quarta-feira, 29 de abril de 2009

155 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


▬▬ CARLOS QUEIRÓS
José Carlos Queiroz Nunes Ribeiro
Nasceu a 05 de abril de 1907, signo de áries,
na capital de Portugal, Lisboa.
Colaborou com a revista"Presença" e outras tantas revistas.
Foi laureado com o"Prémio Antero de Quental". . .
Faleceu 27 de outubro de 1949.
*
CANTOePALAVRAS
Desaparecido, 1935; Breve Tratado Não Versificação, 1948 . . .
Homenagem a Fernando Pessoa. . .
*
I
Sabe-se a sonho
Estar aqui,
De olhos fechados,
Pensando em ti.
-
Isto recorda-me
Aquele dia
Em que te olhava,
Mas não te via.
-
Tu perguntaste:
- Que estás a ver?
Fechei os olhos
Sem responder.
-
A tua voz. . .
Como a senti!
Vinha de tudo,
Menos de ti.
*
CARLOS QUEIRÓS
"Sugestão"
Desaparecido
*
II
Ó varina, passa,
Passa tu primeiro!
Que és a flor da raça,
A mais séria graça
Do país inteiro.
-
O teu vulto seja
Sonora fanfarra,
Zimbório de igreja;
Que logo te veja
Quem entra na barra.
-
Lisboa, esquecida
Que é porto-de-mar
Sente a sua vida
Recontituída
Pelo teu andar.
-
Dá-lhe a tua graça
Clássica e sadia.
Ó varina, passa!
Na noite da raça
Teu pregão faz dia.
-
Vê que toda a gente
Ao ver-te, sorri.
Não sabe o que sente,
Mas fica contente
De olhar para ti.
-
E sobre o que pensa
Quem te vê passar,
Eterna, suspensa,
Acena a imensa
Presença do mar.
*
CARLOS QUEIRÓS
"Varina"
Desaparecido
II
Quem olha para trás, volta a cabeça . . .
- No lago, o barco de papel, não anda!
O teimoso menino que o comanda,
Sou eu ainda, embora não pareça.
-
O Sol, que em mim agora dá,
Não brilha tanto, já.
Contudo, o mesmo sou
Que no jardim cantou:
«Giroglé - Giroflá».
-
Afasto os olhos húmidos, do lado
Desta lembrança, quase diluída.
Repiro fundo e volto para a vida,
Atónito, febril, desencantado . . .
*
CARLOS QUEIROZ
"Jardim"
Desaparecido . . .
*
IV
Eu e a noite,
Chegámos ao mesmo tempo
Àquela povoação:
- Uma aldeia que eu guardo na memória,
Como se guarda duma noiva morta
A doce recordação.
-
Fecho os olhos e vejo-a: - as casas, o moinho,
O coreto e a fonte . . .
Quem os ergueu, sabia quem eu sou;
E, - para me encantar - como eu, outrora,
Arrumava no quarto os meus brinquedos,
Tal-qual os arrumou.
-
Criança? - Já o não era,
Ao mesmo tempo em que isto foi;
Mas ainda conservo a sensação
(Quase triste, de tão enternecida,)
De ser a noite
Que me levava pela mão . . .
*
CARLOS QUEIROZ
"Aldeia"
Desaparecido
▬▬
CONDE DE MONSARAZ
António de Macedo Papança
Nasceu a 18 de Julho de 1852 signo de cancer.
Reguengos de Monsaraz, Província do Alentejo, Portugal.
Advogado, poeta, político.
Doutorou-se na Universidade de Coimbra. . .
Centenário da morte de Luís de Camões, 1880, recitou "Catarina de Ataíde"
na "Sala dos Capelos" da Universidade de Coimbra...
Faleceu a 17 de junho de 1913.
*
CANTOePALAVRAS
Crespusculares, 1876; Catarina de Ataíde, 1880;
Todas Histórias, 1882; Musa Alentejana, 1998 . . .
*
I
Em julho, as cegonhas ajuntam-se em bando,
Desertam dos ninhos e partem voando,
Fugindo aos calores;
Acabam nos campos as ceifas ardentes,
São mortas as relvas, as águas dormentes
E murcha as flores.
-
Ajuntam-se em bandos, nas margens dos rios,
Caladas, tristonhas, de aspectos sombrios
Até que, aos molhares,
As asas abertas, as pernas retesas,
Os bicos em riste, das largas devesas
Se ampliam aos ares.
-
Onde ides tão altas, cegonhas; cegonhas,
Buscar novos climas, caladas, tristonhas,
Seguir novos trilhos?
Não tendes já nada que aqui vos detenha
Nas torres, nas faias, nas serras de lenha,
Criados os filhos?
-
Criados os filhos, não tendes já nada
Que possa prender-vos à terra sagrada
Das várzeas risonhas;
Por isso, com eles dos ninhos partistes,
Com eles voastes, saudosas e tristes,
Cegonhas, cegonhas!
-
E até para o ano, se Deus nos der vida;
Que a instinto da espécie vos move e convida
De novo a voltar;
veremos o bando que em Julho nos deixa,
E Março de volta, co'as asas em flexa
Remando no ar!
-
Freirinhas cingidas de véus alvacentos,
Fugiram, regressam de novo aos conventos
Na pas do Senhor,
E havemos de vê-las a olhar como dantes
Curvadas, imóveis, dos altos mirantes,
Os campos em flor.
-
Nas velhas igrejas havemos de vê-las
Em êxtases, graves, leais sentinelas
De Deus que as protege,
E pelos serviços que os campos têm feito;
Havemos de vê-las no amor, no respeito
do crente e do herege.
-
Nos verdes quinchosos, cegonhas; Deus dá-vos
E volta dos ninhos papoilas e cravos
E ervilhas de cheiro,
E rosas sovestres trepando e açucenas
Que à noite perfumam os pastos e as penas
Do vosso canteiro.
-
Deus dá-vos, cegonhas; o gozo de olhardes
Na paz, na agonia das místicas tardes
Os gados tranquilos,
A veia bebendo das águas correntes,
Enquanto se escuta, nas calmas vertentes,
A troça dos grilos.
-
E a ânsia das rodas e as queixas de nora,
Em prantos que a terra sedenta devora
Num rude cansaço,
As vozes do tempo, do espaço infinito,
Que gritam, confusas: - "Deus seja bendito;
No tempo e no espaço".
-
Cegonhas, cegonhas, que nunca nos falte
Convosco o mais vivo, mais límpido esmalte
Que alegra a paisagem!
Cá tendes o ninho na torre da ermida,
Até para o ano, de Deus nos der vida,
E adeus, boa viagem!
*
CONDE DE MONSARAZ
"As Cegonhas"
*
II
Uma criança que salta,
Que canta, que ri e chora,
É uma risonha aurora
Que o coração nos esmalta.
Triste daquele a quem falta.
-
Na vida que se evapora,
Uma criança, que ri e chora.
-
Se o desalento me assalta,
Se a doença me devora,
Dá-me uma estranha melhora,
Que me anima e que me exalta.
Uma criança que salta,
Que canta, que ri e chora!
*
CONDE DE MONSARAZ
"Aos Tristes"

▬▬
NUNO JÚDICE
Nasceu a 29 de abril de 1949, signo de touro,
Mexilhoeira Grande, Portimão, Província de Algarve, Portugal.
Lecionou, Filologia Romanica, na Universidade de Lisboa.
Homenagens: Prémio "Pablo Neruda"; Prémio "Pen Clube",
1985; Prémio "D.Dinis", 1990; Prémio Ana Hatherly, 2001 . . .
*
CANTOePALAVRAS
A Noção de Poema, 1972; O Pavão Sonoro, 1972;
Crítica Doméstica dos Paralelepípedos, 1973;
As Inumeráveis Águas, 1974; O Mecanismo Romântico da
Fragmentação, 1975; Nos Braços da Exígua Luz, 1976;
O Vôo de Igitur num Corpo de Dados, 1981; Pláncton (romance), 1981; 
A Partilha dos Mitos, 1982; Lira de Líquen, 1985; 
Obra Poética, 1999. . .
*
I
 Semelhante à sombra do Homem,
assim chego à luz das chamas. Ardo
em dúvida, múltiplo e dividido,
e também ouço o barulho dos que medem
a dupla distância: da razão à oucura,
da cabeça aos pés.
Na verdade, os áridos olhos evitam o azul,
a cor uníssona,
e rendem ao túmulo solar o culto
da sua própria abertura.
Pródigos em sagrado
para que eu, receosamente, nomeie
os grandes braços da tempestade.
*
NUNO JÚDICE
'A Árvore"
O Mecanismo Romântico da Fragmentação
ou Obra Poética
*
II
Mudos, mudados, mortificados,
estão nos troncos pousados,
na ânsia solar de telhados,
sob céus brancos e estagnados;
imóveis, parecem empurrados
por ventos abstratos e errados:
sem asas, os corpos inclinados,
mortos nos beirais desolados,
sem cantos nem versos contados.
Frios, Vagos. Astros petrificados.
*
NUNO JÚDICE
"Pássaros"
Lira de Líquen
ou Obra Poética
*
III
Eu andava em torno de mim, debruçado esimultaneamentenão debruçado
-
para mim,
sem saber de que lado vinha o vento
mas com a língua seca,
com a língua exposta ao vento e roída pelas correntes,
pelo sal,
pela avidez profunda dos peixes voadores.
-
Vinde, pois; vós sois os que não precisam de mudança,
os seres absortos na Eternidade do Horóscopo,
as vítimas do presságio que eu próprio, sentado num trono de caranguejos,
terei forjado nas minhas costas.
" Uma vítima da reprodução abstrata e virtual", é o que dizem de mim os manuais literários.
Eles não dizem mais porque não lhes ensinei mais do que eles dizem.
Eles agora estão fechados,
As mãos tacteadoras não os manuseiam, nem o olhar de cobre do Vígia;
mas o poema tem as estrofes destruídas.
-
Ali é a Pirâmede;
eu andava em volta,
e os meus pés enterravam-se na alheia morada,
eles prendiam-se ao Erro,
era Março, digo eu com uma voz sem engano, "eta Março
em todos os lábios" . . .
*
NUNO JÚDICE
"Algures"
Pavão Sonoro
ou Obra Poética
*
IV
" - O universo é uma realidade ambígua." Por outro lado,
ele mexia o café e respirava apressadamente: o ar húmido,
os cheiros da terra, a água a serpentear nos canteiros.
"- Do lado oculto, as coisas daqui tornam-se visíveis.
Seres duplos, corpos sem alma, etc." O contacto dos lábios
com a chávena! A neblina dissipava-se, revelando as
colinas, o pequeno bosque, casas já distantes e dispersas,
uma fogueira . . . e um ruído abstracto de lenha a crepitar
desviou-lhe o pensamento: paisagem? sonho? a construção
de um mundo interior no qual, súbitamente, ele próprio
perdesse a sua consistência - como se não fosse mais do
que um espírito vagueando entre uma e outra coisa,
alimentando a sua existência de qualidades diversas e
contraditórias: a dureza de uma pedra, a transpârencia da
água, as cores da vegetação, o fumo do café.
*
NUNO JÚDICE
"Ser"
Lira do Líquen
ou Obra Poética
*
V
Mas os olhos fechados. toda a pouca importância
de essa morte
aqui, Também aqueles que o disseram
não sobreviverão às palavras pronunciadas que (elas sim!)
prologam este gesto - poético! - o poema insuportável morte
criação de dedos no vazio do corpo, do copo
a brusca meditação cortada.
-
`
Ó terra; fala
a voz de raízes doces na concavidade da tarde
o conhecimento fúnebre um rigor no crescimento
na composição num cálculo de puro
mover-se
a descida
para o chão

o que fica
*
NUNO JÚDICE
"Inscrito"
Nos Braços da Exígua Luz
*
VI
O céu, as linhas de luz na água,
caminhos diferentes para o coração.
A queda de sons diversos na atenta coincidência
dos ouvidos. A relação de uma límpida tarde
com movimento de ombros junto do teu corpo,
na luminosa sequência da tua voz.
Um andar divino de transparente espectro
sobre o fundo de árvores;
o acentuar da impressão dos teus olhos
na quente atmosfera estagnada.
Mas o súbito levantar do vento dissipou
a primitiva aparência. Um canto lívido
de mortas recordações apenas subsistiu,
o indefinido desgosto dos teus braços,
o remorso de gestos incompletos
que a memória suspende.
Nem me espanto já com a tua proximidade.
Bem vindos, decompostos lábios!
O ranger da cama sobrepõe-se
ao ruído das cigarras.
*
NUNO JÚDICE
"Poema de Amor"
As Inumeráveis ´:Aguas

▬▬
ADÍLIA LOPES
Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira
Nasceu a 20 de abril de 1960, signo de aries,
Lisboa, Portugal.
doutorou-se em "Filologia Românica", na
Universidade de Lisboa.
*
CANTOePALAVRAS
Um Jogo bastante Perigoso, 1985;
A Pão e Água de Colónia, 1987; O Marquês de
Chamilly, 1987; O Decote da Dama de Espadas,
1988; Os Cinco Livros de versos Salvaram o Tio,
1991; O Peixe na Água, 1993; A Continuação
do Fim do Mundo, 1995; A Bela Acordada, 1997;
Clube da Poetisa Morta, 1997; Sete Rios entre Campos,
1999; Florbela Espanca, espanca, 1999; A Obra, 2000;
Antologia, 2002; A Mulher-a-dias, 2002 . . .
*
Preciso de te tocar
caule
gato
corda
mão
abraço-te
a tua roupa
tu
não te divulgo
o teu nome
os teus olhos azuis
a tua gentileza
espero que os partilhes
com alguém querido
como os partilhaste
comigo
amante querido
que não perco
que não deito fora
os meus amantes
não são Gillettes
(não são de usar
e deitar fora)
embora eu seja
uma poetisa pop
e não tenha amantes
gosto de adormecer
a lembrar-me de ti
de como me sorrias
de como me olhavas
se os meus poemas
contribuíram para isso
são excelentes.
*
ADÍLIA LOPES
"Adormecer"
O Peixe na Água
Antologia

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