quinta-feira, 20 de agosto de 2009

025 - Guerra Junqueira " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

GUERRA JUNQUEIRA
Abílio Manuel Guerra Junqueira
Nasceu a 17 de setembro de 1850, signo de virgem,
Freixo-de-Espada-á-Cinta, Província de Trás-os-Montes,
norte de Portugal. Era filho de rabino, começou
a estudar Teologia,1866 e terminou bacharel em
Direito, 1873, na Universidade de Coimbra.
Antíquario, jornalista, deputado, escritor e poeta.
*
Homenagem "Casa Museu Guerra Junqueira",
arquiteto Nicolau Nasoni(?),1740, na cidade do
Porto, Portugal.
Faleceu 07 de julho de 1923.
Acesse Internet, site www.360portugal.com.pt/distritos
*
CANTOePALAVRAS
Contos para a Infância, 1875; A Velhice do Padre
Eterno, 1885; Os Simples, 1892; Pátria, 1896;
Finis Patrie; Duas Páginas dos Quatorze anos;
O Melro; Musa em Férias . . .
*
I
Alvor da Lua nas eiras,
Nem linhos de fiandeiras,
Nem véus de noivas ou freiras,
Nem rendas d'ondas do mar! . . .
Sobre espigas d'oiro bailam as ceifeiras,
Na aleluia argêntea do clarão do luar! . . .
-
bailai sob as lagrimosas
Estrelinhas misteriosas,
Cintilações, nebulosas,
Frémitos vagos d'empíreos! . . .
Deus golpeia a aurora pra dar sangue às rosas,
Deus ordenha a Lua pra dar leite aos lírios! . . .
-
Ai, medas de prata e oiro,
De lua branca e pão loiro,
Malhadas no malhadoiro,
A enfeitiçar e a fulgir!
Oh, bailai à volta desse bom tesoiro,
Que é a côdea negra que ceais a rir! . .
-
Quem nas ladeiras e prados,
Com as lanças dos arados,
Abriu sulcos e valados
Na terra gélida e nua?
Oh, bailai à volta desses bois deitados,
Que estão d'olhos tristes adorando a Lua! . .
-
Que bandos de passarinhos,
Vêm lá de campos maninhos,
De fraguedos, de caminhos,
Jantar aqui, merendar! . . .
Oh, bailai em volta de milhões de ninhos!
Oh, bailai cantando para os acordar! . . .
-
Entre as palhas do centeio,
Quantas esmolas no meio,
Que deixam lírios no seio
E as mãos escorrendo luz! . . .
Oh, bailai em volta do celeiro cheio!
Oh, bailai à volta dos mendigos nus! . . .
-
Quanta hóstia consagrada,
- Pão da última jornada! -
Dorme na meda encantada
Ao luar tão leve e tão lindo! . . .
Oh, bailai em volta dessa mó doirada,
Que bailai à volta de Jesus dormindo! . . .
-
Alvor da Lua nas eiras,
Nem linhos de fiandeiras,
Nem véus de noivas ou freiras,
Nem rendas d'ondas do mar! . . .
Oh, bailai ceifeiras, lindas feiticeiras,
Na aleluia argêntea do clarão do luar!
*
GUERRA JUNQUEIRO
" Eiras ao Luar "
Os Simples
*
II
Eram de rocha viva as ameias crestadas,
Para gigantes e condores!
Hoje das pedras mutiladas
Fazem cascalho nas estradas
Os britadores.
-
Varreu-nos a metralha os baluartes escuros,
Tombando fria a nossos pés!
Ei-lo o Bretão d'olhos perjuros:
Como é que arrasa os nossos muros?
A pontapés.
-
Eram de bronze eterno, eram d'aço impoluto
Almas d'heróis, línguas d'espadas!
Ei-lo o inimigo fero e bruto:
Como é que escala o meu reduto?
Às gargalhadas.
-
Cantaram sobre nós, montante, adaga e lança
Trinta epopeias!
Ei-lo o inimigo, ei-lo que avança:
Vai metralhar-nos, que nos lança?
Merda às mãos cheias!
*
GUERRA JUNQUEIRA
" Falam as Fortalezas Desmanteladas "
Finis Patrie
*
III
Mar pavoroso, mar tenebroso,
profundo mar!
Fúrias eternas, fúrias eternas . . .
Nas ondas negras há cavernas
com monstros verdes a ulular . . .
-
Mar soluçante, mar trovejante,
nocturno mar!
Ventos e frios, ventos e frios . . .
Nas ondas torvas há navios
com marinheiros a cantar . . .
-
Mar de tormenta, mar que rebenta,
convulso mar!
Noites inteiras, noites inteiras . . .
Nas praias tristes há lareiras
com mães e noivas a rezar . . .
-
Mar vagabundo, mar furibundo
soturno mar!
Ais e tumultos, ais e tumultos . . .
Nas ondas roucas andam vultos
de marinheiros a boiar . . .
-
Mar infinito, mar infinito,
maldito mar!
Noite e procelas, noite e procelas . . .
Entre lençóis, restos de velas,
há orfãozinhos a chorar! . . .
*
GUERRA JUNQUEIRA
" Mar "
Finis Patrie
*
IV
Claustros, abóbodas, arcadas,
Muros batidos do tufão,
Campas partidas e violadas,
Crânios de reis, poeiras d'ossadas,
tudo no chão!
-
No chão rosáceas e cruzeiros,
Grimpas, zimbórios, campanis . . .
Em tumbas negras de mosteiros,
Onde dormiram cavaleiros,
Santas e heróis, dormem reptis!
-
Montões de estátuas em pedaços
Torres, castelos, catedrais,
Templos sem Deus, cruzes sem braços,
São estreitados por abraços,
De matagais!
-
A alma das pedras sacrossantas,
Chorando à noite, faz horror! . . .
Quem é que escuta as vozes santas?
Os homens não . . .talvez as plantas
Sintam melhor aquela dor! . . .
-
Talvez os ninhos e as verduras,
Talvez as águas mais os ventos
Ouçam melhor que as criaturas
As vozes trágicas, escuras,
Dos monumentos! . . .
-
Torres outrora olhando os astros,
Flechas sem fim, oh, raiva, oh dó!
Mármores, bronzes, alabastros,
Grandeza e glória . . .tudo a rastros,
Tudo aos bocados, tudo em pó!
-
E ó Deus, ó Deus de tanta ruína,
De tanta dor calcada aos pés,
Numa entrudada libertina,
Faz seus palácios a Rapina,
Faz o Impudor os seus chalets!
*
GUERRA JUNQUEIRA
" Falam os Monumentos Arrasados "
Finis Patrie
*
V
Tanto Abril florido, tanta calma adusta,
tantas invernias, sem pesar ou dor,
tinham-lhe gravado na expressão robusta
como que uma sombra de grandeza augusta,
junta a uma inocência matinal de flor.
-
Que importavam gelos, ventanias, feras?
Peito nu, aberto: construção de touro!
Quase me admirava que nas primaveras
desse peito rude não brotassem heras,
margaridas, lírios com abelhas d'ouro!
-
Ao relento a cama no orvalho pasto,
cerca dos carneiros e dos bons lebréus;
que divino leito primitivo e casto,
todo embalsamado de serpol, mentrasto,
sob a paz imensa do perdão de Deus! . . .
-
E esse gigantesco latagão corado
era, como os santos ermitões, frugal:
duas azeitonas, queijo do seu gado,
e de rala escura meio pão migado
num caldeiro d'água com azeite e sal.
-
Não jantava morte, assassinato, dores,
hecatombes tristes que jantamos nós;
e por isso ria como riem flores,
atraindo em bando aves de mil cores,
feiticeiro simples, com o olhar e a voz! . . .
-
Sua rude frauta de pastor ouvindo
na misteriosa luz crepuscular,
iam-se as estrelas uma a uma abrindo,
e desabrochava pelo azul infindo
soluçante a lua como um nenúfar! . . .
*
GUERRA JUNQUEIRA
" O Pastor "
Os Simples
*
VI
Manhã de junho ardente. Uma encosta escalvada,
Seca, deserta e nua, à beira duma estrada.
-
Terra ingrata, onde urze a custo desabrocha,
Bebendo o Sol, comendo o pó, mordendo a rocha.
-
Sobre uma folha hostil duma figueira brava,
Mendiga que se nutre a pedregulho e lava,
-
A aurora desprendeu, compassiva e divina,
Uma lágrima etérea, enorme e cristalina.
-
Lágrima tão ideal, tão límpida que, ao vê-la
De perto era um diamante e de longe uma estrela.
-
Passa um rei com seu cortejo de espavento,
Elmos, lanças, clarins, trinta pendões ao vento
-
- "No meu diadema, disse o rei, quedando a olhar,
Há safiras sem conta e brilhantes sem par.
-
"Há rubis orientais, sangrentos e doirados,
como beijos d'amor a  arder, cristalizados.
-
Há perolas que  são gotas de mágoa imensa,
Que a lua chora e verte, e o mar gela e condensa...
-
"pois brilhantes, rubis, e perolas de Ofir
Tudo isso eu dou, e vem, ó  lágrima, fulgir
-
"Nesta c'roa orgulhosa, olímpica, suprema,
Vendo o globo aos meus pés do alto do diadema!"
-
E a lágrima celeste, ingenua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.
-
Couraçado de ferro épico e deslumbrante

Passa no seu ginete um cavaleiro andante.
-
E o cavaleiro diz à lágrima irisada:
"Vem brilhar, por Jesus, na cruz da minha espada.
-
"Far-te-ei relampejar de vitória em vitória!
Na Terra Santa, à luz da fé, ao Sol da glória.
-
"E à volta há de guardar-te a minha noiva, ó astro,
Em seu colo aureal de rosa e de alabastro.
-
" E assim aluminarás com teu vivo esplendor
Mil combates de heróis e mil sonhos d'amor!"
-
E a lágrima celeste, ingênua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.
-
Montado numa mula escura, de caminho,
Passa um velho judeu avarento e mesquinho,
-
Mulas de carga atrás levavam-lhe o tesoiro,
Grandes arcas de cedro abarrotadas d'oiro.
-
E o velhinho andrajoso e magro como um junco,
O cranio calvo, o olhar febril, o bico adunco.
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E a lágrima celeste, ingênua e luminosa,
Tremeu, tremeu, tremeu... e caiu silenciosa!...
-
E algum tempo depois o triste cardo exangue,
Reverdecendo, dava uma flor cor de sangue.
-
Dum macerado e dorido e desfeito,
Como as chagas que tem Nosso Senhor no peito!...
-
E ao cálix virginal da pobre flor vermelha
Ia buscar, zumbindo o mel doirado a abelha!...
*
GUERRA JUNQUEIRA
"A Lágrima"
Fragmento


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