-
O carnaval do mundo terminou!
E o que agora deseja o Arlequim
É despir no jardim
A cobardia que o mascarou.
-
Sol do corpo e de alma,
Claridade da pele e dos sentidos!
Sol da perfeita calma,
Nua sob a vergonha dos vestidos!
*
MIGUEL TORGA
" Ao Sol "
Odes
*
V
Encontraram-no caído
ao fundo daquela rua;
chamaram-no pelo nome, e era eu!
- O Poeta andava à lua
e adormeceu . . .
-
Foi o que disse e jurou
pela sua salvação
a Perdida
que viu tudo pela janela . . .
E o guarda soube por Ela,
pelo pranto que chorava,
quem era na minha vida
o Guarda que me guardava. . .
-
- Andar à lua é proibido . . .
Mas Ela pagou a lei
por um beijo que lhe dei
antes ou depois de ter caído,
nem eu sei . . .
*
MIGUEL TORGA
" Noite "
O Outro Livro de Job
*
VI
Além,
mais adiante ainda,
fora do vosso alcance,
mora aquele do meu romance
que não finda . . .
-
Ali,
onde ninguém o sabe,
e vive, para que a Vida
não acabe . . .
-
Deserto
onde não há solidão . . .
(Cada miragem é uma veia
que recolhe a alma cheia
do que lhe dão . . .)
-
Sofre,
mas a sua dor não é
como a dor de quem não ama
ou como a pior de quem chama
sem Fé . . .
-
Chora,
mas o seu pranto não é sal desfeito . . .
As lágrimas desumanos são
feitas de humano perdão
e respeito . . .
-
Homem,
foi na Terra que nasceu . . .
Mas libertou-se da terra
como um Guerreiro da guerra
em que morreu . . .
-
Profeta,
olha de longe as horas do futuro . . .
E as suas visões são belas,
e o seu amor é por elas,
e é puro . . .
-
Outro,
nem eu sei conhecer
nessa grandeza de Santo
onde mora o meu encanto
de viver . . .
*
MIGUEL TORGA
" Canção duma outra Vida "
O Outro Livro de Job
*
VII
Não posso render, haja o que houver.
Salvar a vida pouco me adianta.
O pendão que levanta
A minha decidida teimosia,
-
Transcende a noite e o dia
De uma breve e terrena duração.
Luto por todos e também por mim,
Mas assim:
Desprendido da própria perdição.
-
É o espirito da terra que eu defendo,
Numa cega constância
De namorado:
Esta causa perdida em cada instância,
E sempre a transitar de tempo e de julgado.
*
MIGUEL TORGA
"Mensagem"
Penas do Purgatório
*
VIII
O que um verso demora!
A esta mesma hora,
Quantos poetas, como eu, à espera!...
Passou o inverno, veio a primavera,
Deitou-se a noite, ergueu-se a madrugada,
E a voz
De todos nós
Cativa na garganta estrangulada!
-
Nenhum sinal no céu de próximo milagre;
Os adivinhos mal nos adivinham;
E os restantes humanos,
Há infinitos anos
Que apenas tecem
A tela da rotina,
Como o instinto os ensina.
-
E resta-nos a força
Que empurra os cegos contra a claridade.
Ter confiança é deslaçar metade
Do nó do tempo que o destino aperta.
Suprema descoberta
Doutros que no passado desesperaram,
E foram premiados, e cantaram.
-
Mas pesa como um luto
Este silêncio hostil
E fere como raiva dum cilício
A certeza da morte
Colado ao corpo.
que desgraça
Desconhecida,
Se a nudez ultrapassa
A nossa vida!
*
MIGUEL TORGA
"Miserere Nobis"
Orfeu Rebelde
*
IX
Vou de comboio...
Vou
Mecanizado e duro como sou
Neste dia;
- E mesmo assim tu vens, tu me visitas!
Tu ranges nestes ferros e palpitas
Dentro de mim, Poesia!
-
Vão homens a meu lado distraídos
Da sua condição de almas penadas;
Vão outros à janela, diluídos
Nas paisagens passadas...
E porque hei-de ter eu nos meus sentidos
As tuas formas brancas e aladas?
-
Os campos, imprecisos, nos meus olhos,
Vão de braços abertos às montanhas;
O mar protesta contra não sei o quê;
E eu movido por ti, por tuas manhas,
A sonhar um painel que se não vê!
-
Porque me tocas? Porque me destinas
Este cilício vivo de cantar?
Porque hei-de eu padecer e ter matinas
Sem sequer acordar?
-
Porque há-de a tua voz chamar a estrela
Onde descansa e dorme a minha lira?
Que razão te dei eu
Para que a um gesto teu
A harmonia me fira?
-
Poeta sou e a ti me escravizei,
Incapaz de fugir ao meu destino.
Mas, se todo me dei,
Porque não há-de haver na tua lei
O lugar do menino
que a fazer versos e a crescer fiquei?
-
Tanto me apetecia agora ser
Alguém que não cantasse nem sentisse!
Alguém que visse padecer,
E não visse...
-
alguém que fosse pelo dia fora
Neutro como um rapaz
Que come e bebe a cada hora
Sem saber o que faz...
-
Alguém que não tivesse sentimentos,
Pressentimentos,
E coisas de escrever e de exprimir...
alguém que se deitasse
No banco mais comprido que vagasse,
E pudesse dormir...
-
Mas eu sei que não posso.
Sei que sou todo vosso,
Ritmos, imagens, emoções!
Sei que serve quem ama,
E que eu jurei amor à minha dama,
À mágica senhora das paixões.
-
Musa bela, terrível e sagrada,
Imaculada Deusa do condão:
Aqui vou de longada;
Mas aqui estou, e aqui serás louvada,
Se aqui mesmo me obriga a tua mão!
*
MIGUEL TORGA
"À Poesia"
Odes
*
(Mais Poemas. . . "Negras Capas . . . Poetas de Coimbra", pág.196;
"O CANTO . . . do encanto das . . . PALAVRAS", pág. 189).

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