terça-feira, 5 de maio de 2009

146 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


LUIZA NETO JORGE
Maria Luiza Neto Jorge
Nasceu, 10 de maio de 1939, signo de touro,
em Lisboa (antiga "Olissipo"), Portugal.
Poetisa, licenciou-se em Filosofia Romântica, 1968,
na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Portugal.
Morou em Paris, França . .
Faleceu em 1989.
*
CANTOePALAVRAS
A Noite Vertebrada,1960; Quarta Dimensão, 1961;
Terra Imovél, 1964; O Seu a Seu Tempo, 1966;
Dezanove Recantos, 1969; Os Sítios Sitiados, 1973. . .



 "Meu Jardim" Foto LuisD.
*
I
Aquilo que às vezes parece
um sinal no rosto
é a casa do mundo
é um armário poderoso
com tecidos sangüíneos guardados
e a tribo de portas sensíveis.
-
cheira a teias eróticas. Arca delirante
arca sobre o cheiro a mar de amor.
-
Mar fresco. Muros romanos. Toda a música.
O corredor lembra uma corda suspensa entre
os Pirinéus, as janelas entre faces gregas.
Janelas que cheiram ao ar de fora
à núpcia do ar com a casa ardente.
-
Luzindo cheguei à porta.
Interrompo os objetos de família, atiro-lhes a porta.
Acendo os interruptores, acendo a interrupção,
as novas paisagens têm cabeça, a luz
é uma pintura clara, mais claramente me lembro:
uma porta, um armário, aquela casa.
-
Um espelho verde de face oval
é que parece uma lata de conservas dilatada
com um tubarão a revirar-se no estômago
no fígado, nos rins, nos tecidos sangüíneos.
É a casa do mundo:
Desaparece em seguida:
*
LUIZA NETO JORGE
"A Casa do Mundo"


*
II
a porta roda ao invés da lua
a porta roda bússola enterrada ao invés dos olhos
a porta geme é um cão noturno
a porta geme extinta na trela da noite
a porta areia
a porta caruncho pária de mar
a porta maré que vem e que vai que bate e que fecha
a porta com máscara de morte
a porta sem sorte
a porta joelho na alma das portas
a porta mulher da casa de passe
a porta manchou a manhã com grito de porta
a porta enforcada no mastro de casa
a porta por asa
a porta roda
a porta sexo a vida toda
a porta tosca da madrugada pregos são estrelas mortas
a porta pregada
a porta leilão
a porta batente a porta aranha por coração
a porta tu
a porta eu
a porta ninguém na terra pequena
a porta roda
a porta geme
a porta facho
a porta leme.
*
LUIZA NETO JORGE
"A Porta Aporta"
*
III
A geometria lembrou-se na escola
no fundo quadrado da sacola de pano
gato com olhos redondos
tamanho aborto de esferas
Maçã losangada num prato rectângulo
do quadro negro branco e negro de linhas
O menino que vive dentro de nós
roubou o giz da caixinha
do professor quadrado sagrado
-
E pintou os olhos do gato de todas as cores do giz
e pintou a maçã de todas as cores
e pintou o prato de todas
-
pintou também pintou
o professor todo de negro
e deixou-o emoldurado de quadro
para outros meninos que vivem dentro de nós
escreverem geometria sem alegoria
-
Depois há o homem que vive dentro de nós
Isto é memória irrisória e é história
O tal homem que vive dentro de nós
dança em cima bárbaro
das três dimensões
comprimento largura e altura
das esquinas do hospital de santa maria
dos passeios de certos desertos
do cristo de braços abertos
do obelisco ao herói que morreu
da igreja onde a ave não pousa
da avenida tangente à avenida
da rua sem subida nem descida
do risco da tinta da china
da árvore sem dedos
da erva sem árvore
-
Ri-se ri ri
Nada é possível com três dimensões
nada é possível aos aviões
nem cair nem voar nem estoirar
muito menos aterrar
nada é possível aos pulmões
entre inspirar e expirar
-
Ao homem que vive dentro de nós
esgotou-se o giz de cor
louvado não seja nosso senhor
-
e o homem que vive dentro de nós
procria o grito amarelo
o passo do espaço o espaço singelo
o choro vermelho
o filho dicéfalo o herói que não fala
o caleidoscópio o satélite artificial
o etecetera e tal
a periférica luz
a cruz em cru
o Sol sem paredes
o vós quando lerdes
a quarta dimensão.
*
LUIZA NETO JORGE
"Quarta Dimensão"
*
IV
O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede
-
até à queda vinda
na lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vênia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma
*
LUIZA NETO JORGE
"O Poema Ensina a Cair"
O Seu a Seu Tempo
▬▬
NATÉRCIA FREIRE
Nasceu em 1920, em Benavente, Província do
Alentejo, Portugal.
Poeta, participou em diversas revistas e jornais . . .
Homenagens: Foi Instituido o Premio "Natércia Freire".
Ganhou os Premios "Antero de Quental", 1947 e 1952;
"Ricardo Malheiros", 1955; "Nacional de Poesia", 1971.
Faleceu 19 de dezembro de 2004.
*
CANTOePALAVRAS
Castelos de Sonhos, 1935; O Meu Caminho de Luz, 1939;
Estátua, 1941; Horizonte Fechado, 1942; A Alma da Velha
Casa(contos), 1945;Rio Infindável, 1947;
Anel de Sete Pedras, 1952; Infância de que Nasci(prosa), 1955;
Poemas, 1957; Não Vás, Minha Gazela(novela), 1957;
Os Intrusos, 1971 . . .
*
I
Longe o Tempo. Lento o som.
Canto de ave no Destino.
Pássaro Azul não voltou.
Longe o Tempo. Lento o som.
Lento e fino.
-
Outros dirão: - Estou aqui,
sobre a terra a olhar o Céu.
Entre os dois eu me perdi . . .
Não sou eu!
-
Outros dirão: - Conquistei,
sofri, lutei, toco o fim . . .
Em todos me dispersei.
Que é de mim?
-
Mãos de neve, mãos cansadas.
São, nostraços, de adivinhas;
já desfeitas entre o pó
- que é das minhas?
-
Solto olhos viajeiros,
nos voos da maré alta.
Que é da frota marinheiros!
que me falta?
-
Outros dirão: - sou feliz!
Nas grandes tardes de amor,
os caminhos que desfiz,
sei de cor.
-
Ninguém pense mais que existo
dentro da minha unidade.
Meu poeta Jesus Cristo!
dá-me a tua imensidade.
-
E quem me pisar, não saiba
que um corpo pisou no escuro.
E quem me bater, não veja
que eu era a sombra do muro.
E quem me sofrer, não sinta,
que eu sangrava em sua dor.
E quem me beijar, não minta,
que eu sou rastro do Senhor.
-
Longe o tempo. Lento o som.
Canto de ave no Destino.
(E o meu destino era bom!)
Pássaro Azul não voltou!
Longe o Tempo. Lento o som.
Lento e fino.
*
NATÉRCIA FREIRE
"Pássaro Azul"
Anel de Sete Pedras
*
II
Loira Lisboa, amolecida e calma,
com vitrines de Sol pelos passeios
e as avenidas com passeios de almas.
-
As tardes castas. E nas sombras mansas
nem há crianças
a brincar na rua.
-
Céu rosado, menino, Céu de bruços,
a escutar os soluços
da Terra morna e nua.
-
Nas matas presas pelas sombras finas
ninguém achou as sinas
traçadas no chão brusco . . .
-
Nem os olhos das casas, aos domingos,
espreitando ao lusco-fusco . . .
-
erguida a noite sobre o chão brilhante
- as estações morreram com a nortada -
não há pomba, nem luz, nem viajante,
que pare na pousada.
-
Nas praças largas a abraçar fantasma
ficaram os pedintes de amargor.
Pés brancos, enterrados pela água,
e as mãos pendentes, pelo céu sem cor.
-
Entre a música eterna da saudade
os rios vão de corações abertos.
Ao longe,
Búzios a chorar jardins.
Ao perto,
estátuas a sonhar desertos.
*
NATÉRCIA FREIRE
"Música"
Horizonte Fechado
III
- Onde Estás tu, ó minha dor tão grande,
que te procuro e não te encontro mais?
Sem ti ando vazia! E, por engano,
colei, com sede, a boca aos areais . . .
-
Pisei a terra negra a procurar-te
e julguei-te no risco duma asa
e beijei-te, enganada, numa ferida.
E - tão longe! - na dobra dos pinhais,
e - tão perto! - na bruma estarrecida!
-
- Onde estás tu, ó minha dor, aonde?
Que nem vento, nem calma, nem esplendor
de Sol e neve, me falou de ti?
Quem responde ao meu grito? . . . Quem responde?
(Ágil, subtil e mansa, ela se esconde.)
Ó minha dor, como é que te perdi!?
-
Corpo sem alma, à luz da madrugada,
os carreiros passaram,
me pisaram
e cantaram
seus cantos de planície . . .
O seu suor doirou-me a pele doirada,
e ali me sepultei.
Agora que estou morta, não me acordem,
que o meu sono é de espumas e saudades,
de folhas mortas derramando cinza.
-
A dor partiu . . . Os sonhos já não mordem
o meu louco desejo!
-
Corpo sem alma, à luz da madrugada,
os carreiros passaram,
me pisaram
e cantaram
seus cantos de planície.
O seu suor doirou-me a pele doirada.
Encheram-me de terra a boca ardente.
Deitaram tojos no meu leito pobre
e deixaram-me assim, à noite e ao dia!
-
E agora que sou eu?
Que ela não venha!
-
- Enrolada na manta de estamenha,
a minha dor já não me conhecia!
*
NATÉRCIA FREIRE
"Sózinha"
Horizonte Fechado
▬▬
IRENE LISBOA
Irene do Céu Vieira Lisboa
Manuel Soares; João Falco; Maria Moira (pseudônimos)
Nasceu em 1892, Casal da Murzinheira, Arruda
dos Vinhos, Portugal.
Professora, poeta, pedagoga.
Estudou na Bélgica, França, e Suíça . . .
Participou em vários jornais.
Homenagens: Após morte, "Fundação Irene Lisboa", 1988,
Federação Nacional de Professores de Portugal;
Museu "Irene Lisboa", Arruda dos Vinhos;
Jogos Florais "Irene Lisboa", Arruda dos Vinhos;
Instituído o Premio em 2008 "Irene Lisboa"
Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos, uns dos
contemplados João Negreiros. . .
Faleceu em 1958.
-
CANTOePALAVRAS
13 Contarelos, 1926; Um Dia e Outro Dia . . .
Diário de uma Mulher (João Falco, pseudônimo), 1936;
Outono Havias de Vir Latente Triste (João Falco), 1937;
Folhas volantes (João Falco, pseudônimo), 1940;
Começa Uma Vida (João Falco) (prosa), 1940;
Voltar Atrás Para Que? (prosa) . . .
*
I
Deste lado oiço gotejar
sobre as pedras
som da cidade . . .
do outro via a chuva no ar
perpendicular, fina,
tomava cor,
distinguia-se contra o fundo.
-
Das trepadeiras do jardim
no chão, quando caía
abria círculos nas pocinhas brilhantes,
já formadas?
Há lá coisa mais linda
que bater de
água na outra água?
-
Um pingo cai
e a forma uma rosa . . .
um movimento circular
que se espraia,
Vem outro pingo
e nasce outra rosa . . .
e sempre assim!
-
Os nossos olhos desconsolados,
sem alegria nem tristeza,
tranquilamente
vão vendo formar-se as rosas
brilhar
e mover-se a água . . .
*
IRENE LISBOA
"Chuvoso Maio"

▬▬
MARIA VALUPI
Nasceu em 1907, Lisboa, Portugal.
Poeta
Faleceu em 18 de Janeiro de 1978, Lisboa, Portugal.
*
CANTOePALAVRAS
Dans le Destin, 1958; Desprevenidas Paisagens; Do Disperso Dia; 
Amotinação dos Poetas; Songes et Témons; Barca das Vozes...
*
I
E eu que sei
Que a eternidade não perdura,
Debrucei-me até lá...
Na água empoçada daquele mar retido
Por tão escasso leito.
-
Mas ali já impunha,
Alta,
Mais alta,
A sombra de uma sombra
que uma sombra acompanhava...
- de quantas sombras e vozes mais,
seguida?
-
Ali se amaram,
Aqui me vão amar aqueles que perdi.
Corpos de última transparência,
Vozes completas, puras.
*
MARIA VALUPI
"E eu que sei"
Do Disperso Dia
*
II
Meu amor nenhum,
Pedra polida, que polida foi
E ainda o é:
Nas águas de um rio,
No leito do mar,
Perdida de si...
*
MARIA VALUPI
"Meu Amor Nenhum"
Desprevenidas Paisagens


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