quinta-feira, 30 de abril de 2009

152 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
Nasceu em 19 de maio de 1890, signo de touro.
Lisboa, Portugal.
Poeta, um dos fundadores da revista "Orpheu", com a
poesia "Indícios de oiro", na primeira edição.
Amigo de Fernando Pessoa. . .
Faleceu, 26 de abril de 1916.
Estilo Modernista.
*
CANTOePALAVRAS
Dispersão, 1914; Indicíos de oiro, 1937 (lançamento
depois da sua morte). . .
Amizade (teatro); Princípio (conto), 1912;
Céu em Fogo (conto), 1915; A confissão de Lúcio (narrativa)...
*

I
Ai, como eu te queria toda de violetas
E flébil de cetim. . .
Teus dedos longos, de marfim,
Que os sombreassem jóias pretas. . .
-
E tão febril e delicada
Que não pudesse dar um passo.-
Sonhando estrêlas, transtornada,
Com estampas de côr no regaço. . .
-
Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas.-
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas. . .
-
Ah! que as tuas nostalgias fossem guizos de prata -
Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata. . .

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Teus beijos, queria-os de tule,
Transparecendo carmin -
Os teus espasmos, de seda. . .
- Água fria e clara numa noite azul,
Àgua, devia ser o teu amor por mim. . .
*
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
"A Inigualável"

*
II
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!
*
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
"Fim"
*
III
Um pouco mais de Sol - eu era a brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além,
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
-
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador  de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
-
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
entanto nada foi só ilusão!
-
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai! a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
-
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
-
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o Sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO 
"Quase"
Dispersão
*
IV
Lord que eu fui de Escócias doutra vida
Hoje arrasta por esta a sua decadência,
Sem brilho e equipagens.
"Milord" reduzido a viver de imagens,
Pára às montras de jóias de Opulência
Num desejo brumoso - em dúvida iludida...
-Por isso a minha eterna impaciência.
-
Olha as Praças, rodeia-as...
Quem sabe se ele outrora
Teve Praças, como esta, e palácios e colunas -
Longas terras, quintas cheias,
Iates pelo mar fora,
Montanhas e lagos, florestas e dumas...
-
( - Por isso a sensação em mim fincada há tanto
Dum grande patrimônio algures haver perdido;
Por isso o meu desejo astral de luxo desmedido -
E a Cor na minha Obra o que ficou do encanto...)
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"O Lord"
Indícios de Ouro
*
V
Caprichos de lilás, febres esguias,
Enlevos de Ópio - Íris-abandono...
Saudades de luar, timbre Outono,
Cristal de essências langues, fugidias...
-
O pajem débil das ternuras de cetim,
O friorento das carícias magoadas;
O príncipe das Ilhas transtornadas - 
Senhor feudal das Torres de marfim...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Anto"
Indícios de Ouro
*
VI
Nada  me expira já, nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
-
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
-
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de novo, fui-me Deus,
No grande rastro fulvo que me ardia.
-
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
-
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio:
Eu próprio me traguei na profundura;
Me sequei todo, endureci de tédio.
-
E só me resta uma alegria;
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Além-Tédio'
Dispersão
*
VII
O raio do sol da tarde
Que uma janela pedida
Refletiu
Num instante indiferente -
Arde,
Numa lembrança esvaída,
À minha memória de hoje
Subitamente...
-
Seu efémero arrepio
ziguezagueia, ondula, foge,
Pela minha retentiva...
- E não poder adivinhar
Por que mistério se me evoca
Esta ideia fugitiva,
Tão débil que mal me toca!...
-
-Ah!, não sei porquê, mas certamente
Aquele raio cadente
Alguma coisa foi na minha sorte
Que a sua projeção atravessou...
-
Tanto segredo no destino de uma vida...
-
É como a ideia de Norte,
Preconcebida,
Que sempre me acompanhou...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
" Ápice"
Indícios de Ouro
*
VIII
Olho em volta de mim. todos possuem -
Em afeto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não posso mesmo quando enlaço.
-
roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!
-
quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.
-
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...
-
Castrado de alma e sem saber fixar-me
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...
-
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...
-
Desejo errado... Se a tivera um dia,
toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...
-
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...
-
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
aquilo que estrebucho e não posso.
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Como eu não posso"
Dispersão  

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