Foto "A Maravilhosa Noite de Lua Cheia" LuisD
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MANUEL JOAQUIM RIBEIRO
Nasceu por volta 1780, em Sanhoane, Província
de Trás-os-Montes, Portugal.
Morou no Brasil.
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CANTOePALAVRAS
Obras Poéticas(Vol. 1 e 2), 1806 . . .
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Mais pode o Sol deixar de ser luzente,
E com a noite misturar-se o dia;
Ser a calma, bem como a neve fria,
E ser por natureza o gelo quente:
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Mais pode o mar de ser movente,
E de ser rocha a bruta penedia,
Tornar-se em trevas tudo penedia,
E a mesma terra ser resplandecente:
-
Mais pode o mundo em nada ser desfeito
A matéria perder a gravidade,
Deixar o fogo de queimar o efeito:
-
Mais pode, enfim, ser sombra a claridade,
Que eu deixar de sentir no terno peito
O golpe que me fere da saudade.
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MANUEL JOAQUIM RIBEIRO
"Sem título"
Obras Poéticas
"O Golpe que me fere da Saudade"
JÚLIO BRANDÃO
Júlio de Sousa Brandão
Nasceu a 09 de agosto de 1869, signo de leão.
Vila Nova de Famalicão, perto da cidade do Porto, Portugal.
Escritor, poeta, jornalista.
Homenagens: instítuido o Prémio de Literatura "Júlio Brandão",
um dos laureados foi Luis Serguilha, 2000 . . .
Biblioteca "Júlio Brandão", Portugal.
Estilo Simbolista.
Faleceu em 1947.
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CANTOePALAVRAS
Livro de Aglais, 1892; Saudades, 1893; O Jardim
da Morte, 1898; Mistério da Rosa, 1898;
Nuvem de Oiro, 1912; Cantares, 1920;Farmácia Pires(prosa);
Maria do Céu(prosa); Perfis Suaves(prosa); O Moço Frade
dos Mitos(conto); O Sonho de Capucho( conto);
Mendigo(conto); Por Causa de um Cravo Branco;
Figuras de Barro(prosa) . . .
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I
A chuva, caindo, encerra
Uma carícia de amor.
E logo murmura a terra:
"Água amorosa, água santa,
Mãe da Flor!"
-
E a chuva, caindo, canta:
"Ó bem amadas sementes,
Despertai!
Corações ainda dormentes,
Eu sou a chuva, acordai!"
-
E quando o Sol vai fulgindo,
Lenta, a chuva vai caindo:
Cabelo que se desata
Em fios de oiro e de prata,
Tam lindo!
-
E a bôa terra sequiosa
Murmura com devoção:
"Filha do céu amorosa,
Mãe do pão!"
-
E a chuva vai se entranhando
Na terra, sempre cantando . . .
E o lavrador na soleira
Da casa, vendo-a cair,
Tem no peito a sementeira
Toda a florir! . . .
-
Cantando desce da altura
A chuva a matar a fome:
-
Chuva de amor e fartura,
Bemdito seja o teu nome!
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JÚLIO BRANDÃO
"Chuva"
Nuvem de Oiro
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II
Pintor, toma a paleta e as tintas. Corre
Ver como é lindo o agosto nesta aldeia,
Onde o Sol é romântico, e incendeia
De mosto e de oiro as serras, quando morre.
-
E as árvores! Ao vê-las, logo ocorre
Que a terra é nossa mãe. Cada uma cheia
De frutos! Como a árvore socorre
Os que teem filhos, sem ter pão p'ra ceia!
-
Mas se tentas pintar-me esta devesa
Tal qual ela sorri, cheia de vida,
E onde as aves se escondem a cantar,
-
Mais bela ela será na natureza . . .
Pinta, mas duma forma comovida:
Traze contigo amor, para pintar!
*
JÚLIO BRANDÃO
''A Um Pintor"
Nuvem de Oiro
*
III
Olhos mais lindos? Quem há-de
Tê-los, se toda a beleza,
Ou seja aurora ou saudade,
Áquele olhar anda prêsa!
. . . E fazem tanta saudade!
-
Ah! quantas vezes, ao vê-las,
Essas pupilas mimosas,
Eu cuido que são estrêlas
Com frescura das rosas . . .
- Nem no céu há assim estrêlas!
-
Eu só peço com carinho
Áquele olhar meigo e puro:
Alumia-me o caminho,
Que, sem ti, é todo escuro . . .
_ Que longo e triste caminho!
-
E com teu brilho, querendo,
Tudo fica alumiado.
Como o Sol, se vai nascendo,
Deixa o céu todo doirado . . .
- Ou quando o amor vem nascendo! . . .
*
JÚLIO BRANDÃO
"XXXI"
Folhas ao Vento
Nuvem de oiro
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IV
Em pequeno, a escutar-te, evoquei misteriosas
Histórias infantis, uma chuva de rosas
Que se esfolhavam na minha alma . . .(O luar, mais brando,
Enchia o céu de amor, e a fonte ia contando . . .)
Eram fulvos heróis e moiras encantadas,
Pobrezinhos, que vão a pedir nas estradas
Com barbas a ondular, e cajados, sacolas,
E o pão que se lhes dava e as nossas esmolas,
Como em Santa Isabel, transformavam-se em flores . . .
era a lenda sem fim de beleza e fulgores,
A apoteose da humildade e da virtude,
Que a fonte me contava em sua voz de alaúde,
Sob o céu a estrelar-se, - emquanto uma fragância
De cravos, embalava a minha linda infância . . .
-
Depois, ao pé de minha Mãe, ambos sentados
Junto da fonte, como ingénuos namorados,
Emquanto eu fui crescendo, a fonte foi contando
Como a estrada da vida é para andar penando!
Depois . . . o vendaval tempestuoso e rude
Desfolhou-me ilusões e rosas; a saúde
Fugiu do nosso lar; as árvores secaram;
Nunca mais, junto à fonte, os rouxinóis cantaram . . .
A alegria vestiu de viúvez e luto,
Cada olhar que eu amei nunca mais foi enxuto
De lágrimas de dor . . .
-
Eu parti do meu lar!
E a fonte, desde então, começou a chorar! . . .
-
Fonte de amores e de lágrimas perdidas,
Ainda escuto de longe as vozes doloridas
Da tua água gemente, ó fonte da Saudade,
Que ficaste a carpir na minha velha herdade
Os bandos aurorais de sonhos que fugiram,
Os castelos de amor que os olhos nunca viram,
A graça de quem traz, em meio da procela,
Um coração fulgente e simples de novela! . . .
Quando para o passado às vezes me debruço,
Oiço ainda a tua voz, escuto o teu soluço!
Na fonte do meu horto a água límpida canta
Como um poeta, que traz um sonho na garganta,
A cantar, a cantar, e sem enrouquecer!
Ó fonte do meu horto, ensina-me a sofrer,
E a carpir docemente as minhas elegias;
E emquanto vejo voar todas as alegrias
Como um bando a emigrar e a procurar beleza,
ensina-me a cantar, ó fonte de tristeza! . . .
*
JÚLIO BRANDÃO
"A Uma Fonte"
Nuvem de Oiro
*
V
As guitarras vão ao longe
Soluçando, à luz do luar.
(Quem inventou a guitarra
De-certo andou no alto mar . . .)
-
Violões dizem tristezas,
Bandolins dizem amores;
A guitarra, essa tem lágrimas . . .
Velhas grinaldas de flores.
-
Choram as águas do rio,
Choram as ondas do mar,
Chora o vento, as fontes choram . . .
Porque não hei-de eu chorar?!
-
A tua casa morena,
Não é como as outras casas;
Quando entro a tua porta,
Parece que tenho asas.
-
Tu deste-me um cravo roixo
Na noite de São João:
Depois desse cravo roixo
É que eu trago esta paixão.
-
Ó fogueiras, ó cantigas,
Alegria que passou!
Já não há cravos nem rosas,
Mas a saudade ficou!
-
Ai, as amoras das silvas
São pretas e sabem bem:
São assim mesmo os teus olhos
Nas silvas do teu desdêm . . .
-
Eu li os sábios do mundo
Que nos falarem de Amor;
Mas nenhum dêles sabia
Como eu te amei, triste flor! . . .
-
Nenhum dêles! Se o soubera,
Talvez mandasse rasgar
Tudo aquilo que escrevera
Comentando o verbo amar . . .
-
Ó história meiga e triste,
Quem te pudera contar!
Nasces numa rosa branca,
Morres nas águas do mar . . .
-
Ó tranças longas, sagradas,
Sois serpentes e grilhões,
Onde morrem enforcadas
As minhas recordações!
-
Quando eu morrer, se uma lágrima
Tremer na face esvaída,
Saibam vocês que essa lágrima
É toda a essência da vida . . .
-
Vão levá-la de presente
Para brilhar angustiada,
Como uma estrêla cadente
No seio da minha amada . . .
-
Ó poeta altivo e forte,
Que altivez é a tua agora,
Que andas a rondar a Morte
Com uma guitarra que chora!
-
Ao nascer da lua nova
(É quando irei a enterrar)
Oh! vem-me pisar a cova . . .
Para eu ressuscitar!
-
Hei-de pôr num copo de oiro
Este amor desfeito em pranto;
Quem beber do copo de oiro
De-certo que fica santo.
*
JÚLIO BRANDÃO
"Cantares"
Nuvem de Oiro
▬
Vida no Campo,"Mulher colhendo cebolas", Portugal
▬
SILVA TAVARES
José Silva Tavares
Nasceu em 24 de junho de 1893, signo de cancer.
Estremoz, província do Alentejo, Portugal.
Poeta, jornalista, compositor de fados . . .
Letra do Fado "Que Deus me Perdoe",
cantado por Amália Rodrigues
Faleceu 03 de junho de 1964.
*
CANTOePALAVRAS
Nuvens, 1913; Luz Poeirenta, 1916;
Poemas do Olympio, 1917; Claustro, 1918;
Trincheiras de Portugal; Serões Alentejanos, 1920;
Parabola da Anunciação, 1923; Mais Cantigas, 1924;
Varões e . . . lustres, 1925; Rosario de Rimas;
Quem Canta; Vasco da Gama(teatro, 4 atos), 1922;
Consumatum est(teatro), 1925, Bailya d'Amor,1933;
Antiquário, 1936; Um Homem de Sorte, 1936;
Roteiro da Mocidade do Império, 1938; O Norte e o 25 de
Novembro; Fruta do Tempo, 1930; Cartilha do Legionário;
Cantigas que já cantei . . .
*
I
O Sol ergue-se ha um instante
e poz-se á janela aberta
co ceu com olhos d'amante
vendo a terra, que desperta.
-
Das aves, rompe o flamante
cantar, - que se não concerta
com a luz vaga e distante
da lua, - que voga incerta . . .
-
A velhinha, em pé á porta,
segue-os, com a vista cançada . . .
-Sol que nasce, lua morta!
-
E á volta a scena refaz-se:
A velhinha. eles na estrada,
Sol morto, - lua que nasce.
*
SILVA TAVARES
"Na Aldeia"
Trincheiras de Portugal
*
II
Se a minha alma fechada
Se pudesse mostrar
E o que eu sofro calada
Se pudesse contar,
Toda a gente veria
Quanto sou desgraçada
Quanto finjo alegria
Quanto choro a cantar . . .
Que Deus me perdeoe
Se é crime ou pecado
Mas eu sou assim
E fugindo ao fado,
Fugia de mim.
-
Cantando dou brado
E nada me dói
Se é pois um pecado
Ter amor ao fado
Que Deus me perdoe.
quanto canto não penso
no que a vida é de má
Nem sequer me pertenço,
Nem o mal se me dá
Chego a querer a verdade
E a sonhar - sonho imenso -
Que tudo é felicidade
E tristeza não há.
*
SILVA TAVARES
"Que Deus me Perdoe"
Fado
Letra de Silva Tavares
Música Frederico Valério
Interpretação de Amália Rodrigues ou Mariza
▬
NOGUEIRA LIMA
Nasceu no seculo XIX, Portugal.
*
CANTOePALAVRAS
Revista "Grinalda"
*
Risonhas creanças d'outr'ora,
meiga luz que raiar vi . . .
Bemfazeja - grata aurora
da vida, tudo perdi.
-
Do penar funereo manto
enluctou-me o coração;
eis-me aqui n'um mar de pranto,
procurando uma ilusão.
-
Despenhou-se-me a esp'rança
da altura do meu pensar;
depois . . . veio-me a lembrança
do que fui - do meu sonhar!
-
Vi então que esse martyrio
que imprimia acerba dôr,
era a chamma do delírio
a crestar-me a "ultima flôr".
-
Agora tenho a saudade,
Verde . . . verde que mais não !
que o soffrer com suavidade
me gravou no coração.
-
Mas quem sabe se inda um dia
da lava ardente o calôr,
virá dar-me a sorte impía
que da esperança teve a flôr.
-
E quem sabe se propício
deixarei de a alimentar!
embora pois . . . que no exício
não a deveo abandonar.
-
Quando a "filha d'amizade"
quase murcha . . . sem verdor,
precisar d'amenidade
p'ra nutrir a fórma - a côr,
-
Hei-de á sombra d0s teus louros
o remanso procurar;
colhendo novos thesouros
minhas penas minorar.
*
NOGUEIRA LIMA
"Última Flôr"
Grinalda(Revista)
▬
VERGÍLIO FERREIRA
Vergílio António Ferreira
Nasceu a 28 de janeiro de 1916, signo de aquário.
Melo, Gouveia(Serra da Estrela), Portugal . . .
Escritor, tradutor, professor . . .
Licenciou-se em "Filologia Germânica", Faculdade de
Letras, Universidade de Coimbra, 1940 . . .
Faleceu em 01 de março de 1996.
Homenagens: Prémio "Camilo Castelo Branco", Sociedade
Portuguesa de Escritores, 1959; Prémio "Camões", 1992.
Foi instituido o Prémio "Vergilio Ferreira", Gouveia, Portugal . . .
*
CANTOePALAVRAS
O Caminho Fica Longe(romance), 1943; Sobre o
Humorismo de Eça de Queiroz(ensaio), 1943;
Onde tudo foi Morrendo(romance), 1944; Vagão "J"
(romance), 1946; Mudança(romance), 1949;
A Face Sangrenta(romance), 1953; Manhã Submersa
(romance), 1954; Do Mundo Original(ensaio), 1957;
Carta ao Futuro(ensaio), 1958; Aparição(romance), 1959;
Cântico Final(romance), 1960; Estrela Polar(romance),
1962; Da Fenomenologia a Sartre(ensaio), 1962;
Apelo da Noite(romance), 1963; Espaço do Invisivel I
(ensaio), 1965; Invocação ao meu Corpo(ensaio), 1969;
Apenas Homens(contos), 1972; Rápida a Sombra(romance),
1974; Espaço do Invisivel II(ensaio), 1976; Espaço
do Invisivel III(ensaio), 1978 . . .
*
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
No regresso das longas jornadas, Pedro trazia, das
cidades populosas, da desgraça dos povoados ser-
tanejos, um sabor amargo de lutas desconhecidas. Um
surdo rumor de vozes de sombra começava a turvar-lhe
a própria voz. Carlos, porém, regressava de Coimbra,
grosseiro, turbulento. Mas, frente à frieza risonha do
irmão, dobrava, ao ponto às vezes de quebrar. Era então
possível estenderem ambos longas conversas pela soli-
dão das noites de Inverno, ou na calma das noites de
Verão. Um dia, Pedro lembrou-se de desenterrar as raí-
zes podres das contradições do pai:
- Veja você . . .
Porque Pedro nunca tratara o irmão por "tu". Com-
plexo de inferioridade, pensava Carlos. Que diabo, eram
irmãos, sustentados à mesma mesa. Mas aquele tipo fora
sempre somítico de afeição. Calado, olho miúdo,
observando, na retranca. O velho chegara a irritar-se
-"são irmãos, tratem-se por tu" -, até porque Pedro
era o mais velho.
- Veja você, aqui para nós, aquelas rezas, aquela
coisa . . . Está bem, tem coração. Mas aqui para nós.
- Vá lá bugiar! Parece parvo.
Juízos de bastardo. Para o inferno a discussão, dis-
cutir era aceitar, em parte ao menos, a verdade dos
outros. O pai era homem, Carlos acolhia-o inteiro na
sua grandeza e miséria - está bem, chamemos-lhe mi-
séria. A vida era ssim mesmo. Havia as convenções,
o instinto, as forças sem porquê.
- Porque é que tiras o chapéu, quando compri-
mentas? Porque é que pões gravata?
Discutir a vida, palavra de honra, enfim, bastardice.
A razão servia a vida, cozinhava-lhe o comer, lavava-lhe
a roupa, não metia o nariz nos seus negócios. Ponham-
me a ferros essa prostituta, ponham-lhe uma coleira,
não me amolem, por favor!
- Aceito a vida, aceito o pai na sua inteira ver-
dade.
Rezar e ser "devasso" era uma maravilha das for-
ças naturais. Está bem, digam que é tudo o medo, mas
aí mesmo, a secreta beleza do mistério da vida, sem a
sabujice do raciocínio rasteiro.
Ah, e, no entanto, um terror frio ia-lhe desencora-
jando o entusiasmo: a crise estava aí a pedir explica-
ções. Num frémito de angústia, Carlos adivinhava que
qualquer coisa ia ruir na harmonia perfeita da vida. Um
ódio desvairado tirava-lhe, em arrancos, o último alento
de senhor do mundo. Uma noite de ameaças erguia-lhe
à roda um destino de solidão. - A crise alastrava.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
VERGÍLIO FERREIRA
"Capítulo 4"
Mudança
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