quarta-feira, 22 de julho de 2009

045 - António Nobre " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


ANTÓNIO NOBRE
António Pereira Nobre
Anto (pseudónimo)
Este pseudónimo foi dado pela professora inglesa
Miss Charlotte.
Nasceu, a 16 de agosto de 1867, signo de leão,
na cidade do Porto, Portugal.
Cursou o primeiro ano de Direito,
na Universidade de Coimbra.
Morou na "Torre de Anto", em Coimbra.
Torre de origem Medieval.
Viveu em Paris.
Integrou o grupo academico " Os Insubmissos"
dirigido por Eugênio de Castro.
Homenagens:
Busto de bronze a António Nobre, escultor João
Machado Filho, 1930.
Em 1997, é lançada uma revista chamada "Anto"
homenagem a António Nobre . . .
Seu corpo , faleceu a 18 de agosto de 1900, Carreiros, Foz do Rio Douro, Portugal.
Estilo Simbolismo
*
CANTOePALAVRAS
Só, 1892; Despedidas, 1902;
Primeiros Versos, 1921; Cartas Inéditas, 1934 . . .
*
I
Falhei na Vida. Zut! Ideias caídos!
Torres por terra! As árvores sem ramos!
Ó meus Amigos! Todos nós falhámos . . .
Nada nos resta. Somos uns perdidos.
-
Choremos, abracemo-nos, unidos!
Que fazer? Porque não nos suicidamos?
Jesus! Jesus! Resignação . . .Formamos
No Mundo, o clautro-pleno dos Vencidos.
-
Troquemos o burel por esta capa!
Ao longe, os sinos místicos da Trapa
Clamam por nós, convidam-nos a entrar:
-
Vamos semear o pão, podar as uvas,
Pegai na enxada, descalçai as luvas,
Tendes bom corpo, Irmãos! Vamos cavar!
*
ANTÓNIO NOBRE
" Sonetos "
*
II
Ó Virgens que passais, ao Sol-poente,
Pelas estradas êrmas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido Lar.
-
Cantai-me, nessa voz onipotente,
O Sol que tomba, aureolado o Mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a Graça, a formosura, o luar!
-
Cantai! cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu Lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas.
-
Que eu vi morrer num sonho, como um ai.
Ó suaves e frescas raparigas,
Adormecei-me nessa voz . . . Cantai!
*
ANTÓNIO NOBRE
" Sonetos "
*
III
Ora isto, senhores, deu-se em Trás-os Montes,
Em terras de Borba, com torres e pontes.
-
Português antigo, do tempo da guerra,
Levou-o o Destino pra longe da terra.
-
Passaram os anos, a Borba voltou,
Que linda menina que, um dia, encontrou!
-
Que linhas fidalgas e que olhos castanhos!
E, um dia, na igreja correram os banhos.
-
Mais tarde, debaixo dum signo mofino,
Pela Lua Nova, nasceu um menino.
-
Ó mães dos Poetas! sorrindo em seu quarto,
Que são virgens antes e depois do parto!
-
Num berço de prata, dormia deitado,
Três moiras vieram dizer-lhe o seu fado.
-
( E abria o menino seus olhos tão doces):
"Serás um Príncipe! mas antes . . . não fôsses".
-
Sucede, no entanto, que o outono veio
E, um dia, ela resolve ir dar um passeio.
-
Calçou as sandálias, toucou-se de flores,
Vestiu-se de Nossa Senhora das Dores:
-
" Vou alí adiante, à Cova, em berlinda,
António, e já volto . . . " E não voltou ainda.
-
Vai o esposo, vendo que ela não voltava,
Vai lá ter com ela, por lá se quedava.
-
Ó homem egrério! de estirpe divina,
De alma de bronze e coração de menina!
-
Em vão corri mundos, não vos encontrei;
Por vales que fôra, por eles voltei.
-
E assim se criou um anjo, o Diabo, o lua;
Aí corre o seu fado! a culpa não é sua!
-
Sempre é agradável ter um filho Virgílio,
Ouvi estes carmes que eu compus no exílio,
-
Ouvi-os vós todos, meus bons portugueses!
Pelo cair das folhas, o melhor dos meses.
-
Mas, tende cautela, não vos faça mal . . .
Que é o livro mais triste que há em PORTUGAL!
*
ANTÓNIO NOBRE
" Memória "
*
IV
Não tarda a sombra, aí, Vai alto o Sete-Estrelo
São horas dela vir. Minha alma, atende!
Que já a Lua, a sentinela, rende
Na esplanada do céu, às portas do Castelo . . .
-
Oiço um rumor: talvez . . . Ei-la, é ela: ao longe, avisto
Seu vulto em flor: postas as mãos no seio,
Com o cabelo separado ao meio,
Todo caído para trás, como o de Cristo!
-
Sorri. Que linda vem, Jesus! Que bem vestida!
Quantas lembranças deste peito arranco!
Foi assim que primeiro a vi, de branco,
Foi nesse traje que ela sempre andou, em vida!
-
Que luz projecta! Que esplendor! Parece dia!
Os galos cantam, anunciando a aurora . . .
Ide deitar-vos que ainda não é a hora,
Dorme teu sono, sossegada, ó cotovia!
-
Mas vós, ó pedras, afaitai-vos, que ela passa!
Silêncio, rouxinóis, eu quero ouvi-la . . .
Terá ainda a mesma voz tranquila?
Ah! ainda é o mesmo o seu andar, cheio de Graça . . .
-
Mas ao passar por mim, como dalgum perigo,
Foge, (Talvez, já tarde . . .) Ó Clara!
Nuvem! Fantasma! Ouve-me! Pára! . . .
E oiço a voz dela num murmúrio:
" Anda comigo . . ."
*
ANTÓNIO NOBRE
" A Sombra "
*
V



Hoje, mais nada tenho que esta
Vida claustral, bacharelática, funesta,
Numa cidade assim, cheirando, essa indecente,
Por toda a parte, desde a ALTA à BAIXA, a lente!
E ao pôr do Sol, no CAIS, contemplando o MONDEGO,
Honestos bacharéis são postos em sossego
E mal a CABRA bala aos Ventos os seus ais,
"Speech" de quarto de hora em palavras iguais,
Os tristes bacharéis recolhem às herdades,
Como na sua aldeia, ao baterem Trindades.
Bem me dizias tu, como que adivinhando
O que isto para mim seria, Manuel, quando
O ano passado, vim contra tua vontade
Matricular-me, aí nessa UNIVERSIDADE:
"Anto não vás . . . " dizias tu. Eu, fraco vim.
Mas, certamente, é natural, não chego ao fim.
Ah quanto fora bem melhor a formatura,
Na Escola Livre da Natureza, Mãe pura!
Que óptimas prelecções as prelecções modernas,
Cheias de observação e verdades eternas,
Que faz diariamente o Prof. Oceano!
Já tinha dado todo o Coração Humano,
Manuel, faltava um ano só para acabar
Meu curso de Psicologia com o Mar.
Porque troquei pela COIMBRA de avelã
Essa Escola sem par, cujo Reitor é Pã?
Talvez . . .preguiça, eu sei . . .A CABRA é a cotovia:
As aulas lá, começam, mal aponta o dia!
-
Era a distância, o além, que me impressionava:
Tinha o mistério do Sol-pôr, duma esperança.
Mas, mal cheguei(que espanto! eu era uma criança)
Tudo rolou no solo! A TASCA DAS CAMELAS
Para mim era um sonho, o céu cheio de estrelas:
Nossa Senhora a dar de cear aos estudantes
Por 6 e 5! Mas ah! foi-se a Virgem dantes
Tia Camela . . . só ficou a camelice.
-
Contudo, em meio desta fútil coimbrice,
Que lindas coisas a lendária COIMBRA encerra!
Que paisagem lunar que é mais doce da Terra!
Que extraordinárias e medievas raparugas!
E o rio? e as fontes? e as fogueiras? e as cantigas?
As cantigas! Que encanto! Uma diz-te respeito,
Manuel, é um sonho, é um beijo, é um amor-perfeito
Onde o luar gelou: "Manuel! tão lindas moças!
Manuel! tão lindas são . . ."
Que pena que não ouças!
-
O que, ainda mais, nesta COIMBRA de salgueiros
Me vale, são os meus alegres companheiros
De casa, Ao pé deles é sempre meio-dia:
Para isso basta entrar o Mário da Anadia.
Até a Morte é branca e a Tristeza vermelha
E riem-se os rasgões desta batina velha!
Conheces o Fernando? a Graça que ele tem!
Dá ainda uns ares de Fr. Gil de Santarém . . .
Pálido e loiro, em si toda uma Holanda canta
Teresa de Jesus vestida de rapaz . . .
Porque não vens, Manuel, ungir-te desta Paz?
-
Vem a COIMBRA. Hás-de gostar, sim, meu Amigo.
Vamos! Dá-me o teu braço e vem dai comigo:
Olha . . .São os GERAIS, no intervalo das aulas.
Bateu o quarto. Vê! Vêm saindo das jaulas
Os ESTUDANTES, sob o olhar pardo dos lentes.
Ao vê-los, quem dirá que são os descendentes
Dos Navegantes do século XVI?
Curvam a espinha, como os áulicos aos Reis!
E magos! tristes! de cabeça derreada!
Ah! como hão-de, amanhã, pegar em uma espada!
- E os DOUTORES? - Aí os tens, graves, à porta.
Porque te ris? Olha-los tanto . . .Que te importa?
Há duas excepções: o mais, são todos um.
Quaresma de Alma, sexta-feira de jejum . . .
Não quero entanto, meu Manuel, que te vás embora
Sem ver aquele amor que a minha alma adora:
Olha acolá. Gigante, altivo como um cedro
Olhando para mim com ternura: é o meu Pedro Penedo! . . . .
*
1888 a 1890
*
ANTÓNIO NOBRE
" Carta a Manuel " (fragmento)
*
VI
Vem entrando a barra a galera " Maria "
Que vem de tão longe, e tão linda que vem!
Toca em terra o sino pra missa do dia,
Em frente, em Santa Maria de Belém!
-
Mareantes trigueiros, no alto dos mastros,
Ai dobram as velas; não são mais precisas!
Ai que lindas eram, às luas e aos astros!
Que doidas, aos ventos! que meigas, às brisas!
-
Desdobra as amarras! apresta a fateixa!
Pois todos em breve a nau vão deixar
Ó terra! que saudade a de quem te deixa;
Ó terra! pela aventura do alto mar!
-
Entra o piloto e abraçam-se estes e aqueles,
Abraçam-se e riem tanto à vontade . . .
Abraços que levam almas dentro deles,
Sorrisos de bocas que falam verdade!
-
Só as entende(capitães, não as sentis)
Quem, algum dia, passou as águas salgadas,
Quem, um dia, as passou numa hora infeliz,
Quem, um dia, as passou, com as frontes curvadas.
-
E " Maria " vai indo pelo tEJO acima,
E cisma Anrique: - Que lindo PORTUGAL! -
Vêm as Ninfas . . . Vai uma dá-lhe uma rima,
Vai outra(gostam dele) e vai faz-lhe um sinal.
-
E Anrique cisma: - Quem te não viu ainda!
Ó minha LISBOA de mármore! LISBOA
De ruínas e de glórias! Tu és linda
Entre as cidades mais lindas, ó LISBOA! -
-
Ó minha LISBOA, com oiros tão constantes
Pelas serras e céus e pelo rio! com seus
Jerônimos dos Poetas e Mareantes!
LISBOA branca de João de Deus!
*
ANTÓNIO NOBRE
" O Regresso de Anrique a Portugal "
Despedidas
*
VII
E a vida foi, e é assim, e não melhora.
Esforço inútil, crê! Tudo é ilusão...
Com uma taça, ou um punhal na mão!
Quantos não cismam nisso mesmo a esta hora?
-
Mas a Arte, o Lar, um filho, António? Embora!
Quimeras, sonhos, bolhas de sabão.
E a tortura do além e quem lá mora!
Isso é, talvez, minha única aflição...
-
Toda a dor pode suporta-se, toda!
Mesmo a da noiva em plena boda,
Que por mortalha leva... essa que traz...
-
Mas uma não: é a dor do pensamento!
Ai quem me dera entrar nesse convento
Que há além da Morte e que se cham a Paz.
*
ANTÓNIO NOBRE
"Paz!"
*
VIII
Tombou da haste a flor da minha infância alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos Céus a pomba enamorada
Que d'antes estendia as asas sobre mim.
-
Julguei que fosse eterna a luz dessa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa visão de luar que vivia encantada,
Num castelo de prata embutido a marfim!
-
Mas, hoje, as pombas de oiro, aves da minha infância,
Que me enchiam de Lua o coração, outrora,
Partiram e no Céu evolam-se, à distância!
-
Debalde clamo e choro, erguendo aos Céus meus ais;
Voltam na asa do Vento os que a alma chora,
Elas, porém, Senhor! elas não voltam mais...
*
ANTÓNIO NOBRE
"Menino e Moço"

( Mais Poemas . . . "Negras Capas . . . Poetas de Coimbra", 195;
"CANTO . . . os cantos", pág. XXXVIII ).
*
POETAS QUE FALAM DE ANTÓNIO NOBRE
*
Manuel Bandeira
*
Tu que penaste tanto e em cujo canto
Há a ingenuidade santa do menino;
Que amaste os choupos, o dobrar do sino,
E cujo pranto faz correr o pranto:
-
Com que magoado olhar, magoado espanto
Revejo em teu destino o meu destino!
Essa dor de tossir bebendo o ar fino,
A esmorecer e desejando tanto . . .
-
Mas tu dormiste em paz como as crianças.
Sorriu a Glória às tuas esperanças
E beijou-te na boca . . .O lindo som!
-
Quem me dará o beijo cobiço?
Foste conde aos vinte anos . . . Eu, nem isso . . .
Eu, não terei a Glória . . . nem fui bom.
*
MANUEL BANDEIRA
"A Antonio Nobre"
A Cinza das Horas
(Mais Poema . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa" pág. 181).
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