terça-feira, 26 de maio de 2009

114 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


DAVID MOURÃO FERREIRA
David de Jesus Mourão Ferreira
Nasceu em 24 de fevereiro de 1927, signo de peixes,
em Lisboa, Portugal,
Doutorou-se em Filologia Românica,
"Faculdade de Letras" de Lisboa. . .
Faleceu 16 de junho de 1966.
*
CANTOePALAVRAS

A Secreta Viagem, 1950; Tempestade de Verão, 1954; 
Os Quatro Cantos do Tempo, 1958; Gaivotas em Terra (novela), 1959;
 In Memoriam Memoriae, 1962; 
Infinto Pessoal, 1962; O Irmão (teatro), 1965;
Do Tempo ao Coração, 1966; Os Amantes (contos), 1968;
 Cancioneiro de Natal, 1971;
Matura Idade, 1973; Obra Poética, 1980...
-
I
Corpo meu que no Mar de repente retomas,
ao rebentar da onda a posição do feto.
Surpreende a matriz de onde partem as ordena.
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Mas não perguntes mais. . . . . . . Porque tudo é incerto
-
A sôfrega aventura. A ligação mais firme.
A flor de uma só noite. A que se crê eterna.
Não há forma de amor em que a água não vibre.
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Ou saliva. . . Ou suor. . . Ou lágrimas. . . Ou esperma.
-
Entranham-se na terra os arames da chuva,
para apertar melhor as tábuas dos caixões.
Ou para transmitir notícias de uma nuvem.
-
Sem saberem que a morte as oculta depois.
*
DAVID MOURÃO FERREIRA
"Jogos de Água"
Do Tempo ao Coração

*
II
A pressa
com que se despe
-
Nem na alma lhe apetece
qualquer veste
-
A pressa
com que se despe
-
Até da carne e da pele
se pudesse
*
DAVID MOURÃO FERREIRA
"Nudez"
Obra Poética
*
III
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes
-
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
-
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
-
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
*
DAVID MOURÃO FERREIRA
"E Por Vezes"
Matura Idade
*
IV
É terrível o vento
quando não é do vento que se trata
Com plátanos à volta és um palácio
Com sombra de pinheiros uma casa
Mas se penso habitar-te nunca  passo
de navio solúvel dentro de água.
-
É terrível o vento no deserto
se não vemos deserto que se veja
Despertíssima assistes ao mistério
da água que na água fica presa
O brilho da platina é mais concreto
quando a prata lhe pede que adormeça.
-
É terrível o vento nas campinas
trazidas pelo mar aos seus domínios
E atingimos as plagas mais antigas
o palco dos desastres mais ambíguos
E gritas. E não gritas. E suplicas
por dentro da represa dos suplícios.
-
É terrível o vento na memória
quando nos despegamos um do outro
e quando na plateia está a morte
seguindo atentamente o nosso jogo
Ah! Como sopra o vento que não sopra
que deixou de repente de ter boca
-
É terrível o vento que no escuro
nos marcou de antemão com algum número
Mais terrível ainda no soluço
com que nós aguardamos o seu gume
É terrível. Terrível Sobretudo
quando não é ao vento que se alude.
*
DAVID MOURÃO FERREIRA
"É Terrível o Vento"
lira de Bolso
AUGUSTO CASIMIRO
Augusto Casimiro dos Santos
Nasceu em 11 de maio de 1889, signo de touro.
Amarante, perto da cidade do Porto, Portugal.
Poeta, diplomata, politico, militar(Regimento de
Infantaria de Coimbra) . . .
Colaborou com diversas revistas, exemplo "Águia" e
"Seara Nova" . . .
Faleceu em 23 de setembro de 1967.
*
CANTOePALAVRAS
Para a Vida, 1906; Evocação da Vida, 1912;
Primavera de Deus, 1915;
Nas Trincheiras da Flandres, 1919; Calvários da
Flandres, 1920; A Educação Popular e a Poesia, 1922;
África Nostra, 1923; Nova Largada,1929; Cartilha
Colonial, 1936; Paisagens de África, 1936; Portugal
Crioulo, 1940; Lisboa Mourisaca, 1147-1947, 1947;
Portugal na História, 1950; Portugal Atlântico-
Poemas da África e do Mar, 1955 . . .
*
I
Vai errante, no Mar, uma nau sem governo . . .
O ocenao é chão, o céu azul fundindo em aço . . .
As velas mortas . . . Nem sequer vento galerno
As vem inchar para dormir no seu regaço! . . .
-
Sobre o antigo convez peza um velho cansaço,
E ou destino fatal ou maldição do inferno,
O mastro grande em vão aponta para o espaço . . .
-
-Sobre as ondas a nau é um carcere eterno!
-
Dominando em redor, lá na gávea mais alta,
Um marujo, a cantar, fal do Além, e exalta
Um passado esplendor sobre a nau sepulcral! . . .
-
"Porque o vento hade vir aninhar-se nas velas!
Porque a nau voará, - tocará nas estrelas! . . ."
-
O marujo é Poeta - e a nau . . .Portugal"
*
AUGUSTO CASIMIRO
"O Poeta e a Nau"
"Águia"(revista)
*
II
Para o meu filho
-
Dorme junto da Mãesinha,
- Ainda ha pouco adormeceu -
Ele é meu , e ela é minha . . .
- Tenho na terra o meu céu!
-
E é tam perfeitinho, tanto
Sol el'fez nascer em mim,
Que me parece um encanto
Ter já filhinho assim . . .
-
Tam lindo que, só de vê-lo,
Me dizem, sorrindo, os mais . . .
"tam pequenino e tam belo,
- Mostra bem o Amor dos paes . . ."
-
Ponho-me a olhá-lo, e advinho
A curva desconhecida,
O mist'rioso caminho
Desta pequenina Vida.
-
Hade ser justo. A Beleza
Hade-o encantar, dominar . . .
Nele, toda a Natureza
Bela e casta hade cantar!
-
Que toda a força da terra,
Toda a Beleza do ceu,
- Todo o Amor que a Vida encerra -
Cantáram num beijo meu! . . .
-
Hade ser poeta . . .
- Ser poeta
-
É sentir a Vida toda
Em nossa Vida, alta e inquiéta,
De joelhos á nossa roda . . .
-
É trazer no olhar, - Sol nado -,
Um grande Amor, e sentir,
Na alma, um ceu todo estrelado,
Astros, lírios a florir . . .
-
E é erguer num sobresalto
- Novo e eterno Promoteu -
Luz de Beleza, bem alto,
Desta Vida para o ceu!
-
É moldar na argila a aza
P'ra cingir o firmamento . . .
É trazer a alma rasa
De luz, sofrendo o tormento,
-
De ver, na escura tristeza,
Vidas que em vão se consómem . . .
-
- Ser poeta é ser a Beleza,
Deus, o ceu livres no homem!
*
Que os seus olhos, onde agora
Eu advinho uma luz,
Sejam um nascer de aurora,
- mais belos que os de Jesus . . .
-
Que a dôr os torne piedosos . . .
- Ha um sofrer que só ezalta, -
Chorar é vermos, anciosos,
Uma luz que aos outros falta . . .
-
Deus lhe dê tanta ventura
Como a que me deu . . . E assim
Cresça ele em formozura
Como esta anciedade em mim . . .
-
Que esta alma alvorescida,
Que o meu Amor vai tecendo,
Seja, no Oceano da Vida,
Onda de Amor bemdizendo . . .
-
E o seu corpo bem amado,
Pequenino, lirial,
- Um sacrario iluminado
Em sêde inquieta de ideal . . .
-
O meu filho! - Deus o faça
Tam belo como feliz,
E lhe dê a santa graça
Dum S. Francisco de Assis . . .
*
Azas da minha ventura,
Minha alma, - ó ceu aberto! . . .
-Subi a tamanha altura,
- Que já sinto o ceu mais perto! . . .
-
Fonte de Amor alto erguida,
Agua de luz a nascer
Nos castos flancos da Vida,
-Versos, - cessai de correr! . . .
-
- Alma, toma as azas tuas,
- Sóbe, em pranto, aos olhos meus! . . .
-
Já nos meus olhos flutúas . . .
Cerração no mar de Deus . . .
-
Lagrimas correi á tôa!
-
Ó Mar se nunca secasses . . .
-
- Ai que caricia tam boa! . . .
- Que me beija assim as faces? . . .
-
Coimbra, 18 de fevereiro, 1912.
*
AUGUSTO CASIMIRO
"Versos da Minha Ventura"
"Águia"(revista)

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