sexta-feira, 10 de julho de 2009

055 - Antero de Quental " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

Pintura de Columbano Bordalo Pinheiro, 1889.
Museu do Chiado, Lisboa, Portugal.

*
ANTERO DE QUENTAL
Antero Tarqüinio de Quental
Nasceu a 18 de abril de 1842, signo de áries,
Ponta Delgada, Açores, Portugal.
Pai de Fernando de Quental, livreiro . . .
Tio Filipe professor universitário, avô paterno
André da Ponte, poeta e amigo de Bocage, no século
XVII Padre Bartolomeu de Quental, viveu de 1626 a 1698,
fundador da "Congregação do Oratório, em Portugal . . .
Cursou direito, na Universidade de Coimbra.
Viveu em Paris e Nova York.
" Questão Coimbrã ", foi resultado, da
causa principalmente, do livro de poesias "Odes Moderna",
era muito avançado para o seu tempo, segundo alguns
entendidos da época, em Portugal, fugia às regras
estabelecidas. . .!!!?!!!
A célebre controvérsia filosofal e intelectual, entre
António Feliciano de Castilho poeta, conceituadíssimo
no meio, e cego, que não admitia, quem infringi-se
os princípios da literatura vigente . . .!!!
Antero de Quental, escreve, "Bom senso e Bom Gosto"
e "A dignidade das letras e as literaturas oficiais",
em resposta a certas declarações, feitas em Lisboa.
Um encontro, que foi muito importante, para a literatura
portuguesa, Eça de Queiroz e Antero de Quental, na
Escadaria da "Sé Nova" em Coimbra, 1862.
Depois de Camões, é tido como o melhor poeta português.
Filiou-se ao "Cenáculo" depois "Conferências Democráticas
do Cassino Lisbonense", 1871.
"Partido dos Operários Socialistas" de Portugal, 1874.
Seu corpo, faleceu a 11 de setembro de 1891.
Estilo Realismo, Naturalista.
*
CANTOePALAVRAS
Primaveras Românticas, 1872; Odes Modernas
("A História" 384 versos em oitava rima), 1875;
Sonetos,*(exemplar na "Biblioteca Nacional de Portugal"
Lisboa), 1880(traduzido 45 vezes, em váris idiomas);
Raios de Extinta Luz, 1892(e Teófilo Braga) . . .
*
I
Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n'um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento . . .
-
Verbo crespucular e íntimo alento
das cousas mudas; salmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O susoiro do mundo e o seu lamento?
-
Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.
-
E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha . . .
Almas irmãs da minha, almas cativas . . .
-
Não chorais, ventos, árvores e mares,
coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares . . .
-
Da sombra das visões crespusculares
Rompendo, um dia surgireis radiosas
D'esse sonho e essas ânsias afrontosas,
que exprimem vossas queixas singulares . . .
-
Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,
-
Vereis as Formas, filhas da ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão . . .
E acabarão por fim vosso tormento.
*
ANTERO DE QUENTAL
" Redenção "
*
II
Por mais que o mundo aclame os vão triunfadores,
Os que passam cantando e os que passam ovantes,
Os que entre a multidão vão como uns hierofantes,
Às turbas o favor e os desdéns cuciantes,
-
Não há glória ou poder, cousa que o mundo aclame,
Igual à morte obscura, erma, vil, impotente,
D'um homem justo e bom, que expira injustamente
Na miséria, no exílio, ou em cárcere infame,
Mas que aplaude a consciência - e que morre contente!
*
ANTERO QUENTAL
" Ode IX "
*
III
Eu não! ao ver-te, penso: Que agonia
E que tortura ainda não provada
Hoje me ensinará esta alvorada?
E digo: Por que nasce mais um dia?
-
Antes tu nunca fosses, luz formosa!
Antes nunca existisses! e o Universo
Fitasse inerte e eternamente imerso
Do possível na névoa duvidosa!
-
O que trazes ao mundo em cada aurora?
O sentimento só, só a consciência
D'uma eterna, incurável impotência,
Do insaciável desejo, que o devora!
-
De que são feitos os mais belos dias?
De combates, de queixas, de terrores!
De que são feitos? de ilusões, de dores,
De misérias, de mágoas, de agonias!
-
O Sol, inexorável semeador,
Sem jamais se cansar, percorre o espaço,
E em borbotões lhe jorram do regaço
As sementes inúmeras da Dor!
*
ANTERO DE QUENTAL
" Hino da Manhã "
(Poesias. . .)
*
"Antero de Quental", autor desconhecido 1864.
*
IV
Pelo caminho estreito, aonde a custo
Se encontra uma só flor, ou ave, ou fonte,
Mas só bruta aridez de áspero monte
E os sóis e a febre do areal adusto,
-
Pelo caminho estreito entrei sem susto
E sem susto encarei, vendo-os defronte,
fantasmas que surgiam do horizonte
A acometer meu coração robusto . . .
-
que sois vós, peregrinos singulares?
dor, Tédio, desenganos e Pesares . . .
Atrás d'eles a Morte espreita ainda . . .
-
Conheço-vos, Meus guias derradeiros
Sereis vós. Silenciosos companheiros,
Bem-vindos, pois, e tu, Morte, Bem-vinda!
*
ANTERO DE QUENTAL
" Em Viagem "
*
V
Depois que o dia a dia, aos poucos desmaiando,
Se foi a nuvem d'ouro ideal que eu vira erguida;
Depois que vi descer, baixar no céu da vida
Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:
-
Depois que sobre o peito os braços apertando
achei o vácuo só, e tive a liz sumida
Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida
A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:
-
Não temas pois - Oh, vem! o céu é puro, e calma
E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma . . .
A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh, vem!
*
ANTERO DE QUENTAL
" Beatrice "
*
VI
Sonhei - nem sempre o sonho é cousa vã -
Que um vento me levava arrebatado,
Através d'esse espaço constelado
Onde uma aurora eterna ri louçã . . .
-
As estrelas, que guardam a manhã,
Ao verem-me passar triste e calado,
Olhavam-me e diziam com cuidado:
Onde está, pobre amigo, a nossa irmã?
-
Mas eu baixava os olhos, receoso
Que traíssem as grandes mágoas, minhas,
E passava furtivo e silencioso,
-
Nem ousava contar-lhes, às estrelas,
Contar às tuas puras irmãzinhas
Quanto és falsa, meu bem, e indigna d'elas!
*
ANTERO DE QUENTAL
" Sonho "
Sonetos
*
VII
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
-
Acorda! é tempo! o Sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares . . .
Para surgir do seio d'esses mares,
Um mundo novo espera só um aceno . . .
-
Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções . . .
Mas de guerra . . .e são vozes de rebate!
-
Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faz espada de combate!
*
ANTERO DE QUENTAL
" A Um Poeta "
Sonetos
*
VIII
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ó areias da praia, ó rochas duras,
Que também prisioneiras aqui estais!
Entendeis vós acaso estas escuras
Razões da sorte, surda a nossos aos?
Sabê-las tu, ó mar, que te torturas
No teu cárcere imenso? e, águas, que andais
Em volta aos sorvedouros que vos somem,
Sabeis vós o que faz aqui o Homem?
-
Fronte que banha aluz - e olhar que fita
Quanta beleza a imensidão rodeia!
Da geração dos seres infinita
Mais pura forma e mais perfeita idéia!
No vasto seio um mundo se agita . . .
E um Sol, um firmamento se incendeia
Quando, ao clarão da alma, em movimento
Volve os astros do céu do pensamento!
-
E, entanto, ó largo mundo, que domina
Seu espírito imenso! ele é mesquinho
Mais que ave desvalida e pequenina,
A que o vento desfez o estreito ninho!
Quanto mais vê da esfera cristalina
Mais deseja, mais sente o agudo espinho . . .
E o círculo de luz da alma pura
É um cárcere, apenas, de tortura!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ó duração de sonhos! fortalezas
De fumo! rochas de ilusão a rodos!
Que é dos santos, dos altos, das grandezas,
Que inda há cem anos adoramos todos?
As verdades, as bíblias, as certezas?
Limites, formas, consagrados modos?
O que temos de eterno e sem enganos,
Deus - não pode durar mais alguns anos!
-
Tronos, religiões, impérios, usos . . .
Oh que nuvens de pó alevantadas!
Castelos de nevoeiro tão confusos!
Ondas umas sobre outras conglobadas!
Que longes que não têm estes abusos
Da forma! Tróias em papel pintadas!
Babilôlinias de névoa, que uma aragem,
Roçando, abala e lança na voragem!
-
Sobre alicerces d'ar as sociedades
Como sobre uma rocha têm assento . . .
E os cultos, as crenças, as verdades
Ali crescem, lá têm seu fundamento . . .
Ó grandes torreões, templos, cidades
Babéis de orgulho e força . . .sopre o vento
Sobre os pés do gigante que se eleva . . .
E era d'ar essa base . . . e o vento a leva!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Porque o mundo , tão grande, é um infante
Que adormece entre cantos noite e dia,
Embalado no éter radiante,
Todo em sonhos de luz e de harmonia!
O forte Mar (e mais é um gigante)
Também tem paz e coros de alegria . . .
E o céu, com ser imenso, é serenado
Como um seio de herói, vasto e pausado.
-
Quando de grande há aí dorme e sossega:
Tudo tem sua lei onde adormece:
Tudo, que pode olhar, os olhos prega
N'algum Íris d'amor que lhe alvorece . . .
Só nós, só nós, a raça triste e cega,
Que e três palmos do chão nem aparece,
Só nós somos delírio e confusão,
Só nós temos por nome "turbilhão!"
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Só ele pode a ara sacrossanta
Erguer, e um templo eterno para todos . . .
Sim, um eterno templo e ara santa,
Mas com mil cultos, mil diversos modos!
Mil são os frutos, e é só uma a planta!
Um coração, e mil desejos doidos!
Mas dá lugar a todos a Cidade,
Assente sobre a rocha da Igualdade.
-
É d'esse amor que eu falo! e d'ele espero
O doce orvalho com que vá surgindo
O triste lírio, que este solo austero
Está entre urze e abrolhos encobrindo.
D'ele! do Amor! . . . enquanto vais abrindo,
Sobre o ninho onde choca a Unidade,
As tuas asas d'águia, Ó LIBERDADE!
*
ANTERO DE QUENTAL
" À História "(fragmentos)
Odes Modernas
*
IX
A cruz dizia à terra onde assentava,
Ao vale obscuro, ao monte áspero e mudo:
- " Que és tu, abismo e jaula, aonde tudo
Vive na dor e em luta cega e brava?
-
Sempre em trabalho, condenada escrava,
Que fazes tu de grande e bom, contudo?
Resignada, és só lodo informe e rudo;
Revoltosa, és só fogo e hórrida lava . . .
-
Mas a mim não há alta e livre serra
Que me possa igualar! . . . amor firmeza,
Sou eu só: sou a paz, tu és a guerra!
-
Sou o espírito, a luz! . . . tu és triteza,
Ó lodo escuro e vil!"- Porém a terra
Respondeu: "Cruz, eu sou a Natureza!
*
ANTERO DE QUENTAL
" Diálogo "
Sonetos
*
X
Razão, irmã do amor e da justiça.
Mais uma vez escuta a minha prece.
Á a voz de um coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.
-
Por ti é a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.
-
Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos.
-
Por ti, podem sofrer e não  se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem,
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!
*
ANTERO DE QUENTAL
"Hino à Razão"
*
XI
Que beleza mortal se te assemelha,
Ó sonhadora visão desta alma ardente,
Que refletes em mim teu brilho ingente,
Lá como sobre o mar o Sol se espelha?
-
O mundo é grane - e esta ânsia me aconselha
A buscar-te na terra: e eu, pobre crente,
Pelo mundo procuro um Deus clemente,
Mas a ara só lhe encontro... nua e velha...
-
Não é mortal o que eu em ti adoro.
Que és tu aqui?  Olhar de piedade,
Gota de mel em taça de venenos...
-
Pura essência das lágrimas que choro
E sonho dos meus sonhos! Se és verdade,
Descobre-te, visão, no céu ao menos!
*
ANTERO DE QUENTAL
"Ignoto Deo"
*
XII
disse ao meu coração: Olha por quantos
Caminhos vãos andamos! Considera
Agora, d'esta altura fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos...
-
Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
E noite, onde foi luz de primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!
-
Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do penar tornado crente,
-
respondeu: D'esta altura vejo o Amor!
viver não foi em vão, se é isto a vida,
Nem foi demais o desengano e a dor.
*
ANTERO DE QUENTAL
"Solemnia Verba"
*
XIII
Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados
Me encheis as noites de agonia e susto!...
-
De que me vale a mim ser puro e justo,
E entre combates sempre renovados
disputar dia a dia à mão dos Fados
Uma parcela do saber augusto,
-
Se a minh'alma há de ver, sobre si fitos,
Sempre esses olhos trágicos, malditos!
Se até dormindo, com angústia imensa,
-
Bem os sinto verter sobre o meu leito,
Uma a uma vertersobre o meu peito
As lágrimas geladas da descrença!
8
ANTERO DE QUENTAL
"Espectros"
*
XIV
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz d'um coração que te apetece,
D'uma alma livre, só a ti submissa.
-
Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.
-
Por ti, na arena trágica, as noções
Buscam a liberdade, entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,
-
Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!
*
ANTERO DE QUENTAL
 "Hino à razão"
*
XV
Nas florestas solenes há o culto
Da eterna, íntima força primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do coração, em seu combate inulto:
-
No espaço constelado passa o vulto
Do inominado Alguém, que os sóis aviva:
Mo mar ouve-se a voz grave e aflitiva
D'um Deus que luta, poderoso e inculto.
-
Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue madida, a revolta,
Como incêndio que um vento bravo atiça,
-
Há mais alta missão, mais alta glória:
O combater, à grande luz da História,
Os combates eternos da Justiça!
*
ANTERO DE QUENTAL 
"Justitia Mater"
*
XVI
Ouve tu, meu cansado coração,
O que te diz a voz da Natureza:
- "Mais te valera, nu e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima soidão,
-
Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel devesa,
do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da Ilusão!
-
Mais valera à tua alma visionária
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,
-
(Sem ver uma só flor, das mil, que amaste)
Com  ódio e raiva e dor... que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!" -
*
ANTERO  DE QUENTAL
"Voz de Outono"

*
(Mais Poemas . . ." NEGRAS CAPAS . . .Poetas de Coimbra"
pág. 195)

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