terça-feira, 25 de agosto de 2009

015 - Luís de Camões " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


LUIS DE CAMÕES
Luis Vaz de Camões
Nasceu em 04 de Fevereiro de 1524( mais provável) em Lisboa, bairro da
Mouraria . . . ou Coimbra, Portugal.
Filho de Simão Vaz de Camões, nascido em
Camones(Camaños, ou Camos),Balona, entre Vigo e Portugal,
na Galiza . . . ou Coimbra . . .(?)
de família nobre, segundo pesquisadores,
de origem celta capitão de mar e guerra na
India, em Lisboa e sua mãe Ana de Sá ou Macedo, natural de Lisboa, Portugal,
pertencia a nobreza da cidade de Santarém, Portugal.
O trisavô, de Luis de Camões,
Vasco Lopes de Camões, era poeta no
" Cancioneiro de Baena ", 1445.
Em Coimbra, 1539 a 1543, passou sua mocidade, frequentou o " Convento de Santa Cruz ",
onde seu tio paterno, D. Bento de Camões,
era prior-mor e *cancelário (*chanceler-mor) da
" Universidade de Coimbra ". Época auge do
"Colégio das Artes".
Professores conceituados em Coimbra,
na época de Camões,
Pedro Nunes, em Matemática;
Guevara em Medicina; Frabizio em Grego.
Luis de Camões, lia latim, falava italiano e escrevia castelhano.
Levou uma vida muito tumultuada, viveu em
constante atrito com a côrte portuguesa, chegou a ser preso,
lutou no norte de África, onde ficou cego do olho direito,
desterrado para Goa, India, Ásia, 1553, trouxe o famoso
escravo que o acompanhou até aos fins dos dias "Jau"(malaio),
na armada de Fernão Alvares Cabral, depois China 1556,
e naufragou na foz do Rio Mekong, salvou-se e
salvou os manuscristos "Os Lusíadas", porém morreu
a rapariga chinesa "Dinamene", possívelmente sua
namorada (referência ao acontecido, soneto do ciclo
"Dinamene, em Macau 1558, onde escreveu parte de
"Os Lusíadas", numa gruta, depois foi para Mihipiti,
Ilha de Moçambique, Moçambique, África . . .
Voltando para Portugal, D. Manuel rei de Portugal, contemplou-o
com uma ** tença no valor de 15$000 (quinze mil reis),
por três anos, isto por benefícios prestados à côrte


"Camões lendo os Lusíadas" 
Pintor António Carneiro, 1872/1930, Portugal.

de Portugal e pelo poema épico "Os Lusíadas", dedicado ao
Rei D. Sebastião(1557-1578). As cinzas de seu corpo jaz,
desde 1852, no Mosteiro da Batalha, Portugal.
"OS LUSÍADAS", é constituido por 10(dez) partes, chamados
de " Cantos ", dividos em 1102(mil cento e duas), " Estrofes ",
regulares, 08(oito) " Versos " cada uma, com o total de
8816(oito mil oitecentos e dezasseis) " Versos ", publicado 1572.
Atualmente, comemora-se o " O DIA DA PÁTRIA ", 10 de
junho (1580), morte física de LUÍS DE CAMÕES.
Túmulo de Luís de Camões está no " Mosteiro dos Jerónimos "
em Lisboa. 

Luis de Camões, chamava Lisboa de
"Ínclita Ulissêa".
►Primeiro biografo de Camões, foi Pedro Mariz, natural de
Coimbra.
*Cancelário (Latim, cancellariu)- Antigo chanceler da
Universidade, que tinha o poder de dar grau de licenciado
e doutor em todas as faculdades.
*Chanceler(Francês, chancelier)- Magistrado antigo que
tinha a seu cargo a guarda do selo real; sinete.
*Chanceler-mor- O chanceler principal, numa Universidade,
Assinava e colocava o selo real . . .
**Tença(Latim, tenentia)- Renda que se dava a alguém por
seviços prestados; renda vitalícia ou temporária. . .
*
►" Em Portugal, morreu este excelente poeta, em pura pobreza ".
Diogo do Couto(amigo de Camões).
*
►"Camões foi o luminoso espirito que sentiu a raça na sua
resistência indomavel e deu expressão artistica ou universal
a essa consciencia historica. No momento em que se iam
apagando os testemunhos que mostravam Portugal solidario
no desenvolvimento da Civilização Moderna, a Epopêa de
Camões foi o 'pregão do ninho seu paterno', que accendeu
nas gerações os impetos da independencia nacional,
e pela inspiração universalista impoz aos seculos que
este pequeno povo sobrevirá como factor da
História da Humanidade ".
*
Theophilo Braga
CAMÕES
"História da Literatura Portuguesa"
**
►"OS LUSÍADAS" ou " BÍBLIA DA PÁTRIA"
**
►Em 1877, foi colocado uma lápida, Na " Casa da Calçada de
Santana ", em Lisboa (esquina das escadarias de São Luiz).
Grandes acontecimentos, surgiram, durante a vida de Luis
de Camões. A " Inquisição ", em Portugal 1536; a " Companhia
de Jesus ", 1540; guerra no norte da África, Ceuta;
Transferência da Universidade de Lisboa para Coimbra
Mem de Sá, fundou a cidade do Rio de Janeiro, Brasil. . . .
Até ao século XV, acreditava-se em lendas, que tinham
origem na " Idade Média ", dizia-se que além do "Cabo
das Tormentas ", África, não existia mar navegavel, ( a terra
era como um prato!!!??) a água fumegava, ar sufocante,
correntes traiçoeiras, rochas magnéticas, ondas gigantes,
monstros marinhos, abismos. . .(Adamastor), estrófe de Os Lusíadas . . .
Estilo Classicismo
*
Homenagens a LUÍS DE CAMÕES
►Monumento a Camões,construida para a comemoração
do terceiro centenário de sua morte física, 10 de junho
de 1880, hoje situada, perto do Jardim Botânico e o
Colégio da Santíssima Trindade, em Coimbra, escultor
António Augusto Gonçalves, a inauguração foi, 08 de
maio de 1881 !!!??? . . .
►Monumento a Camões( 1867), Lisboa, Portugal,
Praça Luis de Camões, Bairro Alto, Lisboa,
Escultura de Victor Bastos.
►Teatro D. Pedro II, a comédia "Tu só, Tú, Puro Amor",
escrita por Machado de Assis, comemora o
tricentenário de Camões "Real Gabinete Português
de Leitura", Rio de Janeiro, Brasil.
►Retrato pintado a vermelho, talvez um dos mais antigos
de Camões, pintor Fernão Gomes ou Hernán Gómez Román
(nasceu em Albuquerque, Castela, 1548 e faleceu 1612).
►Estatua, blocos monolíticos(fachada) do
Real Gabinete Português de Leitura, Rio de Janeiro, Brasil.
►Gravura Colorida, "Camões lendo os Lusíadas a
D. Sebastião", feita por António Ramalho, 1895,
(Biblioteca Nacional de Portugal)
►Monumento a Camões, São Paulo, Brasil.
Praça Dom José Gaspar,
Na frente de uma das mais importantes Bibliotecas do
Brasil, Biblioteca " Mário de Andrade ",
no centro da cidade de São Paulo.
►Av. Luis de Camões, Lages, Estado Rio Grande do Sul, Brasil.
►Rua Luis de Camões, Santos, Estado de São Paulo, Brasil.
►Monumento em marmore salmão, escultor Pero Pinheiro,
1987, Paris, França.
► Busto de Camões, Bonnevoie, capital de Luxemburgo.
►Monumento em Constância,1981, Portugal, autoria de
Simões da Silva.
►Monumento,Cascais, 1983.
►Estatua Luís de Camões, de betão,escultor Fernando
Pereira Marques, 1980, e Jardim Luís de Camões,
Leiria, Portugal.
►Busto de Camões na"Gruta de Camões", Macau, Àsia.
"Museu de Luis de Camões", 1960, Macau, Ásia
►"Altar da Pátria", Real Gabinete Português de Leitura,
na Rua Luis de Camões, Rio de Janeiro, Brasil.
De autoria de António Maria Ribeiro, em ouro prata, marfim,
de 1,70m, é Camões, junto com Infante D. Henrique,Vasco da
Gama e Pedro Alvares Cabral.
► Estátua Adamastor(cantoV, Lusíadas), 2000
Belmomte, Portugal, autor Jerónimo Brigas.
►Busto, escultor João Carolo(pseudónimo J.Sicar),
2008, Miranda do Corvo, Portugal.
►Pintura de "Luis de Camões" José Malhoa.
►O jornal " Nordeste" de Bragança província de
Trás-os-Montes, Portugal. Publicou, janeiro de 2004,
semanalmente, uma tradução de Amadeu Ferreira,
na língua(dialeto) "Mirandês", " Os Lusíadas ". . .
*
CANTOePALAVRAS
Ode X; Colloquios dos Simplices e Drogas, 1563;
Soneto 196. 1576; Elegia X, 1576; Os Lusíadas, 1572;
Rimas, 1595; Auto d'el Rei Seleuco(teatro);
Auto de Filodemo(teatro) . . .
*
I
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança,
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades.
-
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve as saudades.
-
O tempo cobre o chão de verde mato,
Que já coberto foi neve fria,
E em mim converte em chôro o doce canto
-
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda com *soía*
*
LUÍS DE CAMÕES
" Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades "
*(Soía- costumava.)
*
II
O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
a força, a arte, a manhã, a fortaleza;
o tempo acaba a fama e a riqueza,
o tempo o mesmo tempo de si chora.
-
O tempo busca e acaba o onde mora
qualquer ingratidão, qualquer dureza;
mas não pode acabar minha tristeza,
enquanto não quiserdes vós, Senhora.
-
O tempo o claro dia torna escuro,
e o mais ledo prazer em choro triste;
o tempo a tempestade em grã bonança.
-
Mas de abrandar o tempo estou seguro
o peito de diamante, onde consiste
a pena e o prazer desta esperança.
*
LUIS DE CAMÕES
"Soneto"
*
III
Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.
-
Ela só, quando amena e marchetada
saía, dando ao mundo claridade,
viu apartar-se de uma outra vontade,
que nunca poderá ver-se apartada.
-
Ela só viu as lágrimas em fio,
que duns e doutros olhos derivadas,
se acrescentaram em grande e largo rio;
-
Ela viu as palavras magoadas,
que puderam tornar o fogo frio
e dar descanso às almas condenadas.
*
LUIS DE CAMÕES
" Soneto "
*
IV
Aquela cativa
que me tem cativo,
porque nela vivo,
já não quer que viva . . .
-
Eu nunca vi rosa,
em suaves molhos,
que para meus olhos
fôsse mais formosa;
-
Nem no campo flores,
nem no céu estrelas,
me parecem belas
como os meus amores:
-
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar;
-
Uma graça viva
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa;
-
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os loiros são belos;
-
Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor;
-
Leda mansidão
que o siso acompanha,
bem parece estranha,
mas bárbara não;
-
Presença serena
que a tormenta amansa,
nela enfim descansa
toda a minha pena . . .
-
Esta é a cativa
que me cativo,
e pois nela vivo,
é força que viva.
*
LUIS DE CAMÕES
" Aquela Cativa "
*
V
Que me quereis, perpétuas saüdades?
Com que esperança ainda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais
e, se torna, não tornam as idades.
-
Razão é já, ó anos, que vos vades,
porque estes tão ligeiros que passais,
nem todos para um gosto são iguais,
nem sempre são conformes as vontades.
-
Aquilo a que já quis é tão mudado
que quase é outra cousa; porque os dias
têm o primeiro gosto já danado.
-
Esperanças de novas alegrias
não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
que do contentamento são *espias
*
LUIS DE CAMÕES
" Soneto "
*(Espias - amarras, seguranças, apoios.)
*
VI
Quem vos levou de mi, saüdoso estado,
que tanta sem razão comigo usastes?
Quem foi? Por quem tão presto negastes,
esqueciso de todo o bem passado?
-
Trocastes-me um descanso em um cuidado
tão duro, tão cruel, qual me ordenastes;
a fé, que tínheis dado, me negastes,
quando mais nela estava confiado.
-
Vivia sem receio deste mal;
Fortuna, que tem tudo a sua mercê,
amor com desamor me revolveu.
-
Bem sei que neste caso nada val,
que, quem nasceu chorando, justo é
que pague com chorar o que perdeu.
*
LUIS DE CAMÕES
"Soneto"
*
VII
Já claro vejo bem, já bem conheço
quanto aumentando vou o meu tormento;
pois sei que fundo em água, escrevo em vento,
e que o cordeiro manso ao lobo peço;
-
que Aracne(sou), pois já com Palas teço;
que a tigres em meus males me lamento;
que reduzir o mar a um vaso intento,
aspirando a esse Céu que não mereço.
-
Quero achar paz em um confuso Inferno;
na noite, do Sol puro a claridade;
e o suave Verão no duro Inverno.
-
Busco em luzente Olimpo escuridade
e o desejado bem no mal eterno,
buscando amor em nossa crueldade.
*
LUIS DE CAMÕES
"Soneto"
*
VIII
Quem pudera julgar de vós, Senhora,
que com tal fé podia assi perder-vos,
e vir eu por amor a aborrecer-vos?
Que hei-de fazer sem vós sómente uma hora?
-
Deixastes quem vos ama e vos adora;
tomastes quem quiçá não sabe ver-vos.
Eu fui o que não soube merecer-vos,
e tudo entendo e choro, triste, agora.
-
Nunca soube entender vossa vontade,
nem a minha mostrar-vos verdadeira,
inda que clara estava esta verdade.
-
Em mim viverá ela sempre inteira;
e, se pera perder já a vida é tarde,
a morte não fará que vos não queira.
*
LUIS DE CAMÕES
"Soneto"
*
IX
Vai-me gastando Amor e um pensamento
que me inclina a seguir meus próprios danos,
a esperança, o ser, o gosto e os anos,
que para mi são mil cada momento.
-
Os suspiros que em vão entrego ao vento
paga-mos quem mos causa em desenganos;
e, se quero fingir novos enganos,
não mos quer consentir o entendimento.
-
Se pretendo mostrar quanto padeço,
falta-me a voz, o alento e o sentido;
e a triste vida, não porque a aborreço.
-
O peito em vivas chamas convertido,
enfim, mostre seu mal, pois já confesso
que nem dizer se pode nem ser crido.
*
LUIS DE CAMÕES
"Soneto"
*
X
Todo o animal da calma repousava;
só *Liso o ardor dela não sentia,
que o repouso do fogo em que ardia
consistia na Ninfa que buscava.
-
Os montes parecia que abalava
o triste som das mágoas que dezia;
mas nada o duro peito comovia,
que na vontade de outrem posto estava.
-
Cansado já de andar pela espessura,
no tronco de uma faia, por lembrança,
escreveu estas palavras de tristeza:
-
-"Nunca ponha ninguém sua esperança
em peito feminil que, de natureza,
sómente em ser mudável tem firmeza".
*
LUIS DE CAMÕES
"Soneto"
*(Liso- anagrama de Luis[Lois].)
*
XI
" Que esperais, esperança?" "Desespero".
"Quem disso a causa foi?" "Uma mudança".
"Vós, vida, como estais?" "Sem esperança".
"Que dizeis, coração?" "Que muito quero".
-
"Que sentis, alma, vós?" "Que amor é fero".
"E enfim, como viveis?" "Sem confiança".
"Quem vos sustenta, logo?" "Uma lembrança".
"E só nela esperais?" "Só nela espero".
-
"Em que podeis parar?" "Nisto em que estou".
"E em que estais vós?" "Em acabar a vida".
"E tende-lo por bem?" "Amor o quer".
-
"Quem vos obriga assi?" "Saber que sou".
"E quem sois?" "Quem de todo está rendida".
A quem rendida estais?" "A um só querer".
*
LUIS DE CAMÕES
"Soneto"
*
XII
Porém já cinco Sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca de outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.
-
Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
"Ó Potestade(disse) sublimada:
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?"
-
Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
-
Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
C'um tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!
*
E disse: " Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantes
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados de estranho ou próprio lenho:
-
Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do húmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mi que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento,
Por todo o largo mar e pola terra
Que inda hás-de sojugar com dura guerra.
-
Sabe que quantas naus esta viagem
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas!
E da primeira armada, que passagem
Fizer por estas ondas insofridas,
Eu farei de improviso tal castigo,
Que seja mor o dano que o perigo!
-
Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança.
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança:
Antes, em vossas naus vereis, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!
-
E do primeiro Ilustre, que a ventura
Com fama alta fizer tocar os Céus,
Serei eterna e nova sepultura,
Por juízos incógnitos de Deus.
Aqui porá da Turca armada dura
Os soberbos e prósperos troféus;
Comigo de seus danos o ameaça
A destruída Quíloa com Mombaça.
*
Outro também virá, de honrada fama,
Liberal, cavaleiro, enamorado,
E consigo trará a fermosa dama
Que Amor por grão mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama
Neste terreno meu, que, duro e irado,
Os deixará dum cru naufrágio vivos,
Pera verem trabalhos excessivos.
*
Verão morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gèrados e nacidos;
Verão os Cafres, ásperos e avaros,
Tirar à linda dama seus vestidos;
Os cristalinos membros e perclaros
À calma, ao frio, ao ar verão despidos,
Despois de ter pisada, longamente,
Cos delicados pés a areia ardente.
*
E verão mais os olhos que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os dous amantes míseros ficarem
Na férvida e implacabil espessura.
Ali, despois que as pedras abrandarem
Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
Abraçados, as almas soltarão
Da fermosa e misérrima prisão."
*
LUIS DE CAMÕES
"O Gigante Adamastor"
(Cabo das Tormentas)
"Oitavas 37 a 48, Canto V"
(fragmento)
Os Lusíadas
*
XIII
. . . No mar tanta tormenta e tanto dano,
tantas vezes a morte apercebida;
na terra tanta guerra, tanto engano,
tanta necessidade aborrecida!
onde pode acolher-se o fraco humano,
onde terá segura a curta vida,
que não se arme e se indigne o céu sereno
contra um bicho da terra tão pequeno . . .
*
LUIS DE CAMÕES
"Canto I - 106"

Os Lusíadas
"Poetas que Falam de Luis de Camões"
▬▬▬
Fernando Pessoa
*
A " Mensagem " de Fernando Pessoa, para " Os Lusíadas "
de Luís de Camões
*
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse "Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse, tremendo:
" El-Rei D. João Segundo! "
-
" De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço? "
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
" Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo? "
E o homem do leme tremeu, e disse:
" El-Rei D. João Segundo! "
-
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
" Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo! "
*
FERNANDO PESSOA
" O Mostrengo "
Mar Português
Mensagem
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 060).
▬▬▬
Bocage
*
CAMÕES, grande CAMÕES! Quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quanto os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar c'o sacrílejo Gigante.
-
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
-
Ludíbrio, como tu, da sorte dura,
Meu fim desmando ao Céu pela certeza
De que só terei paz na sepultura:
-
Modelo meu tu és . . . Mas oh tristeza! . . .
Se te imito nos transe da aventura,
Não te imito nos dons da natureza.
*
BOCAGE
"Camões, grande Camões! Quão Semelhante"
*
Sobre os contrários o terror e a morte
Dardeje embora Aquiles denodado,
Ou no rápido carro ensanguentado
Leve arrastos sem vida o Teucro forte:
-
Embora o bravo Macedônio corte
Coa fulminante espada o nó fadado,
Que eu de mais nobre estímulo tocado.
Nem lhe amo a glória, nem lhe invejo a sorte:
-
Invejo-te, CAMÕES, o nome honroso;
Da mente criadora o sacro lume,
Que exprime as fúrias de Lieu raivoso:
-
Os ais de Inês, de Venus o queixume,
As pragas do gigante proceloso,
O céu de Amor, o inferno do Ciúme.
*
BOCAGE
" Em Louvor do Grande Camões "
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág.065).
▬▬▬
Nicolau Tolentino de Almeida
*
Passei o rio que torno atrás
Se acaso é certo o que " CAMÕES " nos diz,
Em cuja ponte um bando de aguazis
registram tudo quanto a gente traz.
-
Segue-se um largo, em frente dele jaz
Longa fileira de baiúcas vis.
Cigarro aceso, fumo no nariz,
é como a companhia ali se faz.
-
A cidade por dentro é fraca rês;
As moças põem mantilhas e andam sós,
Têm boa cara, mas não têm bons pés.
-
Isto, coifas de prata e de retrós,
E a cada canto vi em Badajoz.
*
NICOLAU TOLENTINO DE ALMEIDA
( Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas
e Pensadores da Lingua Portuguesa ", pág. 182 ).
▬▬▬
Olavo Bilac
*
" CAMÕES " sofre, na infamia da clausura,
Pária sem honra, náufrago sem nome;
E rla, na saudade que o consome,
O pobre peito contra a pedra dura.
-
O seu gênio ilumina a abjeta lura . .
Mas a vida das carnes se lhe some:
Míngua de pão, e, outra mais negra fome,
Indigência de beijos e ventura.
-
Do próprio fel, dos íntimos venenos,
Faz a glória da Pátria e a luz da raça;
E chora, na ignomínia. Mas, ao menos.
-
Possui, na mesquinhez da terra crassa.
A na vergonha de homens tão pequenos,
O orgulho de ser grande na desgraça.
*
OLAVO BILAC
" Tarde "
No Tronco de Goa
( Mais Poemas . . .Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa ", pág. 085
▬▬▬
José Saramago
*
Que sabemos de ti, se só deixaste versos,
Que lembrança ficou no mundo que tiveste?
Do nascer ao morrer ganhaste os dias todos,
Ou perderam-te a vida os versos que fizeste?
*
JOSÉ SARAMAGO
"Epitáfio para LUÍS DE CAMÕES"
Os Poema Possíveis
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 150).
▬▬▬
Falcão de Resende
André Falcão Resende
*
Esta é, " CAMÕES ", que quem escreve ou fala
Em numeroso verso, ou segue e usa
A poetica prosa, e quer ornala,
-
E o natural engenho aplica á Musa,
Alguma hora do pó se levantando,
Logo algum vil espirito o nota e acusa:
-
"Vêdes o triste, (diz de seu bando)
Que é " Bacharel Latino ", e nada presta;
É poeta o coitado, é monstro infando."
*
FALCÃO RESENDE
" Obras de Falcão Resende "
Sátira a Luis de Camões
▬▬▬
Sophia de Mello B. Andresen
*
Irás ao paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu nomeias e não nasce.
-
Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobrejaram
A quem ousou mais ser que a outra gente.
*
SOPHIA DE MELLO B. ANDRESEN
"Camões e a Tença"
Dual
(Mais Poemas . . . "Os Eternos Momentos de Poetas
e Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 138).
▬▬▬
Almeida Garrett
*
" Oh gruta de Macau, soidão querida,
Onde tão doces horas de tristeza,
De saudade passei! gruta benigna
Que escutastes meus lânguidos suspiros,
Que ouviste minhas queixas namoradas,
Oh fresquidão amena, oh grato asilo
Onde me ia acoitar de acerbas mágoas,
Onde amor, onde a pátria me inspiraram
Os maviosos sons e os sons terríveis
Que hão-de afrontar os tempos e a injustiça!
Tu guardarás no seio os meus queixumes,
Tu contarás às porvindouras eras
Os segredos de amor que me escutaste,
-
E tu dirás a ingratos Portugueses
Se português eu fui, se amei a Pátria,
Se, além dela e de amor, por outro objeto
Meu coração bateu, lutou meu braço,
Ou modulou meu verso eternos carmes.
Pátria, Pátria, rival tu foste d'Ela!
Tu me ficaste só, não desampares
Quem por Ela e por ti sofreu constante,
Quem por ti só agora o fio extremo
Ténue conserva da existência aflita . . .
Rosa de amor, rosa purpúrea e bela,
Quem entre os goivos te esfolhou da campa?
*
ALMEIDA GARRETT
" Queixumes de Camões "
Camões
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 30).
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J. Galvão Balsa
*
Hora LUSÍADA. Hora da saudade . . .
Vibra espontâneoa no meu coração,
paira o seu eco em meio do sertão,
enche o meu peito e enche a imensidão! . . .
-
Hora LUSÍADA que assim me invade,
voz do meu sangue que desperta e passa,
é essa voz, que herdei da minha raça,
feita de esperança e mágoa e soledade . . .
-
Ah! como é bom atravessar o mar,
deixando além . . . nos areais distantes
adeuses . . . lenços brancos a acenar! . . .
-
Só p'ra sentir, com dor e altivez
a glória e a amargura inquietantes
de ter nascido poeta e português!
*
J. GALVÃO BALSA
"Hora Lusíada"
Antologia de Poesias Angolanas*
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Celso Oliveira
*
Era nada:
Nada de recordações,
Nada de nostalgia.
-
Agora sim,
Tenho recordações,
Tenho Nostalgia.
-
Era nada:
Nem dizer nem de escrever.
Agora sim,
Sei dizer sei escrever.
-
A língua
De CAMÕES até mim,
Sem limite . . .
De Portugal até Timor,
Sem fronteira.
-
A língua
De CAMÕES até mim,
Dois povos, duas culturas.
De Portugal até Timor,
Duas culturas, um só destinos.
UM MUNDO MELHOR.
UM MUNDO UNIDO.
-
A língua
Sem limite,
Sem fronteira.
*
CELSO XIMENES DE OLIVEIRA
" A Língua . . . Sem Limite, Sem Fronteira "
Timor Leste: Lun Turu*
Lun Turu*(dialeto Tétum)- chorar.
(Mais Poemas. . . "O CANTO. . . do encantos das. . .
PALAVRAS", pág. 188.
"Os Eternos Momentos de Poetas e Pensadores
da Lingua Portuguesa" pág. 111).
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Machado de Assis
*
I
Tu quem és? Sou o século que passa.
Quem somos nós? A multidão fremente.
Que cantamos? A glória resplendente.
De quem? De quem mais soube a força e a graça
Que cantou ele? A vossa mesma raça.
De que modo? Na lira alta e potente.
A quem amou? A sua forte gente.
Que lhe deram? Penúria, ermo desgraça.
-
Nobremente sofreu? Como homem forte.
Esta imensa oblação? . . . É-lhe devida.
Paga? . . . Paga-lhe toda a adversa sorte.
-
Chama-se a isto? A glória apetecida.
Nós, que o cantamos? . . . Volvereis à morte.
Ele, que é morto? . . . Vive a eterna vida.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
IV
Um dia, junto à foz de brando e amigo
Rio de estranhas gentes habitado,
Pelos mares aspérrimos levado,
Salvaste o livro que viveu contigo.
-
E esse que foi às ondas arrancado,
Já livre agora do mortal perigo,
Serve de arca imortal, de eterno abrigo,
Não só a ti, mas ao teu berço amado.
-
Assim, um homem só, naquele dia,
Naquele escasso ponto do universo,
Língua, história, nação, armas, poesia,
-
Salva das frias mãos do tempo adverso.
E tudo aquilo agora o desafia.
E tão sublime preço cabe em verso.
*
MACHADO DE ASSIS
" Camões " (fragmentos)
Ocidentais
(Mais Poemas . . . " Os Eternos Momentos de Poetas
e Pensadores da Lingua Portuguesa ", pág. 54;
" MARIA???!!! VAI COM AS OUTRAS ", pág. XXXIX)
Marly de Oliveira
*
Lembrança de CAMÕES, Pessoa, Eça.
À beira-mar ou na montanha,
era sempre um bem-estar,
era sempre um reencontro
com o que nunca vira
e reconhecia, no entanto,
como se alguma vez
por lá andara. Era na certeza
o Sangue Português.
*
MARLY DE OLIVEIRA
(fragmento)
Viagem a Portugal
(Mais Poemas . . . "Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", págs. 1o e 154).
▬▬▬
Affonso Romano de Sant'anna
*
Releio o meu poema.
Me assento à margem desse texto
e me descubro um Velho do Restelo
um naufrago CAMÕES
sobraçando versos de amor ao povo
a ver que se perdeu no Índico Oceano
o melhor daquele idade.
-
Dentro em mim há um bruxo de bastidor
um Hamlet, um Macbeth
conversando espíritos nas frestas dos castelos
representando a tragédia que o representa, forçando
os membros da família a atuarem
numa tensa expiação
-
rasgando cenários e vestes
purgando o assassino rei do pai
que seduziu a mãe, afogou-me a amada e converteu a corte
num coro de pigmeus que não ousam dizer
que o rei ensandeceu.
-
Os poeta antigos sabiam pôr fim aos seus dias e poemas
deixando numa pedra do monte ou na portada da cidade
aquele velho-profeta-bruxo a meditar cansado
as ansiadas vitórias e esperanças derrotadas.
-
Os modernos, não escrevem epopéias, só os insanos.
Põem-se líricos e/ ou dramáticos ante a terra devastada
e jogam seus versos ao tempo
como o vento movendo as dunas do deserto
mudando de lugar apenas
a eterna areia do texto
que os olhos se acumula em novos montes.
*
AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA
(fragmento)
A Grande Fala do Índio Guarani
(Mais Poemas . . . "Os Eternos Momentos de Poetas
e Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 168).
▬▬▬
Dante Milano
*
Através de imitado sentimento,
Ao ler-te, quanta vez tenho sentido
Como é muito maior o amor vivido
Em ato não, mas só em pensamento.
Então invento o que amo e amo o que invento
Em coisas sem razão tão comovido
Que o ar me falta e o respiro comprimido
Não sei se dá, não sei se tira o alento.
Sabor de amor é esse alto respirar,
Essa angústia em suspiros mal dispersos.
Em amor, que importância tem o ar,
O ar, cheio de fantásticas ações!
Assim, aquele que imitar teus versos,
Primeiro imite o teu amor, CAMÕES.
*
DANTE MILANO
"Homenagem a Camões"
Poesia e Prosa
(Mais Poemas . . . "Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 095).
▬▬▬
Francisco Manoel do Nascimento
*
Assim CAMÕES, por Ti enfurecido,
Ao cume do Parnasso se avizinha;
E os Délficos loureiros,
Quando ele sobe, curvam
Ao novo Homero os orgulhosos topes;
E arredam larga estrada ao Vate egrégio.
-
Calíope a mão lhe dá; e às doutas grutas,
(Do rápido talento asilo) o guia,
Onde a sublime trama
Da Ilíada sonora,
Palpando as cordas da Épica harmonia,
Cantara Apolo, e transcrevera Homero.
-
Ali subiu CAMÕES; ali a Musa
A boca e vozes do imortal Aluno
Banhou de Poesia;
E co'as Irmãs que invoca,
Co'as tres Graças, que tudo aformoseiam
Enchem do Vate o peito, dadivosas.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Como já n'alta mente as cores punha
Nos quadros dos LUSÍADAS ilustres!
Aqui se ateia a briga
Dos doze de Inglaterra:
Além, da água que sorve, engrossa a nuvem,
E o pé tem no mar, a si recolhe.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Deles, Paizinho Tejo, vem a mácula.
Nós mesmas, que corremos estas praias
Desejosas de ouvir nossos amantes
E com eles ter prazo de recreio;
Apenas, longe em longe, a Elpino, a Alfeno
Na frase de CAMÕES, teu valido
Ouvimos Portuguesa melodia,
Imitada dos nossos bons Cantores,
Das eras de ouro da grandeza Lusa.
Com capelo farrusco se cobriam
Longas orelhas barricais, que agora
Abanam com descoco, e afouteza
À sombra de pedantes enrufados
De angoiado saber, que tem diante
Por guias uns fulanos, que furtaram
Ou quiseram furtar pela sorrelfa
O Bastão comandante que empunharam
CAMÕES, Barros, Ferreira, Arrais, Lucena.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
FRANCISCO MANOEL DO NASCIMENTO
(Fragmentos de Poesias . . .).
(Mais Poesias . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 19).
▬▬▬
José Blanc de Portugal
*
Passaste fome.
Dizem alguns que de tua vida comem
Vermes parasitas que vivem de inventar as tuas histórias . . .
Talvez um dia neles a mutação se opere
Quando os bichos mudem de alimentação e
Passem a roer a tua obra
E não a tua morta vida terrestreal.
-
Ah CAMÕES! Luis Vaz, se visses
Como os vermes pastam tua glória
Por um que arme apenas tua obra
Quantos te inventam a vida passada
P'ra explicar versos que não sentem
Ou sentem tão à epiderme
Que precisam de outra história
Que não a das palavras que escreveste!
-
Também eu li demais a tua inventada vida:
Tudo quero esquecer p'ra mais lembrar
Que a poesia é só a tua glória
Eterna vida é só a tua poesia
E a vida que viveste é morta história.
*
JOSÉ BLANC DE PORTUGAL
"Camões"
Descompasso
(Mais Poemas . . . "Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 160).
▬▬▬
Ignacio Raposo
*
Pinta-me, ó Tejo! . . . Sobre as aguas tuas
o egregio vulto de CAMÕES, fitando,
Nas frescas tintas do arrebol de Gôa,
A eburnea imagem de Nathercia, urdida
Por varias nuvens, como a Virgem Santa.
Falla-me em tudo que entre nós fascina
O gosto e o coração; no flebil canto
Do inspirado Felinto, honrando os versos
Do rico Elmano que se fez na Arcadia;
Tambem recorda aquelle vate ingente,
Garrett, que soube levantar do olvido
Da media idade os romanceiros d'oiro
Em que refulgem peregrinas gemmas.
Santo berço de amor! Bem como a ideia
Dos grandes homens um sacrario attinge
No inquebrantavel coração dos posteros,
Assim do meu, receberás um culto,
Pois sinto amar-te sem ter visto, nunca,
Teu lindo aspecto, arrecadando as aguas
Do Jarama a florir por entre ilhotas
Que lembram cestos de alecrim boiando,
A lympha azul do Guadarrama e o fluido
Crystal do Alperche, do Alagon, do Zezerre,
Profundo rio de encantadas ondas
Que lá das torres do Almourol se avistam.
*
IGNACIO RAPOSO
"A Promessa do Emir"
Terceiro Canto
(fragmento, II)
Tomada do Almourol
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 166).
▬▬▬


"Camões"
Pintor, António Soares
1894/1978, Portugal.

Francisco Pinheiro Caldas
*
CAMÕES! teu nome inscripto nas magestosas paginas
Do livro do infinito, padrão é sem rival,
Que a ti proprio levantas, astro bilhante e rutilo
Que ornaste de mil lumes o ceu de Portugal!
-
Poeta, a tua patria foi teu encanto magico;
Teu anhelo constante d'horisontes sem fim;
A patria foi teu sonho formoso, o sonho lucido,
Que sonhaste entre as flores de poetico jardim.
-
Da patria o amor sagrado tua alma inspirou férvida;
Na tua mente a ideia brilhante s'inflammou;
Por ella aos astros sobes, e lá n'um vôo rapido
Concebes o «poema» que os mundos assombrou!
-
Guerreiro, em tua dextra do gladio a fria lamina
Luziu em mil batalhas . . .Ralado de paixão,
No fogo dos combates, longe, no solo indico,
Soffreste quanto póde soffrer um coração!
-
Oh, Nathercia! Oh donosa visão! tu foste o ídolo,
A fada inspiradora, puro archanjo sem veu,
Que em risos lhe apontaste, na luz d'um sonho ephemero,
As glorias cá da terra, nas esperanças do ceu!
-
As glorias cá da terra . . . pobre de ti, oh mísero!
Bem funestas a sorte, mais tarde, t'as mostrou:
- Aquele genio ovante, pasmo eterno dos seculos,
Nas palhas da miseria negro o pão esmolou!
-
CAMÕES, já moribundo, só topa abrigo unico
Na enxerga crua e pobre d'um gélido hospital . . .
E n'um lençol envolto, sem ter mortalha funebre,
Á terra desce o Genio maior de Portugal!
-
CAMÕES, perdôa á patria! Rojada ante o patibulo,
Antevendo as algemas d'um cruel oppressor;
A patria agonisante, sem disputar seu tumulo
Nem teve a consciencia sequer da tua dôr!
-
CAMÕES, perdôa á patria! Já lhe basta anodoa livida
Das cadêas, que os pulsos lhe roxeiam: - faz dó
Vel-a escrava curvar-se, sem força, aos pés d'um despota,
Que lhe escarnece as glorias, rojando-lh'as no pó!
-
CAMÕES, perdôa á patria! De novo o astro bellico
Da independencia raia, fulgente, inda uma vez;
Á voz de «Guerra» a patria, brandindo a espada, ergue-se
Soltando, livre, aos ventos o pendão portuguez!
-
Victoria grandiosa, poema de mil canticos,
Que fama decantára, que a Europa decorou!
Gigante monumento, do qual a erguida cupula,
Passando além das nuvens, nas espheras tocou!
-
Já livre a heroica patria, CAMÕES, teu nome egregio
Ás gerações futuras. passará como um Deus;
Allumiando as eras, ti foste o raio esplendido
Que o espaço atravessando deslumbra terra e ceus!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
POETA! ante o teu solio real deponho, extatico,
O canto que te sagro, Monarcha das canções.
Que valem regios mantos perante a tua purpura?
Curvae-vos, reis da terra, curvae-vos a CAMÕES!
*
ANTÓNIO PINHEIRO CALDAS
"A Camões"
Poesias
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág.160).
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Luís Delfino
*
Devias ter colhido estrelas luminosas
Para fazer o fogo enorme e criador,
E o bronze preparar das formas grandiosas
Da estátua do feroz e horrendo Adamastor.
-
Devias ter bebido às curvas graciosas
Do céu o leite doce e cheio de vigor
Que sai dos seios nus das cintilantes rosas,
Para pintar Inês - a pérola do amor.
-
Devias ter sorvido as lágrimas da aurora,
Para a Vênus gentil pintar, quando ela chora
Pertubando no Olimpo os deuses imortais.
-
Mas para encher de sóis teu canto imorredoiro
Devias ter roubado ao Deus a pena d'oiro,
Com que ele pinta o azul a traços colossais.
*
LUÍS DELFINO
"A Luís de Camões"
Algas e Musgos
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa" pág. 161).
▬▬▬
Gomes Leal
*
Este vulto, portanto, que caminha
Altas horas, ao frio das nortadas,
É CAMÕES que se definha
Nas ruas de Lisboa abandonadas
É CAMÕES que a sorte vil, mesquinha,
Faz em noites de fome torturadas,
Ele o velho cantor de heróis guerreiros! . . .
Vagar errante como os vis rafeiros.
-
Morreu-lhe o escravo, o seu fiel amigo,
O seu amparo e seu bordão no mundo.
Morreu-lhe o humilde companheiro antigo,
No seu vácuo deixando um vácuo fundo
Hoje, pois, triste, velho sem abrigo.
faminto, abandonado e vagabundo,
Tenta esmolar também pelas esquinas,
Ó lágrimas! Ó glória! Ó ruinas . . .
*
GOMES LEAL
"A Fome de Camões"
A Fome de Camões
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 162).
▬▬▬
Horácio Costa
*
vivo conhecias o conductor do bonde amarelo
que do Rossio te levava até Belém sem pressa
quando a sorte do Império meditar querias
e não te enquadravam os sonhos a Cidade
que deságua entre ruas e colinas transparentes
e querias ver rio e mar juntos sem recortes
e te propunhas ser marinheiro momentâneo
em busca de uma sensação determinada
embora inútil e caprichosa e o soubesses
de desmembrar espaço e tempo a céu aberto
como se nada houvesse afora os monumentos
e então delimitasse a busca mesma e percebesses
por que estar entre esplanadas brancas e cinzentas
como estas nuvens de chuva que vêm d'África
por que existirem altos personagens e seus ecos
e este bonde lotado e amarelo . . . este sorriso
a te saudar contente . . . sorri larval e lunarmente
tocas o chapéu . . . e o mundo se põe em movimento
-
vens pelas Janelas-Verdes e sacolejam as palavras
o Rio permanece feito quimera descontínua
que dança entre o agora e um nunca mais que te perseguem
no ar vês pontos que refutam os passageiros
que suam contigo neste palrar de meia-encosta
teu nome gritado nos molhes cruza a umidade
narrado por polias guindastes cabos oleados
num trabalhar que sabes tu conjuga vida e morte
e a disseminação de portos continentais no presente
então é a História que te espreita a cada esquina
com apatia de rameira apaziguada . . . . "livre está
quem vive e molda o Mito segundo suas metáforas"
isto pensaste mas quem pensou em ti já Mito é
ruminaste até as gengivas as palavras liquefeitas
que à pele se te aderem com firmeza de ventosa
cuja insistência solapa tua sonhada liberdade
de ser plural e dividir-se a solavancos da matéria
para dispor da identidade como deuses . . . .e poetas
parou o bonde . . . . subiram escolares .. . . .estamos em Alcântara
-
imagens o primeiro passo que darás em terra firme
quando a viagem até Belém te houver levado
de ti emergem raptos como sulcos ribombantes
demolições silentes minadas desde adentro
visões calmadas de um encontro a corpo inteiro
com a aldeia arborescente preservada em sua redoma
cujo arredor sempre habitaste atrás de tuas retinas
percurso permanente a definir teu horizonte
percurso abstrato e aldeia prometida em cada esquina
sob o espectro da Cidade a flor do Rio o Mar a pino
e a gens que nos confins multiplica aldeias outras
falas sim . . . .balbucias algo a teu vizinho de assento
que te incomoda com o alarde de saber algo de Dante
ponto final . . . tua gabardine ondula ao vento
matriz de anonimato sem dar-te conta saltas
não como imaginaste do Leste aos Elísios
mas como animal abandonada à própria sina
um largo se espraia com umas casas apertadas
quase de encontro à angulosa mole do Mosteiro
-
instantânea te surpreende esta tormenta . . . não trazes
oh Fernando o guarda-chuva . . . e meditar vieste
pingos como balas . . . rajadas como aves de rapina
vês a Torre borrar-se por detrás do aguaceiro
molhou-te a chuva os óculos . . . . estás bem encharcado
remédio não tens afora procurar refúgio algum
lá dentro onde no escuro distendidos já te esperam
o teu super-CAMÕES o Gama incólume . . . .e talvez
o sacristão das três da tarde . . . estas colunas vê
e o bolor de gerações inala . . . .chuva do tempo
que pelas frestas dos portais penetra . . . .que no claustro
pelos cantos a sós assobia . . . .que os ossos afeta
nas marmóreas tumbas . . . .estás só e já se vai a luz
elétrica . . . .te seqüestrou a tarde nos Jerônimos
Lisboa parece agora mais remota que Nanquim
e uma sopa seria suprema bendição divina
paciência e um novo motto a situação requer
enquanto desaba a chuva tão inesperada
e em sotto-voce e não no Império a pensar começas
-
morto aniversário cumpres como qualquer vivo
destes que aqui se acumularam para ver-te passar
sobre um tanque de guerra . . . .carregado por soldados
com ombros de Viriato . . . vestido teu caixão
co'as Cinco Quinas solene é o momento pr'a assistência
"a morte desenha o perfil dos grandes homens" dizem
aqueles que por direito próprio a vida organizam
dando-lhe a forma que tu bem conheces . . . os que vertebram
o Homem e lhe receitam a História como remédio
para os males todos e o pulso lhe auscultam cada dia
os que nos teus ombros batiam tão fraternalmente
e à solapa teu hábito ao saíres comentavam
aqui estão digladiando-se uma suculenta
litania de decorosíssimos elogios
e uma compunção mesmo sincera quando é sentida
para prestar homenagem ao arquétipo que foste
malgrado teu talvez . . . .para eles a Belém voltastes
e por haver uma lógica terrível em tudo isto
sorris ou dás de ombros? . . . e tudo é ultraje ou cumprimento?
-
Hoje não chove . . . . festa boa é assim quando é perfeita
flores no lugar das flores e os convidados em seu lugar
nem muito nem pouco querosene para a chama eterna
que eternamente deve arder entre púlpito e altar
na nave cad quem quer ocultar sua função
o discreto exibicionismo se ostenta gris
um homem sem cara entre os outros e encharcado
(por que não?) mentalmente repete-se questões
a ironia é serpente de mil plumas . . . maçã cruel
a vaidade que mata o bicho que dela se alimenta
poesia não é moral . . . . melhor um panteão
que um mercado . . . e um mercado que um canhão . . . .uma homenagem
que reunida troca a assistência na porta do Mosteiro
sai com os demais o homem que só não é gris por estar
molhado . . . .em seu assento sobra uma poça d'água
inofenciva . . . que o vento em seu contínuo ir e vir
e sem pensá-lo . . . se encarregará de evaporar.
*
HORÁCIO COSTA
"FP(Fernando Pessoa) entra ao Jerónimos"
Satori
(Mais Poemas . . . "Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa" pág. 166).
Euclides Cavaco
*
Ser Português
É amar a Pátria Portuguesa,
É te-la sempre presente
É gostar, com muita firmeza,
Das nossas coisas
E da nossa gente.
-
Ser Português
É vibrar de emoção
Ao descobrir,
Entre mil bandeiras,
Desfraldadas ao vento,
A bandeira da Nação.
-
Ser Português
É ter orgulho da nossa história
E dos nossos antepassados.
É dar testemunho,
De tudo o que somos
E com muito prazer
Nos sentimos honrados.
-
Ser Português
É entoar com emoção
O nosso hino e as nossas canções
E sem apreensão,
Cantar . . . falar . . .ou rezar,
Em qualquer parte . . . sem hesitar
A lingua de CAMÕES.
-
Ser Português
É, ser diferente,
É ter ALMA LUSÍADA
É saber estar ausente . . .
E em qualquer lado,
Gostar de tudo
O que evoca a Pátria
E nos inspira amor
A esse cantinho
À beira mar plantado! . . .
*
EUCLIDES CAVACO
"Alma Lusíada"
(Mais Poemas . . . "Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 157).
▬▬▬
Theophilo Braga
*
. . . Os poetas, nas epopêas eternas, áquelles que serviram
a justiça deram-lhes a immortalidade subjetiva do espirito,
perpetuaram-lhes a existencia na memoria tradicional
dos povos; foram-os "da lei da morte libertando", como com
tanta verdade exprimiu CAMÕES. . . .
. . . .OS LUSIADAS elaboraram-se ao terminarem as hostilidades
guerreiras da Cavalleria feudal, e no inicio da éra pacifica
do trabalho, pela posse pacifica do planeta, na circumducção
do globo, e começo do concurso affectivo para a subordinação
da Natureza pela direcção espiritual da Sciencia . . .
*
THEOPHILO BRAGA
"Poemio" (Fragmento)
Viusão dos Tempos
*
A noite era de calma. Pelo oceano,
Nas alturas do Cabo das tormentas,
Vinha a Náo Santa Clara a todo o panno;
As riquezas que trago, são sedentas.
Saudades, esperanças, dôce engano
De vir morrer na Pátria! Como lentas,
Na saudade que amarga me pungia,
Correm as horas d'esta travessia!
-
Contemplava sereno e merencorio
Phosphorescencias da onda arrebentada
Contra o fronteiro enorme promontorio,
Espalhando luz vaga de alvorada,
Que aos contornos do Cabo Tormentorio
Dava a figura tétrica, alongada
Como um gigante pelos mares fóra,
Cuja falla era o vento, a onda sonora!
-
Oh, não, que eu das procellas o horror tema;
Mas vi com realidade essa figura
De Adamastor, que vive do meu Poema
Na sentida e inda não vista estructura!
Do Tenebroso Mar traçando o emblema,
Mal pensava eu que a rapida pintura
Se ergueria ante mim, dizendo cousa
Que só entende o Poeta que tudo ousa:
-
"Vae, Cantor! annuncia nos teus versos
Que do Mar Tenebroso acaba a lenda!
Esse Mar, que com impetos adversos
Aos Phenicios audazes fecha a senda;
Esse Mar, que ao vigor dos Lusos térsos
Os ultimos cancéllos lhes desvenda,
Para abrirem perante a Humanidade
Campo mais vasto no orbe á actividade."
-
"Das antigas Charybdes e Scylla
Symplégades, maritimos mysterios
Com que o medo as coragens aniquila,
Ante a Sciencia cairam taes imperios!
Magalhães, meteoro que desfila,
Do planeta circumda os hemispherios!
Para quê, de hoje em diante, este cansaço
De embaraçar á Humanidade o passo?
-
" Hoje, em vez de terrores e ameaças
De naufragios, mortes e lamentos,
Fomes cruentas, miseras desgraças,
Vaticinadas com rancor aos ventos,
Eu hoje vos saúdo, oh gentes lassas
Que sem saber, seguís os lineamentos,
servindo mais a Patria do que a gloria,
Da evolução esplendida da Historia.
-
A ti, Cantor das Navegações grandes,
Tambem venho saudar-te na passagem!
Que importa, que á desgraça vergado andes,
Vindo encontrar ao termo da viagem
Odios, invejas, sem que nunca abrandes
Injustiças, dos genios homenagem?
Que roubados os versos teus na côrte,
No catre do hospital aches a morte?
-
"Que importa? se o Pregão eterno levas
Do immorredouro nome glorioso
Da Patria, por quem soffres ancias sévas,
A que, em Mediterraneo assombroso
Converteu esse antigo Mar das Trevas,
Que o velho mundo encara temeroso,
Sendo as margens de um lado África, Europa,
Nas Americas ambas do outro tópa!
-
Se o pequeno Mediterraneo teve,
Como nas margens de um ingente lago,
As Civilisações que mal conteve
Do Egypto, Phenicia e de Carthago,
Da grecia, astro que fulge intenso e breve,
E de Roma, das gentes duro estrago;
N'esta orla de um maior Mediterraneo
Que fóco á cultura abre-se espontaneo?
-
Então, em vez de guerras dos Estados
Uns contra os outros, na brutal fereza
Destruidos, mesquinhos, atrazados,
Brotará a pacifica riqueza!
Os productos da Industria são trocados,
Rasgando ao velho mundo a estreiteza!
D'este Mediterraneo sobre a borda
Á Paz perpetua a Humanidade acorda.
-
Se as Civilisações velhas se apagam
Nos seculos, como isolados pharos,
Novos fachos de luz a terra alagam,
Impereciveis, sendo menos raros;
E de um ao outro pólo se propagam
Succedendo-se vívidos, mais claros,
Activando o concurso consciente
Sobre o Mediterraneo do Occidente!
-
Vae, Poeta! Crê na visão futura,
Que te compensa das acerbas ruinas;
Na Patria, achas tristeza vil, escura,
Hãode ir na servidão rojar-se as Quinas;
Mas, perenne na historia, ella fulgura
Entre as Nações fecundas, peregrinas,
Patria iniciadora da grande Era
Da Paz, que ha tanto a Humanidade espera"
. . . . . . . .
Era a noite de calma. Em largo esteiro
A Náo segue cortando a onda mansa;
No promontorio asperrimo, fronteiro
Clarão austral diaphana luz lança,
Como que tendo a intuição, primeiro,
Que implicita contem: Boa Esperança!
E comprehendi, que o meu Pregão paterno,
Cantando a nova Edade é que era eterno.
*
THEOPHILO BRAGA
"Camões"
Visão dos Tempos
*
Quando CAMÕES cumpria a desastrada sina,
E naufrago se viu no immenso mar da China,
A nado se salvou na foz do rio Mecon;
Trazia inda alagado o Poema, excelso dom
Onde as Navegações, triumphos e revezes
De um punhado de heroes, os fortes Portuguezes,
Que dispersos no orbe os une o amor sem quebra
Da Patria idolatrada, o Cantor concelebra.
-
Sentar-se o Poeta foi nas ruinas estupendas
De Angor, aonde chegou por ignoradas sendas,
Absorto na mudez da grande alma que sinta
Maravilhas da Civilização extincta!
E mesmo indifferente á miseranda sina
que o persegue, de Khmer ante assombrosa ruina.
-
E em quanto respirava ali brisas quentes
Que trazem lethal febre e prostram os valentes,
O Cantor retocava e Epopéa não vista.
Chegou-se a elle então Peregrino buddista,
Que attrahira a voz que a soidão declama,
E depois de escutar as estrophes, exclama:
-
"Ó poeta! a India tem a Epopéa sublime
Do Ramáyana! o som de uma estrophe redime
O sudra; ao mais abjecto escravo fal-o homem,
Que este supremo dom os teus canticos tomem!
-
Se a tus Patria fôr vendida, e mergulhada
Em cativeiro vil, do abysmo alevantada
Será por esse Canto, immenso, audaz e bravo;
Quem o sentir, sacode as algemas de escravo.
-
E a Civilisação do remoto Occidente
Vendo hoje o homem vencer a Natureza ambiente,
Consagre esta Epopéa á pacifica edade,
O pregão triumphal que solta a Humanidade."
Fosse halucinação ou intima consciencia,
Tal benção deu ao Poeta a nobre complacencia,
E do animo sereno a bondade insondavel,
Com que elle supportou, naufrago e miseravel,
As infectas prisões, os injustos castigos,
A fome, a solidão, ingratidões de amigos,
E contra a gloria sua o roubo e desacato,
E por fim o estertor do hospital n'um grabato.
*
"Camões na Gruta em Macau"
Pintor Francisco Augusto Metrass, 1825/1861, Portugal
"Museu de Arte Contemporânea" Lisboa, Portugal

THEOPHILO BRAGA
"Sagração da Epopéa"
Visão dos Tempos
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Língua Portuguesa" pág. 130).
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António Correa de Oliveira
*
Meu nobre Camarada de Além-Morte:
Quando passaste n'esta escura vida,
Encheste da Nossa Alma, engrandecida,
Um bronzeo livro universal e forte.
-
Mas, se vivêras hoje, que outra sorte,
Amogo, a da tua arte! Amortecida,
Vae-se a Nossa Alma heroica, foragida
Como nevoa da tarde ao vento norte . . .
-
Foi grande a vida que viveste; e grande
Tua eterna epopeia, onde se expande
A Pátria antiga, o mar das maravilhas.
-
Fechaste a Raça num Poema. E o Amor?
Sendo o Infinito e Deus, o Bem e a Dôr,
Onde te coube? - Em duas redondilhas.
*
ANTONIO CORREA DE OLIVEIRA
"A Luis de Camões"
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa", pág. 156).
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Mario Beirão
*
Rezo a Epopeia de CAMÕES, Medito . . .
A voz do Tempo o meu silencio invade;
Erro na minha ausente humanidade,
Em noite de memorias resuscito!
-
Vago no Mar, nas sombras do granito:
- Genio de aguia a viver na tempestade . . .
Meus olhos espectraes de Eternidade
Rasam visões, deliram Infinito.
-
A sombra duma Raça se projeta
A dentro em mim; resurjo d'Alem-Mundo,
Martyr e Santo, Cavalleiro e Poeta!
-
Trancendo luz: a sombra em luz commôvo;
Liberto a Morte ás penas do Profundo;
Commungo Deus ao resgatar um Pôvo!
*
MARIO BEIRÃO
"Rezando Oitavas"
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa" pág. 160.
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Carlos de Oliveira
*
Batia de silencio a tarde no pinhal . . .
- Ramaria de sombras - mão erguidas . . .
Em mystico transporte.
Os pinheiros dobravam seu perfil de morte . . .
Ungiam a penumbra . . .
E comovidas
Caíram as mãos-postas de Izabel,
Que nos deslumbra . . .
Invoca a mysteriosa Cathedral:
- Oh pinheiros feridos de divino!
A cantar vai
A Mulher portugueza
Vosso maritimo destino . . .
Nas águas a Penumbra da madeira
Será Nau derradeira
Onde se esvai
A Saudade Lusiada em Tristeza . . .
Ergue-te, originaria Cathedral!
Duma Raça maritima a rezar!
PORTUGAL! PORTUGAL!
Missa Cantada!
Nau evocada! . . .
-
Orgão do Mar,
O vento ecôa trágico na rama
Que toda num delirio se inflama,
A perfeição de côr,
No incendio doirado do Sol-por . . .
Esgarça-se a neblina,
A diluir incenso . . .
- Olor, olor . . .
E na divina,
Apenumbrada boca de Izabel
Esfuma-se um imenso,
Cósmico sonho,
A rasgo de pincel
Transfigurado nessa mesma côr,
Em que meus versos mysticos componho . . .
E de repente esvoa-se a Rainha
Em fumo aristocratico . . .
Silencio . . . vai fallar . . . dobra-se a Tarde!
O vento de calado, esmoreceu . . .
No calvario - crepusculo o Sol arde!
- Divina ladainha.
A evocação da Santa . . .
O mar, de extatico,
Desvairou longes pálidos de Céu . . .
- PORTUGAL! PORTUGAL!
Modela tua Alma de mysterio
Na penumbra bendita do Pinhal!
Saudade o Mar encanta
E fere-o
De longinquos rosarios d'orações . . .
-
Na alma de Izabel
Tocou em Sonho a lyra dum CAMÕES
*
CARLOS DE OLIVEIRA
"Evocação Profética"
Rosas Lusíadas
▬▬▬
Murilo Mendes
*
Sim: lavrador da palavra
Teto e pão da nossa língua
-
Desde meninos mamamos
Nos rudes peitos da Lírica
-
Livro central semovente
Que parte do paticular
-
Até investir o alto cume
De onde o Todo se contempla.
*
Na tua página o movimento
Rotação do substantivo
-
Sustentado pelo verbo.
Provocas a transformação
-
Da antiga cítara em orgão,
Mudando-se o eco em grito.
-
Levantam-se os versos
nervos
Ligando a estrutura sólida.
-
Homem de carne e sentidos
Teu elenco de femininos
-
Se enriqueceu a vicenda
De Natércia a Dinamene
-
Diretas participantes
Ou mesmo oblíquas da outra
-
Epopéia inda mais dura
Do que a marítima: Eros.
*
Só italiano e platônico?
Não, português e ecumênico.
-
A ti lavrador da palavra
Que herdaste dos pluravós
-
Juntando-lhe a experiência
Da tua tensa humanidade
-
A ti lavrador da palavra
Teto e pão da nossa língua.
*
MURILO MENDES
"Milograma a CAMÕES"
Convergência
▬▬▬
Manuel Bandeira
*
Quando nalma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.
-
Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado . . . Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande Pátria Portuguesa.
-
E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente.
-
Não morrerás, sem poetas nem soldados,
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.
*
MANUEL BANDEIRA
"A Camões"
A Cinza das Horas
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Lingua Portuguesa" pág. 181).

*
Torquato Tasso
Vasco, de quem o mastro audacioso
de encontro ao Sol que nos retraz o dia
as velas desfraldou, e que volvia
de onde só há naufrágio desastroso.
-
não mais, por ti, de um oceano alteroso
triunfa o que ao Ciclope impôs mestria,
nem o que na caverna entrou da Harpia,
nem mais merecem verso numeroso.
-
E agora que do LUÍS agudo e culto
tão alto se alça o voo sublimado
que tua quilha não mais longe atinge,
-
pra quantos cobre o nosso pólo o vulto
e os que do oposto os astros hão fitado,
o Louro é del' com que te a Fama cinge.
*
TORQUATO TASSO
1544/1595, Itália
Soneto
"Em louvor do Senhor Luís de Camões, que escreveu
em Língua Hispânica da Viagem de Vasco"
*



"Requiem",
 missa fúnebre, homenagem a Camões.
Compositor, João Domingos Bomtempo, 1775/1842, Portugal.



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