sexta-feira, 24 de abril de 2009

161 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA"


LUÍS DELFINO
Luís Delfino dos Santos
Nasceu 25 de agosto de 1834, signo de virgem.
Florianópolis( antigo Desterro), Estado de Sta Catarina, Brasil.
Poeta, fez Medicina, na Faculdade de Medicina, 
Rio de Janeiro, Brasil.
Participou na política pelo governo de Sta. Catarina.
Seu filho publicou seus livros "Pós-Mortum"
Faleceu , 31 de janeiro de 1910, Rio de Janeiro, Brasil.
*
CANTOePALAVRAS
Algas e Musgos; Poemas; Poesias Líricas; Íntimas e Aspásias;
A Angústia do Infinto; Atlante Esmagado; Rosas Negras;
Esboço de uma Epopéia Americana; Arco do Triunfo;
Posse Absoluta; Cristo e a Adúltera; Imortalidade . . .
*
I
O amor ! . . . Um sonho, um nome. uma quimera,
Uma sombra, um perfume, uma cintila,
Que pendura universos na pupila,
E eterniza numa alma a primavera;
-
Que faz o ninho, e dá meiguice à fera,
E humaniza o rochedo, e o bronze, e a argila,
Sem o afago do qual Deus se aniquila
Dentro da própria luminosa esfera.
-
A música dos sóis, o ardor do verme,
O beijo louco da semente inerme,
Vulcão, que o vento arrasta em tênues pós:
-
Curvas suaves, deslumbrantes seios
De vida e formas variegadas cheios,
É o amor em nós, e o amor fora de nós.
*
LUÍS DELFINO
" O Amor "
Imortalidade
*
II
Há uma nódoa branca na verdura:
Um novo aroma bom a selva exala:
Troncos, de pé! . . . Quem vai, quem vai buscá-la?
Honra-vos, bosque, a sua formosura"
-
Ei-la aì. - Esta mata ou treme ou fala:
Tem cada galho um êxtasis; ternura
A sombra; o Sol ebria-se a fitá-la,
Num voluptuoso espasmo de ventura.
-
Traçam-lhe um ninho os pássaros; de esguelha
Olha-a um fauno; enche-a a luz de pedrarias;
O ar a oscula, a aquece, a faz vermelha.
-
Metem-se em líquens d'oiro as penedias;
Para ouvi-la, o grotão lhe estende a orelha;
Cantam, para embalá-la, as ramarias.
*
LUÍS DELFINO
" Entrada na Floresta "
Rosas Negras
*
III
Esta preta que vês junto à cabana,
Velha, gasta, pedindo-te uma esmola,
Teve na terra benfazeja a escola
Do trabalho, do amor, da luta humana.
-
Deixou a pátria tórrida africana
Pelo Brasil, onde é soberba a flora;
E, no país, em que ela é livre agora,
Viveu escrava e a um tempo soberana.
-
Misturou o seu sangue ao nosso sangue,
O seu suor, no campo, ao suor da aurora,
Deu força e alento ao nosso corpo langue.
-
Helena, inda hoje embala-nos nas sestas,
Como ria no lar conosco outrora,
E eram suas também as nossas festas . . .
*
LUÍS DELFINO
" A Preta na Cabana "
Imortalidade
*
IV
Mulher, és como um lago em flor, que se ilumina
Ao Sol, e como a flor abre o seio esplendente;
Eu me banhava em ti desassombradamente,
Água, flor da manhã, branca flor da campina.
-
Dos pássaros em torno a canção matutina
Fazia rir de gozo e arfar de amor o ambiente;
Cantava pelo espaço a primavera olente,
Cantava a aura do céu, cantava a luz divina.
-
Mármore unido, que veia azul brando apenas,
Parecias ouvir, cismando , as cantilenas,
Que enchiam toda a veiga, abrasada de aurora.
-
O! lago, eu me banhava em ti; mas de improviso
Fui ao fundo, e no fundo achei o paraíso:
E onde o paraíso está, eu sei agora . . .
*
LUÍS DELFINO
"O Lago"
Íntimas e Aspásias

CASIMIRO DE ABREU
Casimiro José Marques de Abreu
Nasceu a 04 de janeiro de 1839, em Barra de São João (atual Casimirana)
Capivari, Estado de Rio de Janeiro, Brasil.
Poeta, filho de português e viúva fazendeira brasileira. . .
Morou em Lisboa, Portugal.
Estilo Romantismo.
Patrono da "Academia Brasileira de Letras".
Faleceu a 18 de outubro de 1860.
*
CANTOePALAVRAS
Camões e o Jau(teatro), 1856; As Primaveras, 1859. . .
*
I
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
-
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
Respira a alma inocência,
Como perfumes a flor;
O mar é lago sereno,
O céu um manto azulado,
O mundo um sonho dourado,
A vida um hino de amor!
-
Que auroras, que sol, que vida
Que noites de melodia,
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado de estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia,
E a lua beijando o mar!
-
Oh! dias da minha infância,
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
-
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
Pés descalços, braços nus,
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
-
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida,
Que anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos,que flores.
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
*
CASIMIRO DE ABREU
"Meus oito anos"
*
II
Eu nasci além dos mares:
Os meus lares,
Meus amores ficam lá!
- Onde canta nos retiros
Seus suspiros,
Suspiros do sábia!
-
Oh que céu, que terra aquela.
Rica e bela
Como o céu de claro anil!
Que seiva, que luz, que galas,
Não exalas,
Não exalas, meu BRASIL!
-
Oh! que saudades tamanhas
Das montanhas,
Daqueles campos natais,
Daquele déu de safira
Que se mira,
Que se mira nos cristais!
-
Não amo a terra de exílio,
Sou bom filho,
Quero a Pátria, o meu país,
Quero a terra das mangueiras
E as palmeiras,
E as palmeiras tão gentís!
-
Como a ave dos palmares
Pelos ares
Fugindo do caçador;
Eu vivo longe do ninho,
Sem carinho;
Sem carinho e sem amor!
-
Debalde eu olho e procuro . . .
tudo escuro
Só vejo em roda de mim!
Falta a luz do lar paterno
Doce e terno,
Doce e terno para mim.
-
Distante do solo amado
- Desterrado -
A vida não é feliz.
Nessa eterna primavera
Quem me dera
Quem me dera, o meu país!
*
CASIMIRO DE ABREU
"Eu nasci além dos mares"
ANÍBAL TEÓFILO
Aníbal Teófilo da Silva
Nasceu a 21 de julho de 1873, signo de câncer,
na Fortaleza de Humaitá,Três Passos, Estado de Rio
Grande do Sul, Brasil.
Poeta, viajou para Espanha e Portugal.
Foi secretário do "Teatro Municipal" do Rio de Janeiro, Brasil. . .
*
CANTOePALAVRAS
Rimas, 1911 . . .
*
Em solitária, plácida cegonha,
Imersa n'um cismar ignoto e vago,
N'um fim de ocaso, à beira azul de um lago,
Sem tristeza, quem há que os olhos ponha?
-
Vendo-a, Senhora, vossa mente sonha
Talvez, a Senhora, vossa mente sonha
Talvez, que o conde de um palácio mago,
Loura fada perversa, em trecho afago,
Mudou n'essa pernalta êrma e tristonha.
-
Mas eu, que em prol da Luz, do pétreo, denso
Véu do Ser ou Não Ser, tento a escalada
Qual morosa, tenaz, paciente lesma,
-
Ao vê-la assim mirar-se n'água, penso
ver a Dúvida Humana debruçada
Sôbre a angústia infinita de si mesma.
*
ANÍBAL TEÓFILO
" A Cegonha "
Rimas
BASTOS TIGRE
Manoel Bastos Tigre
Nasceu em 12 de março de 1882, signo de gemeos.
Recife, Brasil.
doutorou-se em Engenharia "Escola Politécnica" 
do Rio de Janeiro, Brasil.
Poeta, teatrólogo, filósofo, humorista (D. Xiquote, pseudônimo). . .
Escreveu para diversos jornais . . .
Homenagens: Premio de Poesia, Academia Brasileira de Letras . . .
Faleceu 02 de agosto de 1957.
*
CANTOePALAVRAS
Saguão da Posteridade, 1902; Versos Perversos, 1905;
Arlequim, 1922; Brinquedos de Natal, 1925;
Poesias Humorísticas, 1933; Entardecer, 1935;
Sol de Inverno, 1955 . . .
*
I
Entra pela velhice com cuidado,
Pé ante pé, sem provocar rumores
Que despertem lembranças do passado,
Sonhos de glórias, ilusões de amores.
-
Do que tiveres no pomar plantado,
Apanha os frutos e recolhe as flores;
Mas lavra, ainda, e planta o teu eirado,
Que outros virão colher quando te fores.
-
Não te seja a velhice enfermidade.
Alimenta no espírito a saúde,
Luta contra as tibiezas da vontade.
-
Que a neve caia, o teu ardor não mude.
Mantém-te jovem, pouco importa a idade;
Tem cada idade a sua juventude! . . .
*
Boa noite, velhice, vens tão cedo
Não esperava, agora, a tua vinda.
Eu tão despreocupado estava, ainda,
Levando a vida como um brinquedo . . .
-
Tens tão meigo sorriso e um ar tão ledo
Nos teus cabelos como a prata é linda
Ao meu teto, velhice, sê bem-vinda
Fica à vontade. Não me fazes medo.
-
E ela assim me falou, em tom amigo:
- "Estranha me supões, mas, em verdade,
Há muito tempo que, ao teu lado, eu sigo.
-
Mas, da vida na estúrdia alacridade,
Não me viste viver, seguir contigo . . .
Eu sou, amigo, a tua mocidade".
*
BASTOS TIGRE
"Envelhecer"
Antologia Poética
*
II
Saudade, palavra doce,
Que traduz tanto amargor.
Saudade é como se fosse
Espinho cheirando a flor.
-
Um desejo do estar perto
De quem está longe de nós!
Um aí! que não sei ao certo
Se é suspiro ou uma voz.
-
Um sorriso de tristeza,
Um soluço de alegria,
O suplício da incerteza
Que uma esperança alivia.
-
Nessas três sílabas há-de
Caber toda uma canção:
Bendita a dor da saudade
que faz bem ao coração.
-
Um longo olhar que se lança
Numa carta ou numa flor;
Saudade - irmã da Esperança
Saudade - filha do Amor.
-
Uma palavra tão breve,
Mas tão longa de sentir!
E há tanta gente que a escreve
Sem saber traduzir.
-
Gosto amargo de infelizes
Foi como chamou Garret;
Coração, calado, dizes
Num suspiro o que ela é.
-
A palavra é bem pequena
Mas diz tanto, de uma vez!
Por ela valeu a pena
Inventar-se o português.
*
BASTOS TIGRE
"Canção da Saudade"
Antologia Poética
*
III
Amai as árvores! São elas
Dons que nos fez a natureza;
Às vezes pobres e singelas,
Têm a nobreza de ser belas
Ou, de ser úteis, à riqueza.
-
Olhai a mata! eis o tesouro
Por Deus confiado ao nosso engenho;
Quanto ela tem se muda em ouro:
- A folha verde, o pomo louro,
A flor olente, o duro lenho.
-
Provai a fruta sumarenta,
Cujo sabor o paladar nos tenta;
É a doce polpa que alimenta
Maná do céu de cada dia.
-
Com a folha ou a palma a gente pobre
Fabrica o teto . . . ou a casa inteira.
E, se a do rico ela não cobre,
Nenhum palácio, por mais nobre
Dispensa a sólida madeira.
-
Folha, raiz, casca, resina
(Bem sabem disso os boticários)
Os "simples" são que a mão divina
Deu de presente à medicina
Para fazer remédios vários.
-
A frescura sombra de seus ramos
Dá-nos o pouso que pedimos;
E, no seu lenho amigo achamos
O alegre berço em que acordamos
E o ataúde em que dormimos.
-
Nela o calor vive, latente,
- Fontes de vivas energias -
Arde e é braseiro incandescente
Para o fogão, a forja ardente
E o lar nas rudes invernias.
-
Onde a floresta esplende, basta,
A chuva cai. Tudo floresce.
Quem, pois, as árvores devasta
A água dos céus, da terra afasta,
Do fértil campo extingue a messe.
-
Da mata vem-nos aos ouvidos
Trilos de pássaros em festa.
Cantando estão, agradecidos,
Ao fruto e ao ninho recebidos
Das boas fadas da floresta.
-
Que nós também agradeçamos,
Reconhecidos e felizes,
O que das árvores gozamos,
Do ápice extremo de seus ramos
A coifa extrema das raízes.
-
(21 de setembro, Dia da Árvore, no Brasil)
*
BASTOS TIGRE
"As Árvores"
Antologia Poética
(Mais Poemas . . . "MAIS CELEBRIDADES . . .
AS ETERNAS", pág. XL).
CORA CORALINA
Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas
Nasceu a 20 de agosto de 1889, signo de leão
Cidade de Goiás, Brasil .
Poetisa...
Homenagens: A Intelectual do Ano "Troféu Juca Pato"
1983, U.B.E., Brasil . . .
Faleceu 10  Abril de 1985.
*
CANTOePALAVRAS
Estórias da Casa Velha da Ponte(contos);
Poemas dos Becos de Goiás e Estória Mais;
Meninos Verdes; Meu Livro de Cordel;
O Tesouro da Casa Velha; As Cocadas;
A Moeda de Ouro que o Pato Engoliu;
Vintém de Cobre, 1984 . . .
*
I
Não é o poeta que cria a poesia.
E sim, a poesia que condiciona o poeta.
-
Poeta é a sensibilidade acima do vulgar.
Poeta é o operário, o artífice da palavra.
E com ela compõe a ourivessaria de um verso.
-
Poeta, não somente o que escreve.
É aquele que sente a poesia,
se extasia sensível ao achado
de uma rima, à autenticidade de um verso.
-
Poeta é ser ambicioso, insatisfeito,
procurando no jogo das palavras,
no improviso do texto, atingir a perfeição inalcançável.
-
O autêntico sabe que jamais
chegará ao prêmio Nobel.
O medíocre se acredita sempre perto dele.
-
Alguns vêm a mim.
Querem a palavra, o incentivo, a apreciação.
Que dizer a um jovem ansioso na sede precoce de lançar um livro . . .
Tão pobre ainda a sua bagagem cultural,
tão restrito seu vocabulário,
enxugando lágrimas que não chorou,
dores que não sentiu,
sofrimentos imaginários que não experimentou.
-
Falam exaltados de fome e saudades, tão desgastadas
de tantos já passados.
Primário nos rudimentos de sua escrita
e aquela pressa moça de subir.
Alcançar estatura de poesia, publicar um livro.
-
Oriento para a leitura, reescrever,
processar seus dados concretos.
Não fechar o caminho, não negar possibilidades.
É a linguagem deles, seus sonhos.
A escola não os ajudou, inculpados, eles.
-
Todos nós temos dupla personalidade.
O Id e o Ego.
Um representa a sua vida física, material completa.
Poder ser brilhante, enriquecida de valores que ajudam a ser feliz.
pode ser angustiada e vacilante, incerta, insatisfeita.
Mesmo possuindo o que deseja, nada satisfazendo.
O Id representa sua vida interior paralela, ambivalente,
exercendo seu comando em descargas nervosas,
no eterno conflito entre a razão e o impulso incontrolado.
Dupla vida inter e extra, personalidade se contrapondo.
Pode ser trival e dependente, podemos fazê-la rica de cheia de nobreza,
nos valendo da força imensurável do pensamento positivo
emanando da vida interior que é o nosso mundo,
invisível a todos, sensível ao nosso ego.
-
Há sempre uma hora maldita na vida de um homem.
Pode levá-lo ao crime e às paredes sombrias de uma cela escura.
Um curto circuito nas baterias carregadas,
uma descarga nas linhas de transmissão potencial.
Daí, fatos aberrantes vque surpreendem.
Conclusões demolidores de um passado brilhante.
*
CORA CORALINA
"O Poeta e a Poesia
Vintém de Cobre
*
II
Um dia, houve.
Eu era jovem, cheia de sonhos.
Rica de imensa pobreza
que me limitava
entre oito mulheres que me governavam.
Eu parti em busca do meu destino.
Ninguém me estendeu a mão.
Ninguém me ajudou e todos me jogaram pedras.
-
Despojada. Apedrejada.
Sozinha e perdida nos caminhos incertos da vida.
E fui caminhando, caminhando . . .
E me nasceram filhos.
E foram eles, frágeis e pequeninos,
carecendo de cuidados,
crescendo devagarinho.
E foram eles a rocha onde me amparei,
anteparo à tormenta que viera sobre mim.
-
Foram eles, na sua fragilidade infante,
poste e alicerce, paredes e cobertura,
segurança de um lar
que o vento da insânia
ameaçava desabar.
Filhos, pequeninos e frágeis . . .
eu os carregava, eu os alimentava?
Não. Foram eles que me carregaram,
que me alimentaram.
-
foram correntes, amarras, embasamentos.
Foram fortes demais.
Construíram a minha resistência.
Filhos, fostes pão e água no meu deserto.
Sombra na minha solidão.
Refúgio do meu nada.
Removi pedras, quebrei as arestas da vida e plantei roseiras.
Fostes, para mim, semente e fruto.
Na vossa inconsciência infantil.
Fostes unidade e agregação.
-
Cresceste numa escola de luta e trabalho,
depois, cada qual se foi ao seu melhor destino,
E a velha mãe sozinha
devia ainda um exemplo
de trabalho e de coragem.
Minha última dívida de gratidão
aos filhos.
Fiz a caminhada de retorno às raízes ancestrais.
Voltei às origens da minha vida,
escrevi o "Cântico de Volta".
-
Assim devia ser.
Fiz um nome bonito de doceira, glória maior.
E as pedras rudes do meu berço
gravei poemas.
*
CORA CORALINA
"Semente e Fruto"
Vintém de Cobre
*
III
Que tenho sido, senão cigarra e formiga diligente
desse longo estio que se chama Vida . . .
Meus doces, meus tachos de cobre . . .
Meus Anjos da Guarda, valedores e certos.
Radarzinho . . . Meus fantasma familiares, meus romanceados
de permeio à venda dos doces.
Antes, lá longe, no passado, parindo filhos e criando filhos
e plantando roseiras, lírios e palmas, avencas e palmeiras,
em Jabotícabal, terra de meu aprendizado de viver.
terra de meus filhos.
Minha gente de Jaboticabal. Meu Anjo da Guarda, Radarzinho.
atento ao tacho, tangendo as abelhas que se danavam nos meus doces,
dando aviso certo na hora certa. De outras me apagando o fogo,
um modo de ajudar que só Radarzinho sabia. Em outros tempos, muito antes
tinha já plantado um vintém de cobre que regava com amor
na esperança de haver crias, Porção de vinténs
correndo para Aninha . . .
-
Meus fantasmas familiares do porão da Casa Velha da Ponte.
A todos, tantos, agradeço neste livro de vintém o auxílio, a alegria
que me deram o prazer daqueles que me ouviram contar estas estorinhas,
romances de uma menininha que plantou num canteiro sombreado,
milho, arroz, feijão, e alpiste.
E o irmão pequeno tinha um caminhãozinho de brinquedo,
e enquanto a roça crescia, o menino crescia
e ele enchia o caminhão daquela lavoura crescida no sonho da menina
que ia descarregar na máquina de seu Pinho, ali mesmo,
e voltava cheio de moedas e notas de cinco mil réis.
Aonde anda a mesma Célia, minha neta, que gostava de ouvir contar estórias
repetidas em repetição sem fim?
Célia, a vida, voce no passado, no presente e no futuro,
será sempre para mim aquela que um dia me ofereceu suas economias de criança
para me ajudar na publicação de um livro . . .
*
CORA CORALINA
"Cigarra Cantadeira e Formiga Diligente"
Vintém de Cobre
ENILDA P. DE PORTO
Nasceu em 12 de dezembro de 1919, signo de sagitário.
Jaguarão, Estado do Rio Grande do Sul.
Poetisa, funcionária pública . . .
Participou em antologias, revistas . . .
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . .
*
Meu coração sereno estava
Dormindo numa doce quietação
Nenhuma voz, nenhuma o despertava
Dormindo estava, meu coração.
-
Mas um dia, quem adivinharia,
Bateste em sua porta e aí então,
Já nada mais na vida o aquietaria
E do meu peito foi parar na tua mão.
-
Agora, meu amor, toma cuidado
E com carinho guarda-o bem guardado
Velado sempre pelo teu olhar.
-
Dormia, tu vieste despertá-lo.
Que possa teu amor, saber guardá-lo
Como soubeste assim vir acordá-lo.
*
ENILDA P. DO PORTO
"Coração"
ELENILSON NASCIMENTO
Nasceu em 13 de janeiro de 1975, signo de capricórnio.
Salvador, estado da Bahia, Brasil.
Poeta, cronista, ficcionista, professor . . .
Formou-se em Letras, pós-graduação em Metodologia
de Ensino Superior . . .
*
CANTOePALAVRAS
Poemas de Mil Compassos; Palavras Faladas Fadadas
Palavras; Minhas Mulheres e Meus Homens; O Pequeno Príncipe;
Quando Teresa Brigou com Deus; Um Longo Sonho de Futuro;
Confissões de uma Groupie; Olhos Vermelhos;
Clandestinos(Elenilson e Ana Carvalho);
Memórias de um Herege Compulsivo . . .
*
Tristeza . . . densa . . . alimenta . . . ausência
Contempla . . . aumenta . . . anseia . . . atormenta . . .
Tristeza . . . ó minha doce e adorada tristeza . . .
Nefasta . . . afasta . . . maltrata . . . devasta . . .
Aspiração . . . contradição . . . paixão . . . emoção . . .
Representação . . . solução . . . contramão . . . modificação . . .
Antagônica . . . camaleônica . . . sinistra . . . aflita . . .
Nefelibata . . . incompatível . . . irreversível . . . intransponível . . .
Conflagração . . . consumação . . . mortificação . . . dominação . . .
s . . . o . . . l . . . i . . . d . . . ã . . . o . . .
-
Nestes tempos ingremes, onde nada faz sentido,
Não sei mais o que é questão de sorte ou abrigo.
Vejo a névoa . . . o indevassável . . . o indizível . . .
O mundo está tão complicado . . . tão defasado . . .
O mundo está equivocado . . . ainda tão inexplorado . . .
E às vezes nos cobra tanto.
Veio a foice . . . nada é tão fácil de entender.
Tudo precisa de alguma explicação . . . de alguma razão . . .
De alguma revolução . . . pra ser entendido . . .
Armazenado . . . compactado . . . deletado . . .
Quando acreditei que tudo era um fato consumado,
Veio a vida . . . que nos esmaga e nos transforma em lixo reciclável.
Neste mundo pré-programado . . . ainda tão inacabado . . .
-
E ele (0 mundo) me pesa demais sobre os ombros.
Apresso-me a encontrar alegria em tudo
Por medo de ser obrigado a chorar?
Meu coração parece um órgão independente . . .
Às vezes age tão totalmente . . . enfadonhamente . . .
E na tentativa de desembrulhar este órgão,
Desembrulho-me . . . desnudo-me . . . deslumbro-me . . .
Eu só sei dizer que não sei compreender o que todos compreendem.
A paixão . . . a emoção . . . tudo é contradição . . .
E até a minha própria e amada tristeza em minha desgraçada lucidez
tudo é uma questão de atenção . . . de expressão . . .
-
Não vou lutar contra o que sinto
Porque tudo explode quando minto.
Vejo um cara no meu espelho,
Olhando-me com o seu olhar triste.
Apropriou-se da minha inconsciência
Que agora compartilho com aquele sujeito.
E tudo continua explodindo na minha inconsequência.
E em silêncio sofro . . . na procura insana por alguma
consonância
Quem inventou tudo isso?
Não foi eu, nem o Roberto Carlos.
Apenas aconteceu . . . despercebido . . inquieto . . . inacessível . . .
inatingível . . .
Agora vivo perseguido por olhares de uma multidão sem expressão.
Implacável . . . que por sorte só espera a morte.
-
Meu coração, este músculo complicado . . . descompassado . . .
De saudade bate e de dor e de mágoa sofre.
Escraviza o pensamento por ter feito tanto sofrimento.
E agora, a angústia bate dentro do meu peito.
Essa falta de confiança ardendo em minha pele.
-
tudo devido à velocidade com que tudo acontece
E esse tudo é tão fútil e descartável.
A engrenagem e a força das minhas palavras
Podem até ser traiçoeiras, talvez estejam suaves demais
Neste complicado poema inacabado.
-
E sigo em frente . . . desejando . . . escrevendo . . . sonhando . . .
Sentindo . . . sofrendo . . . cantando . . . amando . . .
Difícil ainda é vê o Sol com sua luxuosa luz da manhã.
O céu azul . . . o mar sem fim . . . teu corpo enfim . . .
Com minhas mãos molhadas de carne.
Atravesso vorazmente essa vida
Buscando alguma preleção . . .
Contemplação . . . interpelação . . . razão . . .
Mas continuo contemplando a interrogação.
-
forte rubor invade minha alma
Com sua balaustrada de pedras.
Enrubescendo meu espírito
E minha tez já não demonstra nenhuma jovialidade.
Sou um construtor . . . um criador . . . um artista amador . . .
Sendo, por muitas vezes, considerado um sicofanta literário
Que leva em sua alma . . . em sua palma . . . em sua calma . . .
Um cheiro agora de lírio podre . . .
de fruta podre . . . de corpo podre . . .
Dessa maldita erva daninha em que minha vida se transformou.
-
Então ouvi dizerem que acreditar em sonhos fosse algo
perigoso
E o que dizem do amor?
Além dele não existe nada.
No momento em que tudo parecia desmoronar . . . resolvi sonhar . . .
Sabia que era preciso ser persistente . . .
ser maluco . . . . irresponsável talvez.
A esse tempo e acaso, acrescento um grão de imprevisto.
E o grão da loucura, que é infinita na nossa finitude.
-
Sonhos mostram horizontes . . .
Horizontes verdes . . . azuis . . . de todas as cores.
Pois a corrida não é para os mais ligeiros.
Nem a batalha para os mais fortes.
Nem o pão para os mais famintos.
Nem as riquezas para os mais espertos.
Mas tudo depende do tempo . . . do acaso . . .
Da loucura . . . e dos sonhos - roupagem e alimento da alma.
-
As únicas certezas que encontrei na vida
Foram a morte e a desconfiança,
Mas não podemos nos acomodar e esperar.
Temos que mudar . . . mudar . . . mudar . . .
De modo a não ficar jamais encarcerados.
A vida pode muitas vezes parecer tediosa demais . . .
Cingida demais . . . obscura demais . . . reprimida demais . . .
E a existência uma árdua tarefa,
Que estes tempos de tristeza nos faz acreditar.
Nos deixando aprisionar e este ritmo enfadonho e sem vida
Desta vida ainda a ser vivida.
-
E se você não me entende . . .
Não me julgue . . . não me condene . . .
Mesmo na minha escuridão . . sendo um forasteiro imiscuído
Continuo acreditando que minha própria tristeza
Vai me dizer a solução . . a interseção . . .
Pois vi sua dor e toquei em sua paixão
Provei cada lágrima cada vez que chorou.
E o amor sofreu com tanta dor
E minha doce tristeza de saudade então
Volta a gritar com tamanha aflição
Porque estou a morrer de tanta
s . . . o . . . l . . i . . . d . . . ã . . . o . .
*
ELENILSON NASCIMENTO
"O Complicado Poema Inacabado"
MARIANA IANELLI
Nasceu em 17 de outubro de 1979, signo de libra.
São Paulo, Brasil.
Poetisa, neta de Arcangelo Ianelli, artista plástico.
Formada em jornalismo pela P.U.C. de São Paulo.
Professora , em Literatura e Crítica Literária.
participa em jornais e revista . . .
Homenagens:
Prémio "Fundação Bungue"
*
CANTOePALAVRAS
Trajetória Antes, 1999; Duas Chagas, 2001; Passagens, 2003;
Mutações, 2003; Fazer Silêncio, 2005; Almádea, 2007;
Um Rio de Contos(antologia), 2009; Treva Alovorada, 2010 . . .
*
I
Alguém balança na rede
alguém grita meu nome
faz cócegas no vento
e ao pé do meu pé,
acende a luz do corredor
se esquiva no fim dele
perdendo-se na sombra,
alguém arrasta o rabo
de uma capa escurecida,
mergulha no neon urbano e televisivo
dessa noite impessoal,
alguém faz a careta
para embaralhar meu entendimento
e redobrar o meu terror,
alguém me põe no regaço
me dá o leite do peito
pra tirar às chupadelas,
alguém mostra-me as mãos
no extremo de névoa do corredor,
me oferece pincéis com que pintar
a cidade através da janela,
alguém me esconde um assassínio
debaixo do travesseiro
abafando a exalação,
alguém me condena
luta com a minha pureza de criança
deslumbrada e perplexa.
- Alguém que me mata
é quem sem um socorro uma saída
está morto.
*
MARIANA IANELLI
"Alguém"
Trajetória de Antes
*
II
Aperto os olhos de análise
e num pesadelo ou poesia
chamarei a solidão.
E quando eu recebê-la
vai estar ali, meio vexada
-se isso for possível-
uma coragem de seguir.
Esse apelo específico
talvez ímpeto, talvez relâmpago,
coragem minha e tua,
não é fato pensado.
Um medo o inverte um pouco,
então nós perdemos a ação,
Sim: a(tua e minha) coragem
é uma ausência repentina do medo,
esse companheiro que nos dá
às vezes choro, orgasmo às vezes.
Estamos em torno da solidão
e somos tristes, bravos,
como quem ganha amor
como quem ganha pesares
e não se move, não grita.
Nesse tempo de faltas
somos assim
- estáticos, feito uma diferença.
*
MARIANA IANELLI

"Na Missão dos Olhos" 

THIAGO DE MELLO
Amadeu Thiago de Mello
Nasceu a 30 de março de 1926, signo de peixes.
Barreirinha, Estado do Amazonas, Brasil.
Morou no Rio de Janeiro, Brasil, onde frequentou a Universidade do Rio de
Janeiro, Faculdade de Medicina,daí se envolveu com poesia. Preso na
ditadura, por ideologias, não aceitas pelo regime . . .
Amigo de Pablo Neruda . . .
*
CANTOePALAVRAS
Silencio e Palavra, 1951; Narciso Cego, 1952; A Lenda da Rosa, 1956;
A Estrela da Manhã
, 1958
; Vento Geral, 1960; Os Íntimos Metais, 1963;
Faz Escuro mas eu Canto, 1963; Os
Estatutos do Homem, 1973/79;
Canto do Amor Armado,1975;
Poesia Comprometida com a minha e a tua Vida, 1975;
Horóscopo para os que estão Vivos, 1980;
Mormaço na Floresta, 1983; Arte e Ciência de Empinar Papagaios, 1983;
A Canção do Amor Armado, 1983;
Manaus, Amor e Memória, 1984 . . .
*
I
CRISTO nasceu. Nascido permanece.
Contudo não lhe fui à manjedoura:
à medida
que morro desaprendo
o caminho sonhado por meus pés.
Ervas recobrem sendas de Judá
que outrora palmilharam magos, bois.
(Já à beira do Sinai, nascem fragores,
não das sarças ardendo, mas dos ódios.)
-
Aos olhos de quem soube do menino
e se aventura a achá-lo, entre destroços
de uma Jerusalém abandonada,
não brilha mais a estrela solitária.
Hoje são muitas, todas nos confundem
e indicam mil caminhos: nenhum leva
ao Cristo adormecido, entre capim.
-
O cristal do seu pranto está perfeito.
Os mugidos perduram, sempre humildes.
A mensagem de amor, o incenso, a mirra.
A palavra dos anjos ainda soa.
mas já não racha o muro dos ouvidos
que, por nada escutar, ficaram moucos.
-
Por isso nosso amor é diferente:
imperfeito e aleijado - um fogo surdo
que apenas arde, queima, e não aclara
o nosso obscuro e inútil coração.
-
No pecado, que é nosso abismo e amparo,
está no entanto a chave, humana e esquiva,
do mundo que nos coube e o seu mistério,
- se aprendermos a amar. Aquém de amar
o pássaro azul, importa amar
tão simplesmente o pássaro, sem céu.
-
Amar(sem recompensa), por exemplo,
a carne repelida porque enorme
e inerme, e azeda, e amarga, após o abraço.
E amar, sem tornar vil, nossa alma de homem
- ai, frágil, desvairada alma, tão grande
para abrigar tão mínima aventura,
com sua podridão angustiada,
que nos consome porque não sabemos
o caminho que leva à manjedoura.
*
THIAGO DE MELLO
"Poema de Natal, Quase de Amor"
Vento Geral
*
II
Soubemos que ele nascera,
então fomos adorá-lo.
Era uma criança chegando,
trazendo o humano condão
de inventar novos caminhos.
-
Bois não cercavam o menino.
Nem burros. Estava só,
(Fora dos olhos do boi,
onde buscar a humildade
mister para a adoração?).
-
Somente um raio de lua
debruava o doce mistério
de uma carne sem pecado:
tanta alvura, contra o negro
da noite, lembrava a flor
que rompe o solo do mundo.
-
Os pastores da comarca
longe estavam, nem souberam.
Anjo nenhum avisou-lhes
que havia um novo menino
adormecido no campo.
-
Magos também não chegaram
para ofertar-lhe riquezas.
E acalentavam-lhe o sono
- em vez de ternas canções -
vozes roufenhas e roncos
agudos, bárbaros roncos.
-
Em verdade estava só,
muito só - a pobre criança
nascida em dias tão rudes.
-
Os homens fugiram todos,
nem lhe fizeram reparo;
que aquele recém-chegado
vinha acordar velhas brasas,
redescobrir entre a triste
cinza uma constelação.
-
Ao ver o mundo vazio,
faz de seu sono precário
um sono definitivo
feito de puro silencio.
-
Os homens então regressam
(nos olhos assombro e medo);
alguns menos espantados
levam o corpo do menino.
o seco e pálido corpo
de quem traria, talvez,
um claro e novo recado
de Jesus a nosso tempo.
*
THIAGO DE MELLO
"Poema de Natal"
Vento Geral
*
III
Eu sei que todos a viram
e jamais a esquecerão.
Mas é possível que alguém,
denso de noite, estivesse
profundamente dormido.
E aos dormidos - e também
aos que estavam muito longe
e não puderam chegar,
aos que estavam perto e perto
permaneceram sem vê-la;
aos moribundos nos catres
e aos cegos de coração -
a todos que não a viram
contratei desta manhã
- manhã é céu derramado
é cristal de claridão -
que reinou, de leste a oeste,
de morro a mar - na cidade.
-
Pois dentro desta manhã
vou caminhando. E me vou
tão feliz como a criança
que me leva pela mão.
Não tenho nem faço rumo;
vou no rumo da manhã,
levado pelo menino
(ele conhece caminhos
e mundos, melhor do que eu).
-
Amorosa e transparente,
esta é a sagrada manhã
que o céu inteiro derrama
sobre os campos, sobre as casas,
sobre os homens, sobre o mar.
Sua doce claridade
já se espalhou mansamente
por sobre todas as dores.
Já lavou a cidade. Agor,
vai lavando corações
(não o de menino; o meu
que é cheio de escuridões).
-
Po verdadeira, a manhã
vai chamando outras manhãs
sempre radiosas que existem
(e às vezes tarde despontam
ou não despontam jamais)
dentro dos homens, das coisas;
na roupa estendida à corda,
nos navios chegando,
na torre das igrejas,
nos pregões dos peixeiros,
na serra circular dos operários,
nos olhos da moça que passa, tão bonita!
A manhã está no chão, está nas palmeiras,
está no quintal dos subúrbios,
está nas avenidas centrais,
está nos terraços dos arranha-céus.
(Há muita, muita manhã
nos meninos; e um pouco em mim).
-
A beleza mensageira
desta radiosa manhã
não se resguardou no céu
nem ficou apenas no espaço,
feita de Sol e de vento,
sobrepairando a cidade.
Não; a manhã se deu ao povo.
-
A manhã é geral.
-
As árvores da rua,
a réstia do mar,
as janelas abertas,
o pão esquecido no degrau,
as mulheres voltando da feira,
os vestidos coloridos,
o casal de velhos rindo na calada,
o homem que passa com cara de sono,
a provisão de hortaliças,
o negro na bicicleta,
o barulho do bonde,
os passarinhos namorando
- ah! pois todas essas coisas
que minha ternura encontra
num pedacinho de rua,
dão eterno testemunho
da amada manhã que avança
e de passagem derrama
aqui uma alegria,
ali entrega uma frase
(como o dia está bonito!)
à mulher que abre a janela,
além deixa uma esperança,
mais além uma coragem,
e além, aqui e ali
pelo campo e pela serra,
aos mendigos e aos sovinas,
aos marinheiros, aos tímidos,
aos desgraados, aos prósperos,
aos solitários, aos mansos,
às velhas virgens, às puras
e às doidivanas também,
a manhã vai derramando
uma alegria de viver,
vai derramando um perdão,
vai derramando uma vontade de cantar.
-
E de repente a manhã
- manhã é céu derramado,
é claridão, claridão -
foi transformando a cidade
numa praça imensa praça,
e dentro da praça o povo
o povo inteiro cantando, dentro do povo o menino
me levando pela mão.
*
THIAGO DE MELLO
"Notícia da Manhã"
Vento Geral
*
IV
pois aqui está a minha vida.
Pronta para ser usada.
-
Vida que não se guarda
nem se esquiva, assustada.
Vida sempre a serviço da vida.
Para servir ao que vale
a pena e o preço do amor.
-
Ainda que o gesto me doa,
não encolho a mão; avanço
levando um ramo de Sol.
Mesmo enrolada de pó,
dentro da noite mais fria,
a vida que vai comigo
é fogo;
está sempre acesa.
-
Vem da terra dos barrancos
o jeito doce e violento
da minha vida; esse gosto
da água negra transparente.
-
A vida vai no meu peito,
mas é quem vai me levando;
tição ardente velando,
girassol na escuridão.
-
Carrego um grito que cresce
cada vez mais na garganta,
cravando seu travo triste
na verdade do meu canto.
-
Canto molhado e barrento
de menino do Amazonas
que viu a vida crescer
nos centros da terra firme.
Que sabe a vinda da chuva
pelo estremecer dos verdes
e sabe leros recados
que chegam na asa do vento.
Mas sabe também o tempo
da febre e o gosto da fome.
-
Nas águas da minha infância
perdi o medo entre os rebojos.
Por isso avanço cantando.
-
Estou no centro do rio,
estou no meio da praça.
Piso firme no meu chão,
sei que estou no meu lugar,
como a panela no fogo
e a estrela na escuridão.
-
O que passou não conta? indagarão
as bocas desprovidas.
Não deixa de valer nunca.
O que passou ensina
com sua garra E SEU MEL.
-
Por isso é que agora vou assim
no meu caminho. Publicamente andando.
-
Não, não tenho caminho novo.
O que tenho de novo
é o jeito de caminhar.
Aprendi
(o caminho me ensinou)
a caminhar cantando
como convém
a mim
e aos que vão comigo.
Pois já não vou mais sozinho.
-
Aqui tenho a minha vida;
feita à imagem do menino
que continua varando
os campos gerais
e que reparte o seu canto
como o seu avô
repartia o cacau
e fazia da colheita
uma ilha de bom socorro.
-
Feita à imagem do menino
mas à semelhança do homem;
com tudo que ele tem de primavera
de valente esperança e rebeldia.
-
Vida, casa encantada,
onde eu moro e mora em mim,
te quero assim verdadeira
cheirando a manga e jasmim.
Que me sejas deslumbrada
como ternura de moça
rolando sobre o capim.
-
Vida, toalha limpa,
vida posta na mesa,
vida brasa vigilante
vida pedra e espuma,
alçapão de amapolas,
o Sol dentro do mar,
estrume e rosa do amor;
a vida.
-
Há que merecê-la.
*
THIAGO DE MELLO
"A Vida Verdadeira"
Vento Geral
*
V
Tenho uma grande notícia, Sagitário:
em pleno meio-dia de inverno,
o ranço da rotina te queimando,
festejarás inesperadamente
o descobrimento de algo
que talvez te seja amargo,
mas que abrirá em tua vida
um caminho diferente e seguramente luminoso.
-
Reconheço que Júpiter
entre Abri e Maio
te deitará armadilhas coloridas.
Mas confio no teu desprendimento.
Se te Livas delas
( e o pior é que elas estarão à luz do Sol),
experimentarás a delícia extrema
de cantar de alegria,
e esse teu canto será repartido.
Convém que consigas(para contemplá-lo
largamente
e guardar no teu peito
a força do seu profundo ensinamento)
o primeiro selo emitido, com todas as cores
do arco-íris humano,
pela República de Guiné-Bissau,
radiosa no poder do seu povo,
que se ergue para o mundo,
no momento em que a aurora,
tanto tempo escondida,
retorna e redime as praças lusitanas.
Vejo para breve
uma perigosa conjugação com Vénus.
Te direi que contra i infinito
traiçoeiro de Vénus
a melhor coisa que existe
ainda é a carícia fabulária
do canto do uyrapurú,
o pássaro pequenino que domina,
com o seu canto,
as florestas altas do meu Amazonas.
Como seu que não é fácil,
trata de encontrar um sucedâneo,
e, se possível, dentro do teu peito.
E basta de tomar tantas notas
e ler todas as letras dos compêndios
para a definição da cultura,
a famosa cultura burguesa ocidental,
que cada dia mais apodrece
como um sapo seco.
Melhor é que trates de fazer música:
organiza a tua gente
e arma o teu conjunto regional
de sabor popular,
para solo de flauta e violão
e, quando for conveniente,
com acompanhamento de rifle.
*
THIAGO MELLO
"Sagitário"


GERSON VIANA DA SILVA
Nasceu em 14 de Julho de 1953, São Paulo, Brasil.
Poeta...
*
CANTOePALAVRAS
.............................................
I
Cá neste canto, cantando
com paz e brisa.
Caminhando na areia da praia,
embebendo-me nos grãos da vida,
possuindo o domínio instante da raia.
-
Neste palco de alegrias,
que me encanto com o canto,
Dando valor a força da beleza,
com ar de seriedade nos olhos do mundo.
-
Cada cor do sucesso torna-se vida.
Transmitida no fundo do poço com calor,
Penetre em sua mente fabulosa
Que com muita sabedoria nos conduz.
Neste dia de alegria, que poesia nebulosa!
-
Sabe você aonde estamos?
neste sonho sacular cuidadoso.
Com peito de galhardia assim leve,
que assim, que não queira, ainda é fabuloso.
-
Espaço presente, tempo marcante.
Marca incerta, medo tenaz.
Dia total da sabedoria exuberante.
Desde as cavernas o poeta se faz.
-
A poesia, viva, vida, viva.
*
GERSON VIANA DA SILVA
"O Dia da Vida"



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