quarta-feira, 5 de agosto de 2009

035 - Florbela Espanca " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

FLORBELA ESPANCA
Florbela de Alma da Conceição Espanca
Nasceu a 08 de dezembro de 1894, signo de sagitário,
Vila Viçosa, Província de Alentejo, Portugal.
Faculdade de Direito em Lisboa, Portugal, 1919 . . .
Faleceu em 1930, Matosinhos, Portugal.
*
CANTOePALAVRAS
Trocando Olhares, 1917; Livro de Mágoas, 1919;
Livro de Sóror Saudade, 1923; Cartas, 1931;
As Máscaras do Destino(conto), 1931;
O Dominó Preto, 1931; Charneca em Flor, 1931;
Reliquiae, 1931 . . .
...O Livro d'Ele, 33 poemas extraídos de Trocando Olhares, 
que foi publicado após morte...
*
I
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
sou a crucificada . . . a dolorida . . .
-
Sombra de névoa tênue e esvaecida.
e que o destino amargo, triste e forte,
impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!
-
Sou aquela que passa a ninguém vê . . .
sou a que chamam triste sem o ser . . .
sou a que chora sem saber por quê . . .
-
Sou talvez a visão que alguém sonhou,
alguém que veio ao mundo pra me ver
e que nunca na vida me encontrou!
*
FLORBELA ESPANCA
" Eu "
Livro de Mágoas
*
II
Só Schumann, meu Amor! Serenidade . . .
Não assustes os sonhos . . . Ah, não varras
As quimeras . . . Amor, senão esbarras
Na minha vaga imaterialidade . . .
-
Lizst, agora, o brilhante; o piano arde . . .
Beijos alados . . . ecos de fanfarras . . .
Pétalas dos teus dedos feitos garras . . .
Como cai em pó de oiro o ar da tarde!
-
Eu olhava para ti . . ." é lindo! Ideal! "
Gemeram nossas vozes confundidas.
- Havia rosas cor-de rosa aos molhos -
-
Falavas de Liszt e eu . . .da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cílios sobre os olhos . . .
*
FLORBELA ESPANCA
" Tarde de Música "
Reliquiae
Sobre música Clássica
*
III
Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
-
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
-
É ter fome, é ter sede do Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim . . .
É condensar o mundo num só grito!
-
E é amar-te, assim, perdidamente . . .
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
*
FLORBELA ESPANCA
" Ser Poeta "
Charneca em Flor
*
IV
Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
que são poetas também.
-
Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas a chorar!
-
Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas.
-
E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!
*
FLORBELA ESPANCA
" Poetas "
Trocando Olhares
*
V
A Noite vem poisando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura . . .
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura . . .
-
Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura . . .
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!
-
Por que és assim tão 'scura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!
-
Saudade que eu nem sei donde me vem . . .
Talvez de ti, ó Noite! . . . Ou de ninguém! . . .
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!!
*
FLORBELA ESPANCA
" Noite de Saudade "
Livro de Mágoas
*
VI
Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos.
-
Mares onde não cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de heróis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;
-
Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!
-
E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!
*
FLORBELA ESPANCA
" O Teu Olhar "
Reliquiae
*
VII
Saudades! Sim . . .talvez . . . e por que não? . . .
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
-
Esquecer! Para quê? . . . Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão!
-
Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!
-
E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!
*
FLORBELA ESPANCA
" Saudades "
Livro de Soror Saudade
*
Sobreiro "Árvore da Cortiça", Alentejo, Portugal.

VIII
Horas mortas . . .Curvada ao pés do Monte
a planície é um brasido . . .e, torturadas,
as árvores sangrentas, revoltadas,
gritam a Deus a bênção duma fonte!
-
E quando , manhã alta, o Sol pesponte
a oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
esfíngicas, recortam desgrenhadas
os trágicos perfis no horizonte!
-
Árvores! Corações, almas que choram,
almas iguais à minha, almas que imploram
em vão remédio para tal mágoa!
-
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- também ando a gritar, morta de sede,
pedindo a Deus a minha gota de água!
*
FLORBELA ESPANCA
" Árvores do Alentejo "
*
IX
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Páros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
-
Têm dolências de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder . . .
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
-
Mas, meu Amor, eu não t'os digo ainda . . .
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
-
Amo-te tanto! E nunca te beijei . . .
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
*
FLORBELA ESPANCA
" Os Versos que te fiz "
Livro de Sóror Saudade
*
X
Eu tenho pena da Lua!
Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca, na rua! . . .
-
As rosas nas alamedas,
E os lilases cor de neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas . . .
-
Só a triste, coitadinha . . .
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha . . .
-
Eu chego então à janela;
E fico a olhar pra lua . . .
E fico a chorar com ela!
*
FLORBELA ESPANCA
" Só "
Trocando Olhares
*
XI
O céu azul, não era
Dessa cor, antigamente
Era branco como um lírio,
Ou como estrela cadente.

Um dia, fez Deus uns olhos
tão azuis como esses teus,
que olharam admirados
A taça branca dos céus.

Quando sentiu esse olhar:
"Que doçura, que primor!"
Disse o céu, e ciumento,
Tornou-se da mesma cor!
*
FLORBELA ESPANCA
"Os Teus Olhos"
Trocando Olhares
*
XII
É triste a gente, a vastidão
Do Mar imenso! E aquela voz fatal!
Com que ele fala, agita o nosso mal!
E a Noite é triste como a Extrema-Unção!
-
É triste e dilacera o coração
Um poente do nosso Portugal!
E não vêem que eu sou . . . eu . . . afinal,
A coisa mais magoada das que o são?! . . .
-
Poentes d'agonia trago-os eu
Dentro de mim e tudo quanto é meu
É triste poente d'amargura!
-
E a vastidão do Mar, toda essa água
Trago-a dentro de mim num Mar de Mágoa!
E a Noite sou eu própria! A Noite escura !!!
*
FLORBELA ESPANCA
" Mais Triste "
Livro de Mágoas
*
XIII
Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!
-
Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços . . .
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!
-
Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!
-
Espera . . . espera . . . ó minha sombra amada . . .
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo! . . .
*
FLORBELA ESPANCA
" Espera . . . "
*
XIV
Vou pela estrada, sozinha.
Não me acompanha ninguém.
Num atalho, em voz mansinha:
" Como está ele? Está bem? "
-
É a toutinegra curiosa;
Há em mim um doce enleio . . .
Nisto pergunta uma rosa:
" Então ele? Inda não veio? "
-
Sinto-me triste, doente . . .
E nem me deixam esquecê-lo! . . .
Nisto o Sol impertinente:
" Sou um fio do seu cabelo . . . "
-
Ainda bem. É noitinha.
Enfim já posso pensar!
Ai, já me deixam sozinha!
De repente, oiço o luar:
-
" Que imensa mágoa me invade,
Que dor o meu peito sente!
Tenho uma enorme saudade
De ver o teu doce ausente! "
-
Volto a casa. Que tristeza!
Inda é maior dor . . .
Vem depressa. A natureza
Só fala de ti, Amor!
*
FLORBELA ESPANCA
" Triste Passeio "
Trocando Olhares
*
XV
Eu tenho pena da Lua!
tanta pena, coitadinha,
quando tão branca, na rua
A vejo chorar sozinha!...

As rosas nas alamedas,
E os lilases cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas...

Só a triste, coitadinha...
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha...

Eu chego então na janela:
E fico a olhar para a lua...
E fico a chorar com ela!...
*
FLORBELA ESPANCA
"Só"
Trocando Olhares
*
XVI
É noite pura e linda. Abro a minha janela
E olho suspirando o infinito céu,
Fico a sonhar de leve em muita coisa bela
Fico a pensar em ti e neste amor que é teu!

D'olhos fechados sonho. A noite é uma elegia
Cantando brandamente um sonho todo d'alma
E enquanto a lua branca o linho bom desfia
eu sinto almas passar na noite linda e calma.

Lá vem a tua agora...Numa carreira louca
Tão perto que passou, tão perto à minha boca
Nessa carreira doida, estranha e caprichosa,

Que a minh'alma cativa estremece, esvoaça
Para seguir a tua, como a folha de rosa
Segue a  brisa que a beija... e a tua alma passa!...
*
FLORBELA ESPANCA
"Sonhando"

O Livro d'Ele
*
XVII
Toda a terra que pisas, eu q'ria, ajoelhada,

Beijar terna e humilde em lânguido fervor;
Q'ria poisar fervente a boca apaixonada
Em cada passo teu, ó meu bendito amor!

De cada beijo meu, havia de nascer
Uma sangrenta flor! Ébria de luz, ardente!
No colo purpurino havia de trazer
Desfeito no perfume o mist'rioso Oriente!

Q'ria depois colher essas flores reais,
essas flores de sonho, estranhas, sensuais,
E lançar-tas aos pés em perfumados molhos.

Bem paga ficaria, ó meu cruel amante!
Se, sobre elas, eu visse apenas um instante
Cair como um orvalho os teus divinos olhos!
*
FLORBELA ESPANCA
"Humildade"
O Livro d'Ele
*
XVIII
O meu Destino disse-me a chorar:
"Pela estrada da Vida vai andando;
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor que hás de encontrar".

Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfiando...
E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando...

Mesmo a um velho eu perguntei: Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?"
E o velho estremeceu... olhou... e riu...

Agora pela estrada, já cansados
Voltam todos pra trás, desanimados...
E eu paro a murmurar: "Ninguém o viu!..."
*
FLORBELA ESPANCA
"Em busca do Amor"
Livro de Mágoas
*
XIX
Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
-
Não vejo nada assim enlouquecida . . .
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
-
" Tudo no mundo é frágil, tudo passa . . "
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala de mim!
-
E, olhos postos em ti, digo de rastros;
" Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim! . . . "
*
FLORBELA ESPANCA
" Fanatismo "
*
XX
Lestes os meus versos? Leste? e Adivinhastes
O encanto supremo que os ditou?
Acaso, quando os leste, imaginastes
Que era o teu olhar que os inspirou?

Adivinhastes? Eu não posso acreditar
Que adivinhasses, vês? E até, sorrindo,
tu disseste para ti: "Por um olhar
Somente, embora fosse assim tão lindo,

Ficar amando um homem!... Que loucura!"
-Pois foi o teu olhar; a noite escura,
-(Eu só a ti digo, e muito a medo...)

Que inspirou esses versos! Teu olhar
Que eu trago dentro d'alma a soluçar!
...........................................................
Ai não descubras nunca o meu segredo!
*
FLORBELA ESPANCA
"Os Meus Versos"
O Livro d'Ele
*
XXI
Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...
-
Ouço as olaias rindo desgrenhadas...
tombam os astros  em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p'las estradas...
-
Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...
-
Sou cham de neve branca e misteriosa...
E sou, talvez na noite volutuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!
*
FLORBELA ESPANCA
"Horas Rubras"
*
(Mais Poemas . . . " O CANTO . . . do encanto das . . .
PALAVRAS ", 189 . . . "Donde Borbota, minha Saudade", 194).
*
Poetas e FLORBELA ESPANCA
*
Alexei Bueno
Amada, por que eu tive a tua voz
Depois que o Nada teve a tua boca?
A lua, em sua palidez de loucura,
Brilha igual sobre mim, e sobre nós! . . .
-
Porém como estás longe, como o algoz
De um só golpe sem fim - a Morte - apouca
Os gritos dos que esperam, a ânsia rouca
Dos que atrás têm seu sonho, os grandes sós!
-
Aqui não brilha o mundo que engendraste
Como o manto de um deus, e astros sangrentos
Não nos rolam nas mãos da imensa haste.
-
E só estes olhos meus, que nunca viste,
Se incendeiam, vitrais na noite atentos,
Voltados para o chão aonde fugiste!
*
ALEXEI BUENO
"A Florbela Espanca"
A Chama Inextinguível
(Mais Poemas . . . "Os Eternos Momentos de Poetas
e Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 167)







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