MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
Nasceu em 19 de maio de 1890, signo de touro.
Nasceu em 19 de maio de 1890, signo de touro.
Lisboa, Portugal.
Poeta, um dos fundadores da revista "Orpheu", com a
poesia "Indícios de oiro", na primeira edição.
Amigo de Fernando Pessoa. . .
Poeta, um dos fundadores da revista "Orpheu", com a
poesia "Indícios de oiro", na primeira edição.
Amigo de Fernando Pessoa. . .
Faleceu, 26 de abril de 1916.
Estilo Modernista.
*
CANTOePALAVRAS
Dispersão, 1914; Indicíos de oiro, 1937 (lançamento
depois da sua morte). . .
Amizade (teatro); Princípio (conto), 1912;
Céu em Fogo (conto), 1915; A confissão de Lúcio (narrativa)...
*
I
Ai, como eu te queria toda de violetas
E flébil de cetim. . .
Teus dedos longos, de marfim,
Que os sombreassem jóias pretas. . .
-
E tão febril e delicada
Que não pudesse dar um passo.-
Sonhando estrêlas, transtornada,
Com estampas de côr no regaço. . .
-
Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas.-
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas. . .
-
Ah! que as tuas nostalgias fossem guizos de prata -
Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata. . .
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Teus beijos, queria-os de tule,
Transparecendo carmin -
Os teus espasmos, de seda. . .
- Água fria e clara numa noite azul,
Àgua, devia ser o teu amor por mim. . .
*
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
"A Inigualável"
*
II
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!
*
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
"Fim"
*
III
Um pouco mais de Sol - eu era a brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além,
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
-
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
-
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
entanto nada foi só ilusão!
-
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai! a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
-
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
-
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o Sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Quase"
Dispersão
*
IV
Lord que eu fui de Escócias doutra vida
Hoje arrasta por esta a sua decadência,
Sem brilho e equipagens.
"Milord" reduzido a viver de imagens,
Pára às montras de jóias de Opulência
Num desejo brumoso - em dúvida iludida...
-Por isso a minha eterna impaciência.
-
Olha as Praças, rodeia-as...
Quem sabe se ele outrora
Teve Praças, como esta, e palácios e colunas -
Longas terras, quintas cheias,
Iates pelo mar fora,
Montanhas e lagos, florestas e dumas...
-
( - Por isso a sensação em mim fincada há tanto
Dum grande patrimônio algures haver perdido;
Por isso o meu desejo astral de luxo desmedido -
E a Cor na minha Obra o que ficou do encanto...)
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"O Lord"
Indícios de Ouro
*
V
Caprichos de lilás, febres esguias,
Enlevos de Ópio - Íris-abandono...
Saudades de luar, timbre Outono,
Cristal de essências langues, fugidias...
-
O pajem débil das ternuras de cetim,
O friorento das carícias magoadas;
O príncipe das Ilhas transtornadas -
Senhor feudal das Torres de marfim...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Anto"
Indícios de Ouro
*
VI
Nada me expira já, nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
-
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
-
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de novo, fui-me Deus,
No grande rastro fulvo que me ardia.
-
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
-
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio:
Eu próprio me traguei na profundura;
Me sequei todo, endureci de tédio.
-
E só me resta uma alegria;
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Além-Tédio'
Dispersão
*
VII
O raio do sol da tarde
Que uma janela pedida
Refletiu
Num instante indiferente -
Arde,
Numa lembrança esvaída,
À minha memória de hoje
Subitamente...
-
Seu efémero arrepio
ziguezagueia, ondula, foge,
Pela minha retentiva...
- E não poder adivinhar
Por que mistério se me evoca
Esta ideia fugitiva,
Tão débil que mal me toca!...
-
-Ah!, não sei porquê, mas certamente
Aquele raio cadente
Alguma coisa foi na minha sorte
Que a sua projeção atravessou...
-
Tanto segredo no destino de uma vida...
-
É como a ideia de Norte,
Preconcebida,
Que sempre me acompanhou...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
" Ápice"
Indícios de Ouro
*
VIII
Olho em volta de mim. todos possuem -
Em afeto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não posso mesmo quando enlaço.
-
roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!
-
quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.
-
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...
-
Castrado de alma e sem saber fixar-me
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...
-
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...
-
Desejo errado... Se a tivera um dia,
toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...
-
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...
-
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
aquilo que estrebucho e não posso.
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Como eu não posso"
Dispersão
Estilo Modernista.
*
CANTOePALAVRAS
Dispersão, 1914; Indicíos de oiro, 1937 (lançamento
depois da sua morte). . .
Amizade (teatro); Princípio (conto), 1912;
Céu em Fogo (conto), 1915; A confissão de Lúcio (narrativa)...
*
I
Ai, como eu te queria toda de violetas
E flébil de cetim. . .
Teus dedos longos, de marfim,
Que os sombreassem jóias pretas. . .
-
E tão febril e delicada
Que não pudesse dar um passo.-
Sonhando estrêlas, transtornada,
Com estampas de côr no regaço. . .
-
Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas.-
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas. . .
-
Ah! que as tuas nostalgias fossem guizos de prata -
Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata. . .
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Teus beijos, queria-os de tule,
Transparecendo carmin -
Os teus espasmos, de seda. . .
- Água fria e clara numa noite azul,
Àgua, devia ser o teu amor por mim. . .
*
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
"A Inigualável"
*
II
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!
*
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
"Fim"
*
III
Um pouco mais de Sol - eu era a brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além,
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
-
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
-
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
entanto nada foi só ilusão!
-
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai! a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
-
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
-
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o Sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Quase"
Dispersão
*
IV
Lord que eu fui de Escócias doutra vida
Hoje arrasta por esta a sua decadência,
Sem brilho e equipagens.
"Milord" reduzido a viver de imagens,
Pára às montras de jóias de Opulência
Num desejo brumoso - em dúvida iludida...
-Por isso a minha eterna impaciência.
-
Olha as Praças, rodeia-as...
Quem sabe se ele outrora
Teve Praças, como esta, e palácios e colunas -
Longas terras, quintas cheias,
Iates pelo mar fora,
Montanhas e lagos, florestas e dumas...
-
( - Por isso a sensação em mim fincada há tanto
Dum grande patrimônio algures haver perdido;
Por isso o meu desejo astral de luxo desmedido -
E a Cor na minha Obra o que ficou do encanto...)
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"O Lord"
Indícios de Ouro
*
V
Caprichos de lilás, febres esguias,
Enlevos de Ópio - Íris-abandono...
Saudades de luar, timbre Outono,
Cristal de essências langues, fugidias...
-
O pajem débil das ternuras de cetim,
O friorento das carícias magoadas;
O príncipe das Ilhas transtornadas -
Senhor feudal das Torres de marfim...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Anto"
Indícios de Ouro
*
VI
Nada me expira já, nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
-
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
-
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de novo, fui-me Deus,
No grande rastro fulvo que me ardia.
-
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
-
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio:
Eu próprio me traguei na profundura;
Me sequei todo, endureci de tédio.
-
E só me resta uma alegria;
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Além-Tédio'
Dispersão
*
VII
O raio do sol da tarde
Que uma janela pedida
Refletiu
Num instante indiferente -
Arde,
Numa lembrança esvaída,
À minha memória de hoje
Subitamente...
-
Seu efémero arrepio
ziguezagueia, ondula, foge,
Pela minha retentiva...
- E não poder adivinhar
Por que mistério se me evoca
Esta ideia fugitiva,
Tão débil que mal me toca!...
-
-Ah!, não sei porquê, mas certamente
Aquele raio cadente
Alguma coisa foi na minha sorte
Que a sua projeção atravessou...
-
Tanto segredo no destino de uma vida...
-
É como a ideia de Norte,
Preconcebida,
Que sempre me acompanhou...
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
" Ápice"
Indícios de Ouro
*
VIII
Olho em volta de mim. todos possuem -
Em afeto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não posso mesmo quando enlaço.
-
roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!
-
quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.
-
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...
-
Castrado de alma e sem saber fixar-me
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...
-
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...
-
Desejo errado... Se a tivera um dia,
toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...
-
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...
-
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
aquilo que estrebucho e não posso.
*
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
"Como eu não posso"
Dispersão
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