terça-feira, 14 de julho de 2009

049 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "




Foto "A Maravilhosa Noite de Lua Cheia" LuisD
*
MANUEL JOAQUIM RIBEIRO
Nasceu por volta 1780, em Sanhoane, Província
de Trás-os-Montes, Portugal.
Morou no Brasil.
*
CANTOePALAVRAS
Obras Poéticas(Vol. 1 e 2), 1806 . . .
*
Mais pode o Sol deixar de ser luzente,
E com a noite misturar-se o dia;
Ser a calma, bem como a neve fria,
E ser por natureza o gelo quente:
-
Mais pode o mar de ser movente,
E de ser rocha a bruta penedia,
Tornar-se em trevas tudo penedia,
E a mesma terra ser resplandecente:
-
Mais pode o mundo em nada ser desfeito
A matéria perder a gravidade,
Deixar o fogo de queimar o efeito:
-
Mais pode, enfim, ser sombra a claridade,
Que eu deixar de sentir no terno peito
O golpe que me fere da saudade.
*
MANUEL JOAQUIM RIBEIRO
"Sem título"
Obras Poéticas

"O Golpe que me fere da Saudade"
JÚLIO BRANDÃO
Júlio de Sousa Brandão
Nasceu a 09 de agosto de 1869, signo de leão.
Vila Nova de Famalicão, perto da cidade do Porto, Portugal.
Escritor, poeta, jornalista.
Homenagens: instítuido o Prémio de Literatura "Júlio Brandão",
um dos laureados foi Luis Serguilha, 2000 . . .
Biblioteca "Júlio Brandão", Portugal.
Estilo Simbolista.
Faleceu em 1947.
*
CANTOePALAVRAS
Livro de Aglais, 1892; Saudades, 1893; O Jardim
da Morte, 1898; Mistério da Rosa, 1898;
Nuvem de Oiro, 1912; Cantares, 1920;Farmácia Pires(prosa);
Maria do Céu(prosa); Perfis Suaves(prosa); O Moço Frade
dos Mitos(conto); O Sonho de Capucho( conto);
Mendigo(conto); Por Causa de um Cravo Branco;
Figuras de Barro(prosa) . . .
*
I
A chuva, caindo, encerra
Uma carícia de amor.
E logo murmura a terra:
"Água amorosa, água santa,
Mãe da Flor!"
-
E a chuva, caindo, canta:
"Ó bem amadas sementes,
Despertai!
Corações ainda dormentes,
Eu sou a chuva, acordai!"
-
E quando o Sol vai fulgindo,
Lenta, a chuva vai caindo:
Cabelo que se desata
Em fios de oiro e de prata,
Tam lindo!
-
E a bôa terra sequiosa
Murmura com devoção:
"Filha do céu amorosa,
Mãe do pão!"
-
E a chuva vai se entranhando
Na terra, sempre cantando . . .
E o lavrador na soleira
Da casa, vendo-a cair,
Tem no peito a sementeira
Toda a florir! . . .
-
Cantando desce da altura
A chuva a matar a fome:
-
Chuva de amor e fartura,
Bemdito seja o teu nome!
*
JÚLIO BRANDÃO
"Chuva"
Nuvem de Oiro
*
II
Pintor, toma a paleta e as tintas. Corre
Ver como é lindo o agosto nesta aldeia,
Onde o Sol é romântico, e incendeia
De mosto e de oiro as serras, quando morre.
-
E as árvores! Ao vê-las, logo ocorre
Que a terra é nossa mãe. Cada uma cheia
De frutos! Como a árvore socorre
Os que teem filhos, sem ter pão p'ra ceia!
-
Mas se tentas pintar-me esta devesa
Tal qual ela sorri, cheia de vida,
E onde as aves se escondem a cantar,
-
Mais bela ela será na natureza . . .
Pinta, mas duma forma comovida:
Traze contigo amor, para pintar!
*
JÚLIO BRANDÃO
''A Um Pintor"
Nuvem de Oiro
*
III
Olhos mais lindos? Quem há-de
Tê-los, se toda a beleza,
Ou seja aurora ou saudade,
Áquele olhar anda prêsa!
. . . E fazem tanta saudade!
-
Ah! quantas vezes, ao vê-las,
Essas pupilas mimosas,
Eu cuido que são estrêlas
Com frescura das rosas . . .
- Nem no céu há assim estrêlas!
-
Eu só peço com carinho
Áquele olhar meigo e puro:
Alumia-me o caminho,
Que, sem ti, é todo escuro . . .
_ Que longo e triste caminho!
-
E com teu brilho, querendo,
Tudo fica alumiado.
Como o Sol, se vai nascendo,
Deixa o céu todo doirado . . .
- Ou quando o amor vem nascendo! . . .
*
JÚLIO BRANDÃO
"XXXI"
Folhas ao Vento
Nuvem de oiro
*
IV
Em pequeno, a escutar-te, evoquei misteriosas
Histórias infantis, uma chuva de rosas
Que se esfolhavam na minha alma . . .(O luar, mais brando,
Enchia o céu de amor, e a fonte ia contando . . .)
Eram fulvos heróis e moiras encantadas,
Pobrezinhos, que vão a pedir nas estradas
Com barbas a ondular, e cajados, sacolas,
E o pão que se lhes dava e as nossas esmolas,
Como em Santa Isabel, transformavam-se em flores . . .
era a lenda sem fim de beleza e fulgores,
A apoteose da humildade e da virtude,
Que a fonte me contava em sua voz de alaúde,
Sob o céu a estrelar-se, - emquanto uma fragância
De cravos, embalava a minha linda infância . . .
-
Depois, ao pé de minha Mãe, ambos sentados
Junto da fonte, como ingénuos namorados,
Emquanto eu fui crescendo, a fonte foi contando
Como a estrada da vida é para andar penando!
Depois . . . o vendaval tempestuoso e rude
Desfolhou-me ilusões e rosas; a saúde
Fugiu do nosso lar; as árvores secaram;
Nunca mais, junto à fonte, os rouxinóis cantaram . . .
A alegria vestiu de viúvez e luto,
Cada olhar que eu amei nunca mais foi enxuto
De lágrimas de dor . . .
-
Eu parti do meu lar!
E a fonte, desde então, começou a chorar! . . .
-
Fonte de amores e de lágrimas perdidas,
Ainda escuto de longe as vozes doloridas
Da tua água gemente, ó fonte da Saudade,
Que ficaste a carpir na minha velha herdade
Os bandos aurorais de sonhos que fugiram,
Os castelos de amor que os olhos nunca viram,
A graça de quem traz, em meio da procela,
Um coração fulgente e simples de novela! . . .
Quando para o passado às vezes me debruço,
Oiço ainda a tua voz, escuto o teu soluço!
Na fonte do meu horto a água límpida canta
Como um poeta, que traz um sonho na garganta,
A cantar, a cantar, e sem enrouquecer!
Ó fonte do meu horto, ensina-me a sofrer,
E a carpir docemente as minhas elegias;
E emquanto vejo voar todas as alegrias
Como um bando a emigrar e a procurar beleza,
ensina-me a cantar, ó fonte de tristeza! . . .
*
JÚLIO BRANDÃO
"A Uma Fonte"
Nuvem de Oiro
*
V
As guitarras vão ao longe
Soluçando, à luz do luar.
(Quem inventou a guitarra
De-certo andou no alto mar . . .)
-
Violões dizem tristezas,
Bandolins dizem amores;
A guitarra, essa tem lágrimas . . .
Velhas grinaldas de flores.
-
Choram as águas do rio,
Choram as ondas do mar,
Chora o vento, as fontes choram . . .
Porque não hei-de eu chorar?!
-
A tua casa morena,
Não é como as outras casas;
Quando entro a tua porta,
Parece que tenho asas.
-
Tu deste-me um cravo roixo
Na noite de São João:
Depois desse cravo roixo
É que eu trago esta paixão.
-
Ó fogueiras, ó cantigas,
Alegria que passou!
Já não há cravos nem rosas,
Mas a saudade ficou!
-
Ai, as amoras das silvas
São pretas e sabem bem:
São assim mesmo os teus olhos
Nas silvas do teu desdêm . . .
-
Eu li os sábios do mundo
Que nos falarem de Amor;
Mas nenhum dêles sabia
Como eu te amei, triste flor! . . .
-
Nenhum dêles! Se o soubera,
Talvez mandasse rasgar
Tudo aquilo que escrevera
Comentando o verbo amar . . .
-
Ó história meiga e triste,
Quem te pudera contar!
Nasces numa rosa branca,
Morres nas águas do mar . . .
-
Ó tranças longas, sagradas,
Sois serpentes e grilhões,
Onde morrem enforcadas
As minhas recordações!
-
Quando eu morrer, se uma lágrima
Tremer na face esvaída,
Saibam vocês que essa lágrima
É toda a essência da vida . . .
-
Vão levá-la de presente
Para brilhar angustiada,
Como uma estrêla cadente
No seio da minha amada . . .
-
Ó poeta altivo e forte,
Que altivez é a tua agora,
Que andas a rondar a Morte
Com uma guitarra que chora!
-
Ao nascer da lua nova
(É quando irei a enterrar)
Oh! vem-me pisar a cova . . .
Para eu ressuscitar!
-
Hei-de pôr num copo de oiro
Este amor desfeito em pranto;
Quem beber do copo de oiro
De-certo que fica santo.
*
JÚLIO BRANDÃO
"Cantares"
Nuvem de Oiro
Vida no Campo,"Mulher colhendo cebolas", Portugal
SILVA TAVARES
José Silva Tavares
Nasceu em 24 de junho de 1893, signo de cancer.
Estremoz, província do Alentejo, Portugal.
Poeta, jornalista, compositor de fados . . .
Letra do Fado "Que Deus me Perdoe",
cantado por Amália Rodrigues
Faleceu 03 de junho de 1964.
*
CANTOePALAVRAS
Nuvens, 1913; Luz Poeirenta, 1916;
Poemas do Olympio, 1917; Claustro, 1918;
Trincheiras de Portugal; Serões Alentejanos, 1920;
Parabola da Anunciação, 1923; Mais Cantigas, 1924;
Varões e . . . lustres, 1925; Rosario de Rimas;
Quem Canta; Vasco da Gama(teatro, 4 atos), 1922;
Consumatum est(teatro), 1925, Bailya d'Amor,1933;
Antiquário, 1936; Um Homem de Sorte, 1936;
Roteiro da Mocidade do Império, 1938; O Norte e o 25 de
Novembro; Fruta do Tempo, 1930; Cartilha do Legionário;
Cantigas que já cantei . . .
*
I
O Sol ergue-se ha um instante
e poz-se á janela aberta
co ceu com olhos d'amante
vendo a terra, que desperta.
-
Das aves, rompe o flamante
cantar, - que se não concerta
com a luz vaga e distante
da lua, - que voga incerta . . .
-
A velhinha, em pé á porta,
segue-os, com a vista cançada . . .
-Sol que nasce, lua morta!
-
E á volta a scena refaz-se:
A velhinha. eles na estrada,
Sol morto, - lua que nasce.
*
SILVA TAVARES
"Na Aldeia"
Trincheiras de Portugal
*
II
Se a minha alma fechada
Se pudesse mostrar
E o que eu sofro calada
Se pudesse contar,
Toda a gente veria
Quanto sou desgraçada
Quanto finjo alegria
Quanto choro a cantar . . .
Que Deus me perdeoe
Se é crime ou pecado
Mas eu sou assim
E fugindo ao fado,
Fugia de mim.
-
Cantando dou brado
E nada me dói
Se é pois um pecado
Ter amor ao fado
Que Deus me perdoe.
quanto canto não penso
no que a vida é de má
Nem sequer me pertenço,
Nem o mal se me dá
Chego a querer a verdade
E a sonhar - sonho imenso -
Que tudo é felicidade
E tristeza não há.
*
SILVA TAVARES
"Que Deus me Perdoe"
Fado
Letra de Silva Tavares
Música Frederico Valério
Interpretação de Amália Rodrigues ou Mariza
NOGUEIRA LIMA
Nasceu no seculo XIX, Portugal.
*
CANTOePALAVRAS
Revista "Grinalda"
*
Risonhas creanças d'outr'ora,
meiga luz que raiar vi . . .
Bemfazeja - grata aurora
da vida, tudo perdi.
-
Do penar funereo manto
enluctou-me o coração;
eis-me aqui n'um mar de pranto,
procurando uma ilusão.
-
Despenhou-se-me a esp'rança
da altura do meu pensar;
depois . . . veio-me a lembrança
do que fui - do meu sonhar!
-
Vi então que esse martyrio
que imprimia acerba dôr,
era a chamma do delírio
a crestar-me a "ultima flôr".
-
Agora tenho a saudade,
Verde . . . verde que mais não !
que o soffrer com suavidade
me gravou no coração.
-
Mas quem sabe se inda um dia
da lava ardente o calôr,
virá dar-me a sorte impía
que da esperança teve a flôr.
-
E quem sabe se propício
deixarei de a alimentar!
embora pois . . . que no exício
não a deveo abandonar.
-
Quando a "filha d'amizade"
quase murcha . . . sem verdor,
precisar d'amenidade
p'ra nutrir a fórma - a côr,
-
Hei-de á sombra d0s teus louros
o remanso procurar;
colhendo novos thesouros
minhas penas minorar.
*
NOGUEIRA LIMA
"Última Flôr"
Grinalda(Revista)
VERGÍLIO FERREIRA
Vergílio António Ferreira
Nasceu a 28 de janeiro de 1916, signo de aquário.
Melo, Gouveia(Serra da Estrela), Portugal . . .
Escritor, tradutor, professor . . .
Licenciou-se em "Filologia Germânica", Faculdade de
Letras, Universidade de Coimbra, 1940 . . .
Faleceu em 01 de março de 1996.
Homenagens: Prémio "Camilo Castelo Branco", Sociedade
Portuguesa de Escritores, 1959; Prémio "Camões", 1992.
Foi instituido o Prémio "Vergilio Ferreira", Gouveia, Portugal . . .
*
CANTOePALAVRAS
O Caminho Fica Longe(romance), 1943; Sobre o
Humorismo de Eça de Queiroz(ensaio), 1943;
Onde tudo foi Morrendo(romance), 1944; Vagão "J"
(romance), 1946; Mudança(romance), 1949;
A Face Sangrenta(romance), 1953; Manhã Submersa
(romance), 1954; Do Mundo Original(ensaio), 1957;
Carta ao Futuro(ensaio), 1958; Aparição(romance), 1959;
Cântico Final(romance), 1960; Estrela Polar(romance),
1962; Da Fenomenologia a Sartre(ensaio), 1962;
Apelo da Noite(romance), 1963; Espaço do Invisivel I
(ensaio), 1965; Invocação ao meu Corpo(ensaio), 1969;
Apenas Homens(contos), 1972; Rápida a Sombra(romance),
1974; Espaço do Invisivel II(ensaio), 1976; Espaço
do Invisivel III(ensaio), 1978 . . .
*
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
No regresso das longas jornadas, Pedro trazia, das
cidades populosas, da desgraça dos povoados ser-
tanejos, um sabor amargo de lutas desconhecidas. Um
surdo rumor de vozes de sombra começava a turvar-lhe
a própria voz. Carlos, porém, regressava de Coimbra,
grosseiro, turbulento. Mas, frente à frieza risonha do
irmão, dobrava, ao ponto às vezes de quebrar. Era então
possível estenderem ambos longas conversas pela soli-
dão das noites de Inverno, ou na calma das noites de
Verão. Um dia, Pedro lembrou-se de desenterrar as raí-
zes podres das contradições do pai:
- Veja você . . .
Porque Pedro nunca tratara o irmão por "tu". Com-
plexo de inferioridade, pensava Carlos. Que diabo, eram
irmãos, sustentados à mesma mesa. Mas aquele tipo fora
sempre somítico de afeição. Calado, olho miúdo,
observando, na retranca. O velho chegara a irritar-se
-"são irmãos, tratem-se por tu" -, até porque Pedro
era o mais velho.
- Veja você, aqui para nós, aquelas rezas, aquela
coisa . . . Está bem, tem coração. Mas aqui para nós.
- Vá lá bugiar! Parece parvo.
Juízos de bastardo. Para o inferno a discussão, dis-
cutir era aceitar, em parte ao menos, a verdade dos
outros. O pai era homem, Carlos acolhia-o inteiro na
sua grandeza e miséria - está bem, chamemos-lhe mi-
séria. A vida era ssim mesmo. Havia as convenções,
o instinto, as forças sem porquê.
- Porque é que tiras o chapéu, quando compri-
mentas? Porque é que pões gravata?
Discutir a vida, palavra de honra, enfim, bastardice.
A razão servia a vida, cozinhava-lhe o comer, lavava-lhe
a roupa, não metia o nariz nos seus negócios. Ponham-
me a ferros essa prostituta, ponham-lhe uma coleira,
não me amolem, por favor!
- Aceito a vida, aceito o pai na sua inteira ver-
dade.
Rezar e ser "devasso" era uma maravilha das for-
ças naturais. Está bem, digam que é tudo o medo, mas
aí mesmo, a secreta beleza do mistério da vida, sem a
sabujice do raciocínio rasteiro.
Ah, e, no entanto, um terror frio ia-lhe desencora-
jando o entusiasmo: a crise estava aí a pedir explica-
ções. Num frémito de angústia, Carlos adivinhava que
qualquer coisa ia ruir na harmonia perfeita da vida. Um
ódio desvairado tirava-lhe, em arrancos, o último alento
de senhor do mundo. Uma noite de ameaças erguia-lhe
à roda um destino de solidão. - A crise alastrava.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
VERGÍLIO FERREIRA
"Capítulo 4"
Mudança

Nenhum comentário: