terça-feira, 19 de maio de 2009

129 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

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GARCIA  MONTEIRO
Nasceu em 1859, Açores, Portugal.
Poeta...
Faleceu em 1913, Cambridge, E.U.A..
*
CANTOePALAVRAS
......................................
E ficou com as mãos pousadas no teclado,
esquecida, a cismar num mundo de riqueza:
supunha-se num baile; um conde apaixonado
segredava-lhe: "Adoro-a... Eu mato-me, marquesa!..."
-
ah! se fosse fidalga!... Ao menos baronesa...
Que baile! que esplendor na noite do noivado!...
Estremeceu, nervosa, achou-se na pobreza,
e o piano soltou um grito arrepiado.
-
Absorvida outra vez, prendeu-se-lhe o sentido
à mesma ideia - o luxo. Ia comprar cautelas...
E imaginou de novo o conde enfurecido...
-
Um palácio, um Coupé, esplêndidos cavalos...
Nisto o marido entrou, de óculos e chinelas,
e miou com ternura: - "Anda a aparar-me os calos".
*
Garcia Monteiro
"Cair do Alto"
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RUI DE NORONHA
António Rui Noronha
Nasceu a 28 de outubro de 1909, signo de escorpião,
Maputo(Lourenço Marques), Moçambique, África. . .
Poeta...
Faleceu 25 de dezembro de 1943.
*
CANTOePALAVRAS
Sonetos, 1946 . . .
*
Vem de séculos, alma, essa orgulhosa casta,
Repudiando a dor, tripudiando a lei.
Num gesto de altivez que em onda leva, arrasta
Inteiras gerações de amaldiçoada grei.
-
Ir procurar, amor, nessa altivez madrasta,
Um gesto de carinho ou de brandura, eu sei?
Ao tigre dos juncais, duma crueza vasta,
Quem há que roube a prêsa? Aponta-me e eu irei!
-
Cruel destino o meu, que ao meu caminho trouxe
Na fulgurante luz do teu olhar tão doce
À mágoa minha eterna, a minha eterna dor.
-
Vai. Segue o teu destino. A onda quere-te e passa.
Vai com ela cantar o orgulho da tua raça
Que eu ficarei cantando o nosso eterno amor. . .
*
RUI DE NORONHA
"Grito da Alma"
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CALANE DA SILVA
Raul Alves Calane da Silva
Nasceu em 20 de outubro de 1945, signo de libra
Maputo(Lourenço Marques) Moçambique, África.
Poeta, escritor, jornalista . . .
Estudou na Universidade do Porto, Portugal.
Membro da "Associação dos Escritores Moçambicanos" . . .
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CANTOePALAVRAS
Dos Meninos da Malanga, 1982; Xicandarinha na Lenha do Mundo", 1988;
Gotas de Sol, 2006; Nyembêtu ou as Cores da Lágrima, 2008 . . .
*
Rôsinha
eu estar chatiado
não ir trabalhar.
Rôsinha
agente aôje vai amar
- Ouvi quirido
você sabe qui Chiquito
comeu manga verde
tem dor na barriga
agente aôje não vai amar.
Rôsinha
eli não vai chorar!
eu vai comprar rimédio pra Chiquito
eli ficar bom
eli ádi brincar
tira capulana Rôsinha
agente aôje vai amar!


*


"Mulher do interior da Boavista"
 Cabo Verde.

CALANE DA SILVA
"Rôsinha"
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ANA JÚLIA

Ana Júlia Monteiro de Macedo Sança

Nasceu em 1947, na cidade da Praia, Cabo Verde, África. . .
Poetisa...

*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
Oh, vento amigo que passas
Cavalgando sobre as ondas do mar
Que novas me dás
Da terra morena que atrás deixei?
que recados me trazes
Da minha gente sofrida que ali ficou?
-
Vento marujo que conheces a minha fraqueza,
Por favor, fala-me da minha ilha
Dos meus sonhos que ficaram
Com as gaivotas junto à praia
Espraiando maresia na areia cálida
Vento amigo marinheiro
Conta-me as saudades . . .
Se acaso me esqueceram
O sabor das ondas nos meus olhos
A areia calada que um dia pisei
Lá no fundo onde o mar não tem fim.
-
Vento . . .
Só tu sabes o segredo
O exílio a distância dentro de mim
a prisão psicológica do além-mar
Esse desespero - oh, vento!
Só tu sabes,
Quanta solidão habita em mim
Desde o dia em que nasceu em meu peito
Esta chama ardente
A que eu chamo "Saudade"
-
Ah, quem me dera ser vento!
*
ANA JÚLIA
" Quem Me Dera Ser Vento "
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FRANCISCO COSTA ALEGRE
Nasceu a 02 de fevereiro de 1953 signo de aquário,
na cidade de São Tomé, em São Tomé e Principe, África.
Estudou na França, e nos E.U.A.
Poeta, crítico e ensaísta participa em diversos jornais
e revistas.
*
CANTOePALAVRAS
Madala, 1990; Cinzas do Madala, 1991; Mussandá, 1994;
Mutété, 1995; Brasas de Mutété, 1998; Mussungú, 2001. . .
*
I
Gandú¹ tubarão é rei do Mar
Tem anzol na boca
Ka glitá pa tudu pixi valé
Socorrer-lhe no regimento do Mar
Mar começo e fim da terra,
Esta terra é anzol e de Rei
Rei de boca e Rei Gandú
Gandú homem de mau coração
Coração como o Mar não come,
Mar não come coisa de ninguém,
Tudo que começa no Mar
Acaba na terra com água na boca . . .
-
O Mar e a Terra é de todos nós
Nós que começámos com anzol na boca
Porque nos puseram para sermos Rei,
Rei com anzol na boca de valores
Valores que os homens pensaram comer
Comer na Terra ou no Mar onde ficam,
Ficam cá na terra no coração de todos nós
Nós uma pessoa ou conjunto delas nada fizemos,
Nada fizemos para ermos comidos
Comidos ou comermos o anzol na boca,
Anzol na boca atiramos para pescar
Pescarmos grqandes homens de bom e mau coração
Para que eles comecem a gritar:
Gandú-ê bô alê d'omali
Ká glitá pa tudu pixi² valê bô.
O grito começou e não acabou . . .
Precisamos uns dos outros com bom ou mau coração,
E o Gandú está como nós, no mar,
Mar e Terra é de todos nós
Nós donos de Mussungú³ . . .
(Gandú¹- tubarão; pixi²-peixe;
Mussungú³- nome de uma localidade).
*
FRANCISCO COSTA ALEGRE
" Mar e Terra "
Mussungú
*
II
Comecei uma obra para não acabei . . .
Com respiração do meu nariz
Toquei flauta com voz de perdiz;
Ai que bom que sei tocar!
-
Com respiração do meu nariz
Com expiração da minha boca
Toquei charanga de Tchiloli
Evadindo todo o meu clarim
De Auto de Floripes para a Europa;
Ai que bom sei tocar!
-
Ai que bom sei tocar,
Até então nada toquei
Só dedo sobre a mesa tamborilei
O toque do Danço Congo que ouvi . . .
Ai que bom sei tocar!
-
Com a respiração da minha boca
Com expiração do meu nariz
Virei flautas para a Índia e Pérsia
E ao Manuel Bandeira escrevi uma peça
Com clave de dó de Viana da Mota;
Ai que bom sei tocar!
-
Ai que bom sei tocar!
Este toque tem ritmo de dêxa¹
Deixe o poeta Manuel Bandeira sonhar
Sonhar com a pasárgada que ele deixa
Neste toque de pena e tinta a sonhar;
Ai que bom que sei tocar!
(dêxa¹- dança tradicional da Ilha de Principe)
*
FRANCISCO COSTA ALEGRE
" A Minha Orquestra "
Mussungú
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FREDERICO GUSTAVO DOS ANJOS
Nasceu em 1954,cidade de São Tomé, São Tomé e Principe,
África. Poeta morou na Alemanha, Leipzig, estudou "Estudos Alemães".
*
CANTOePALAVRAS
A Voz do Medo, 1979;
Bandeira para um Cadáver, 1984; Mensagem Poética, 1985;
Solilóquio, 1986; Paisagens e descobertas, 1978 a 1983 . . .
*
Pedras roidas
pelo vento doentio
doenças da história
catarros em narizes
de vidas monótonas
com mãos enfermas de saudades
sobre terras cansadas
de parir ervas
e revigorar cacaueiros
E eu?
Eu sou
pedra roída
começo a ganhar
nova forma.
*
FREDERICO GUSTAVO DOS ANJOS
"Pedras Roídas"
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FRANCISCO JOSÉ TENREIRO
Nasceu a 20 de janeiro de 1921, signo de capricórnio.
na Ilha de São Tomé, São Tomé e Principe, África.
Poeta, estudou na Faculdade de Ciências de Lisboa, Portugal, 1942.
Participou com vários artigos na revista "Seara Nova"e "Vértice" . . .
Em 1947, profere uma conferência, na Universidade de Coimbra
intitulada "Expansionismo da Arte Negra - O Problema da Música".
Participou em dezenas de conferências sobre a cultura africana.
em diversos países como Brasil. . . .
Faleceu em 1963.

*
CANTOePALAVRAS
Ilha de Nome Santo, 1942; A Ilha de São Tomé, 1961;
Coração em África, 1963; . . .
I
Negro
para quem as horas são Sol e febre
que colhes
nesse ritmo de guindaste.
-
Negro
para quem os dias são iguais
que respeitas teu patrão e senhor
como água que mexe o engenho.
-
Negro!
Levanta os olhos pra o Sol rijo
e ama tua mulher
na terra húmida e quente!
*
FRANCISCO JOSÉ TENREIRO
"Exortação"
Oração em África
-
II
«Lenço di seda
. . . Seda càbou"»
-
O branco arregalou os olhos:
Negrinha tão tenra
de peito durinho!
-
«Saia di pano
. . . Pano càbou!»
-
No sòcòpé seu branco a tomou:
Negrinha tão tenra
de riso tão largo!
-
«Vinho di plôto
. . . Plôto càbou!»
-
Seu branco deu tudo
«té roça montou!»
-
Mas mina piquina
tudo càbou . . .
*
FRANCISCO JOSÉ TENREIRO
"Canção de Fiá Malicha"
Coração em África
-
III
Mãos que moldaram em terracota a beleza e a serenidade do Ifé.
Mãos que na cera perdida encontraram o orgulho do Benin.
Mãos que do negro madeiro extrairam a chama das estatuetas olhos de vidro
e pintaram na porta das palhotas ritmos sinuosos da vida plena:
plena de Sol incendiando em espasmos as estepes do sem-fim
e nas savanas acaricias e dás flores às gramíneas da fome.
Mãos cheias e dadas às labaredas da posse total da Terra,
mãos que a queimam e a rasgam na sede de chuva
para que dela nasça o inhame alargando os quadris das mulheres
adoçando os queixumes dos ventres dilatados das crianças:
o inhame e a matabala, a matabala eo inhame.
Mãos Negras e musicais(carinhos de mulher parida) tirando da pauta da Terra
o oiro da bananeira e o vermelho sensual do andim.
Mãos estrelas olhos nocturnos e caminhantes no quente deserto.
Mãos correndo com o harmattan nuvens de gafanhotos livres
criando nos rios da Guiné verdas verdes de ansiedades.
Mãos que à beira-do-mar-deserto abriram Kano à atracção dos camelos da aventura
e também Tombutctu e Skoto, Sokoto e Zária
e outras cidades ainda pasmadas de solenes emires de mil e mais noites!
Mãos, mãos negras que em vós estou pensando!
Mãos Zimbaué ao largo do Índico das pandas velas
Mãos Mali do sono dos historiadores da civilização
Mãos Songhai episódio bolorento dos Tombos
Mãos Ghana de escravos e ouro só agora falados
Mãos Congo tingindo de sangue as mãos limpas das virgens
Mãos Abissínia levantadas a Deus nos altos planaltos:
Mão de África, minha bela adormecida, agora acordada pelo relógio das balas.
-
Mãos, mãos negras que em vós estou sentindo!
-
Mãos pretas e sábias que nem inventaram a escrita nem a rosa-dos-ventos
mas que da terra, da árvore, da água e da música das nuvens
beberam as palavras dos corás, do quissanges e das timbila que o mesmo é
dizer palavras telegrafadas e recebidas de coração em coração.
Mãos que a terra, da árvore, da água e do coração tam-tam
criásteis religião e arte, religião e amor.
-
Mãos, mãos pretas como em vós estou chorando!
*
FRANCISCO JOSÉ TENREIRO
"Mãos"
Coração em África
*
IV
No rosto de terra de Alarba os velhos rios do Guiné
e o rasto incisivo dos cascos dos cavalos alados do Grão-Fulo;
no rosto de terra preta de Alarba o nariz nômada dos vagabundos do Sábel
peregrinos sem bússola só guiados pela Fé;
no rosto de terracota enegrecida os traços duros de Cam
e a boca rasgada de beiços quentes e o sorriso menino do Negro sedentário;
no rosto de terra de Alarba os rios daquelas partes do Guiné
das pontas de marfim, da malagueta vermelha e das cabeças pretas
dos pretos do Guiné.
-
No rosto de terra de Alarba olhos de espantos orientais
são vivos arquivos da história antiga do Guiné:
são as plagas inóspitas dos areais escaldantes com ervagens de setas
e Nuno Tristão de duas delas trespassado;
são as baixas lamacentas dos rios fedendo a morte e a febre
relaxando os músculos do conquistador de ferro
putrificando a carne do conquistador de ferro;

são os ardis como desenhos de infância de felupes e baiotes
de papéis e manjacos
de balantes e bijagós
e o conquistador de ferro traficando a malagueta rubra, as pontas de marfim e as cabeças pretas
dos pretos do Guiné.
-
No rosto de terracota de Alarba a grandeza escondida de África
lá onde o teu tetravô Grão-Fulo ofereceu uma filha
da noite e reluzente ao luar a um europeu lançado;
são os tratados e alianças com o conquistador de ferro
traficando a malagueta encarnada, as pontas de marfim e as cabeças pretas
dos pretos do Guiné.
-
No rosto de terra de Alarba caminho indeciso do Sudão
que para leste e norte do bafo excitante das canções monotónicas dos corás
aos minaretes rendilhados com gritos uivantes ao cair da tarde de olhos para Meca;
no rosto de terra de Alarba caminho indeciso do Sudão
que para Sul e oeste vai às terras de muitas chuvas
e ao litoral dos mangais de febres e de sono e à graciosidade das palmeiras
acenando um adeus constante ao Sol zenital.
-
Allah ou a terra dos Negros
por Allah ou pelos Negros
pela Fé ou pela Poesia?
-
Pela Poesia não:
vento abrasadores do Sul sopraram e levantaram tornados de emoção
e os cavalos ganharam cascos e brasidos nos olhos
ao escavarem dos confins do Sudão as terras do gentio;
com o braço forte e a pata sem misericórdia dos cavalos sem asas
juntaram-se os Fulas de mão estendida ao conquistador de ferro
entretido no tráfico de malagueta, das pontas de marfim e cabeças pretas
dos pretos do Guiné.
-
Pela Poesia não:
só por Allah
fizeram das terras negras uma terra de servidão.
-
No teu rosto de terra oh nobre Alarba
dos nobre e mui fidalgos Embalô
no teu rosto onde as linhas duras dos navegadores sem estrelas
se cruzaram com o sorriso poesia do Negro menino
toda a história contraditória dos rios do Guiné.
-
Olho para ti oh Alarba dos mui fidalgos Embalô
a quem os corás cantam os feitos ao longo das savanas de espanto do Sudão
e pergunto a mim mesmo que ganhásteis oh Fulas orgulhosos e indómitos
em matar a Poesia?
*
FRANCISCO JOSÉ TENREIRO
"Terra de Alarba"
Coração em África


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