sexta-feira, 24 de abril de 2009

159 - " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "

"Jardim Botânico de São Paulo" Foto LuisD.

BERNARDO GUIMARÃES
Bernado Joaquim da Silva Guimarães
Nasceu a 15 de Agosto de 1825 signo de leão,
Cidade Histórica de Ouro Preto,Estado
de Minas Gerais, Brasil

 Poeta...
Formou-se em Direito, na Faculdade de

Direito de São Paulo, 1852. . .

Faleceu a 10 de março de 1884.
*
CANTOePALAVRAS
Cantos da Solidão, 1852; O Ermitão de Muquém
(romance), 1868; Lendas e Romance, 1871;
Garimpeiro, 1872; O Seminarista(romance), 1872;
O Índio Afonso(romance), 1873; A Escrava Isaura
(romance),1875;Novas Poesias, 1876;
Folhas de Outono, 1883. . .
*

I
Neste alaúde, que a saudade afina,
Apraz-me às vezes descansar lembranças
De um tempo mais ditoso;
-
De um tempo em que entre sonhos de ventura
Minha alma repousava adormecida
Nos braços da esperança.
-
Eu amo essas lembranças; deixam n'alma
Um quê de vago e triste, que mitiga
Da vida os amargores.
-
Assim de um belo dia, que esvaiu-se,
Longo tempo nas margens do ocidente
Repousa a luz saudosa.
-
Eu amo essas lembranças; são grinaldas
Que o prazer desfolhou, murchas relíquias
De esplêndido festim;
-
Tristes flores sem viço! - mas um resto
Inda conservam do suave aroma
Que outrora enfeitiçou-nos.
*
BERNARDO GUIMARÃES
" Prelúdio "


PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS
Nasceu em 24 de Outubro de 1919, Lorena, Estado de São Paulo, Brasil.
Poeta, tradutor, professor, critico literário. . .
Formado em Direito pela Faculdade de Direito, da
Universidade de São Paulo (U.S.P.), 1943. . .
Um dos fundadores do "Museu da Casa Brasileira"
e "Museu da Imagem e do Som", em São Paulo, Brasil.
*
CANTOePALAVRAS
Lamentação Floral, 1946;
Sol sem Tempo, 1953; Lua de Ontem, 1960;
Futuro, 1968; A Noite da Memória, 1988 . . .

*

I
Negra é a cereja
quando se furta à boca
e se converte em pedra,
por se negar, não porque seja.
-
Negra quando foge
a reluzir diante das mãos
com a cor de sangue:
do mesmo sangue que circula
nas veias do homem
e vai nutrindo escassamente a sede, tal como se fosse
alguma água exígua, alguma
água feita de tristeza.
*
PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS
"Cereja"
Lamentação Floral

*
II
Está dormindo aquele que fez
este vaso alado,
azul cobalto:
há mais de um seculo repousa
aquele que moldou
este vaso cor de céu noturno,
cor da noite dissolvida em índigo.
-
Está dormindo e não está,
brumoso mago,
o que na terra fez o vaso:
-
enquanto o vaso permanece,
possesso, peremptório,
- parreira azul
de sonhos densos, acordados -
a projetar na sala
uma nervosa,
persuasiva, ríspida presença
-
O vaso existe, tem a vida
das coisas simples, das amoras, das framboesas,
redondo (em voo imóvel)
como o peito das gaivotas:
paira no tempo, em quarta dimensão,
vindo de tardes anteriores;
e eis que se instala no futuro,
-
azul como as futuras noites,
veloz como o radar.
Vejo homens do futuro olhando-o, esses que ainda
ignoram que serão e quem serão.
Eu sei porém, eu fui e sou; eu que serei,
tal como o vaso,
com o barro e a espátula,
com minha prancha azul de modelar palavras,
com este meu vaso tão sonoro e imaterial
a derramar noite de fonte sobre o dia, sobre a noite.
*
PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS
"Futuro, 4"
*
III
Sem ele, tudo ruiria,
e céus e tetos,
ficaríamos perdidos na existência;
é ele a face exata da verdade,
o peito, o rosto, a fronte da verdade, em sua cândida nudez:
porque a  verdade mais vulgar
é simples cabeleira,
a nuca, o dorso,
linha do corpo que se precipita
para o chão geral, definitivo.
-
Sem ele, sem o sonho, o céu desabaria,
a sombra tragaria o próprio Deus,
que sonha e é o sonho que é sonhado por si mesmo,
ora serena, ora perdidamente,
as mãos cheias de estrelas, nas pupilas o brilho das galáxias,
nudez sagrada  e cintilante
a encher a noite quando o sonho sonha:
que o sonho é Deus que sonha e cria o tempo,
esta miragem, a fonte e o seu rumor de folhas de água,
a terra e o seu rumor de vento e chuva,
e céu e o seu rumor de nuvens e cantigas,
a vida e a morte, como um rosto e o seu perfil.
*
PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS
"Teologia Onírica"
*
IV
Três facínoras, armados,
trotaram pelas veredas:
sem estribo os seus cavalos,
tua vida, que deserto!
-
sob as vestes, pele nua,
sob o pranto, tantos sonhos;
que montanhas te devoram?
que horizontes desolados?
-
Se lembrar (coisa de névoa)
não é pensar o futuro,
entretanto já fulgiste,
por velhas ruas andaste:
-
fulgiste... Quando passavas
- vestido branco, olhos verdes -
a tarde abria-se em rosas,
batida de ouro e de nuvens:
-
- onde teu riso, ó longínqua? -
a tarde abria-se em rosas...
Onde a canção das abelhas
em teus cabelos de mel?
-
Doce vinho que não bebo,
tantas uvas, tantas parras;
deixa onde estás, bem amarga,
a canção do desalento.
-
Se os cactos ardem na areia,
viverei de te esperar:
não ouves? Pelas campinas
há um rumor de asas e luas.
-
Face de pêssego e giesta,
põe-te a caminho, formosa!
Pelas ruas do passado
acendi todas as lampadas!
*
PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS
"Canção de Zaira"
Lua de Ontem
*
V
Amor dos flancos de musgo,
ah! não fosses como a hera:
teus olhos, verde molhado,
teus seios,  folhas e folhas.
-
Se não fosses tão formosa,
ó caule de húmus e céu!
Se não fosses ão calada,
que a noite sonha a teus pés!
-
Ah, se pudesses chorar,
amada, punhos de Sol,
quando as horas são mais frias
e há desconforto e nudez.
-
Não gerasses tanta luz,
tu não serias estéril,
mas a esposa, árvore em flores,
- ribeiro branco de estrelas -
-
aquela por quem soluçam
as aves, pranto dourado.
Amor das ancas de linho,
ó triste, chora em silencio! 
-
Vela teu colo de nuvens,
cobre esse ventre de cinzas,
baixa as espáduas trigueiras,
ó triste, pena ao meu lado!
-
Ah! se pudesses chorar,
as violetas se abririam
na relva em que caminhasses;
e serias como as árvores,
doidas de abelhas e mel:
-
ó triste, chora a meu lado,
ó bela, despe as anáguas.
Chora...
Quem sabe floresçam
os laranjais no verão.
*
PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS
"Canção dos Laranjais"
Sol sem Tempo 

ARMANDO FREITAS FILHO
Armando Martins de Freitas Filho
Nasceu em 1940. . . .
Rio de Janeiro, Brasil.
Poeta . . .
Homenagens
Premio "Jabuto", 1986; Premio "Alphonsus de
Guimaraens", 2000 . . .
*
CANTOePALAVRAS
Palavra, 1963; Dual, 1966; De Cor Presente, 1975;
3x4, 1985; De Cor, 1988; Duplo Cego, 1997;
Fio Terra, 2000; Raro Mar, 2006; Lar, 2009 . . .
*
I
O processo do castelo
tem muitas páginas.
Nas linhas das estantes
altas, livros de ficção
à chave, fechados
nas encadernações de fachada
indecifráveis, mesmo
no breu em branco
do braille, para o tato
pressuroso dos cegos.
-
Não são feitos para
serem lidos, mas escritos
reescritos, sempre
inacabados, valem
pelo peso da laência
do que contém em cada
tomo, que sela
a prateleira toda
que toma e abala
o leitor impossível, cego.
*
ARMANDO FREITAS FILHO
"97"
"Numeral"
Lar,
*
II
Calçada sobre o mar
a montanha em cima
amparando o céu
que cobre a praia empenada.
Ainda perto do nascimento
a morte é monstro de fantasia
e guache, na catolina.
Imerso na primavera
na boca do longo verão
as estações de agora não calculam
as do outono e inverno, tão longe.
O Sol só se põe para esclarecer
com mais força, o dia seguinte
para interromper o brinquedo
que continua em suspenso, intacto
no ponto melhor, à espera da manhã
sem se quebrar dentro do sonho.
*
ARMANDO FREITAS FILHO
"Desenho"
Lar,
*
III
Caramujo, musgo, visgo úmido no muro.
Lento, lesma, por mais longe que vá
através das heras, que igualmente se alongam
vagarosas, não se afasta de casa:
rastro de prata que logo seca, à porta.
Perto de casa, não tão alta, não tão larga
nem com tantas rugas quanto as da tartaruga
tateante na terra hostil, lerda, quase pedra
a um palmo de assimilar este reino
de lajedo onde se camufla, ou do lago
onde se afunda com todo peso, coriácea.
Ou concretada a jato ▬ pedregulho.
Ambos não se perdem nas respectivas estradas.
Defendem atrás de suas cascas, um
a parte líquida, molusca, transparente
e suas antenas. Outro, a carne branca
e fria de peixe-lagarto, os olhos lacrimosos:
não se perdem, como as lebres, não param
no tempo, embora pareçam por causa da gosma.
Mas mesmo se inertes nunca seriam alcançados
pois saíram antes, antigos.
*
ARMANDO FREITAS FILHO
"Quintal"
Lar,


FOED CASTRO CHAMMA
Nasceu a 31 de março de 1927, signo de áries.
Irati, Estado do Paraná, Brasil.
Poeta, tradutor . . .
Premio Bienal de Literatura Brasileira,1984 . . .
Faleceu a 12 de janeiro de 2010.
*
CANTOePALAVRAS
Melodias do Estio, 1952; Iniciação ao Sonho, 1955;
Poder da Palavra, 1959; Labirinto, 1967;
Ir aTi, 1969; Pedra da Transmutação, 1984;
Sons da Ferraria, 1989; Filosofia da Arte, 1999;
As Ferraduras do Raio, 2002 . . .
*
I
A solidão desperta as coisas mudas,
as árvores passeiam nas estradas;
os pássaros se calam, viram pedra;
os rios têm as águas coaguladas.
-
São as horas tranqüilas, afogadas
no esquecimento ▬ tudo perde a ponta
do fio do tempo, reina em cada lado
o silêncio que se incorpora noutro.
-
espaço, com seu ritmo que anima
esta harmonia, esta serena paz
das coisas anteriores repousadas
no movimento do que está parado.
-
No sossego da noite cresce a pedra.
Volatiza-se o réptil. Cria pés
o ramo. O raio esfria-se em metal,
e se transmuda em ferro sob a terra.
-
Some no escuro a sombra pois a noite
apaga as pontas de seu tênue rastro
de cativa da luz desenrolada
no chão com suas asas reais de pássaro
-
concentrado no corpo que se move
na escuridão e logo se recolhe
para alcançar no sono a reunião
das pontas noutro vôo enquanto dorme
-
e desdobra-se toda contraída
na essência de seu vácuo interminável ▬
um princípio que é fim e se renova
sem abdicar de si, como uma árvore
-
que, sendo sombra, nutre-se do claro
e recolhe-se à própria escuridão
para voltar a se tornar visível
em sua dupla configuração.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
FOED CASTRO CHAMMA
"A Solidão Detêm o Movimento"
Pedra da Transmutação
*
II
Sobre a boca formosa adormecida
tímidas aves, asas assustadas
sobrevoam ligeiras com os bicos
famintos, à procura do arrozal
-
perdido na quietude da calada
planície verde agora adormecida
pela brisa da morte tal um mar
de pedra a desafiar a clara vida.
-
O rosto transformara-se em metal
e recusava dar-se ao movimento
dos círculos em vôo à procura
da cantora partida: apenas vinha
-
com a quietude amarga o frio som
de prata antiga da serena chuva
a derramar-se em finas linhas de água
nas figuras sonâmbulas da rua.
-
Eu vi por detrás da clara máscara
armada para a vida com bandeiras
desfraldadas no corpo. A face dura
denunciava a cantora, ave guerreira.
-
Vi pedrarias na corrente verde
da fala, o brilho de esmeralda ardia
e inundava de líquidas vogais
a sala prisioneira da poesia.
-
Era como se o fogo se tornasse
visível e emprestasse à humana voz
o esplendor da beleza inacessível,
distante e perto, eterna e transitória.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
FOED CASTRO CHAMMA
"A Boca Adormecida"
Pedra da Transmutação
*
III
Debruçadas na terra os ramos tremem
à vibração como rajadas negras
de pássaros em sombras respingadas
espalhando no chão as folhas verdes
-
do enigma que repete o movimento
do vento, pois nas sombras se renova
a luz, na dupla configuração
do que por ela nasce e se desdobra
-
no tempo e seus espelhos. Não se negam
ao pensamento, que as conduz nas pernas,
distribuídas num vácuo que se move
parado e perde-se ao cair das trevas
-
da noite qual um seio solitário
que as alimenta desde o início. Deitam
em repouso, compondo a projeção
do duplo, que calado a tudo espreita.
-
São o estio das almas apagadas
ao se unirem na grande solidão
dos espaços cobertos pela cor
que as emenda num corpo irreal no chão.
-
Liberadas da luz voltam à fonte
geradora do amor, onde se encontram
os seres afastados, onde é suave
a umidade do fruto azul da noite.
-
Em seu regaço os pássaros aninham
os bicos mergulhados em suas penas,
sonhando integrarem-se à unidade
do todo indevassável, a alma negra,
-
cujos sons enovelam-se em serena
aspiração de música no espaço,
pulsando a paz que as asas recuperam
atribuladas quando batem, rápidas,
-
no vôo rumo ao Sol atrás da noite,
que confunde na cor a trajetória
das sombras, em seu ponto mais profundo
do sono, onde tranqüilas se recolhem.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
FOED CASTRO CHAMMA
"O Enigma Repete o Movimento"
Pedra da Transmutação


ENO TEODORO WANKE
Nasceu no dia 23 de junho de 1929 signo de câncer.
Brasil
Poeta, trovador, engenheiro . . .
Faleceu 28 de maio de 2001.
*
CANTOePALAVRAS
Nas minha Horas, 1953 . . .
*
I
O espirito lilás da madrugada
nos trouxe a glória azul do eterno dia.
A clara mão do Sol tornou-se guia
levando a bruma escura levantada.
-
A luz entrou. É amor, e sobrenada
nas pétalas do mundo. Uma alegria
inesgotável queima a dor vazia
e brota em nossa vida iluminada.
-
Sentimos a malignidade morta,
o espírito sai livre, pela porta
da aurora. Somos erva que Deus planta.
-
Os próprios erros ▬ nossa podridão ▬
fecundam novos rumos. O botão
do sentimento vira flor, e canta.
*
ENO TEODORA WANKE
"A Porta"
*
II
Minhas barbas, crescendo devagar
me levam à ilusão de ser adulto.
Mas, felizmente para mim, o vulto
do poeta sobrevive, a me salvar . . .
-
E sou de novo o príncipe, a sonhar
com leves cinderelas, neste culto
ardente e visionário, de onde exulto
em juventude aberta à luz solar . . .
-
Na minha nobre vida de engenheiro
cultivo com cuidado o meu canteiro
de música expressada em voz maior,
-
e, graças à Poesia, continuo
a ser menino grande, e ainda atuo
no saboreio à vida em derredor.
*
ENO TEODORO WANKE
"Minhas Barbas"
III
Uiva o vento da lembrança
nas árvores da avenida . . .
Quanta sombra dolorida
a minha saudade alcança.
-
A tarde chuvosa dança
na vidraça, e não se olvida
meu coração de que a vida
que eu tive já foi criança . . .
-
Sou folha no vendaval
dos dias que o bem e o mal
trouxeram para o que sinto.
-
Nascido em simplicidade,
a existência me persuade
que morrerei labirinto!
*
ENO TEODORO WANKE
" Em Meio à Vida"


RUBENS RODRIGUES TORRES FILHO
Nasceu em 1943, Botucatu, Estado de São Paulo, Brasil.
Formou-se em Filosofia, na Universidade de São Paulo,
Brasil (U.S.P.).
Poeta, Tradutor . . .
Homenagens: Premio Jabuti, 1981.
*
CANTOePALAVRAS
Investigação do Olhar, 1963;
Nem Tanto ao Mar, 1965; O Vôo Circunflexo, 1981;
A Letra Descalça, 1985; Poros, 1989; Retrovar, 1993 . . .
*
I
A ocasião chegou de estarmos sós
em uma cega calma.
Lentos fios desviaram-se entre as flores
que são lágrimas caindo do terraço
e amadurecendo
com paciência e luz. Quantas vezes
foram mãos servindo o café, lenta maldade
deslizando entre o tempo e a xícara.
São olhares tranqüilos, revestidos
de uma gentil malícia, de um redondo
desejo de ficar, de estar sempre ao alcance, de
ser uma rede ou um espelho
recolhendo teu rosto.
Todos esperam. Forma-se o séquito das nucas,
esperança minaz, gelo absurdo
para conservar as fases do bailado.
Uma alegria violenta
alimenta-se dos punhos, das entregas,
e são múltiplos caminhos que se enlaçam
com dor.
*
RUBENS RODRIGUES TORRES FILHO
"Canto Silencioso"
Investigação do Olhar
*
II
Venho compor mais rápidas violetas
para explodirem neste ar parado.
O lavador, palavra, vai arando
a solidão que o olhar, inútil, vara.
Memória, sem querer, já arde e urde
os momentos da tarde arborizada.
Esses mundos sem fundo, esses armários
nos nutrem de veneno e goiabada
importada da infância, terra estranha
onde se fala uma língua cifrada,
território de crimes e de nervos,
de sóis atônitos e luas bravas.
Que família de insetos faz seu ninho
no coração do asfalto, na cidade,
e quem vai procurar outro carinho,
sorriso anônimo na tempestade ?
Lá fora, do outro lado, o espelho ferve
na reflexão mais nua e mais vidrada,
desconhecendo tudo à superfície
tão cristalina da retina amarga.
Vestígios de luar nos olhos brancos
podem rolar sem susto eternidades
de ventos, de ilusão e de verdades.
A verdadeira noite é tão mais árdua
do que entreter domésticos fantasmas.
*
RUBENS RODRIGUES TORRES FILHO
"Verberações"
O Vôo Circunflexo"
*
III
Se minha cabeça toma jeito,
não fica do mesmo jeito. Do mundo mesmo,
quero pouca coisa. Hoje, penso,
quase nada.
É um virar e desvirar de coisas internas.
Quase uma santidade, se for.
Do que passou, do que foi,
das coisas que aconteceram comigo,
parece que está tudo resolvido,
concluído, terminado,
perdoado. Problema, mesmo,
acho que não resta nenhum. Só carinho.
*
RUBENS RODRIGUES TORRES FILHO
"Meditação"
Poros



CARLOS VOGT
Nasceu a 06 de fevereiro de 1943, signo de aquário.
Sales de Oliveira, Estado de São Paulo, Brasil.
Poeta, linguista . . .
Formou-se em Letras, na Universidade de São Paulo,
Brasil, Reitor da Unicamp, 1990/1994, Brasil
Trabalhou na "Ecole des Hautes Etudes en Sciences
Sociales", Paris, França.
Trabalhou para várias revistas e jornais. . .
Homenagens:
Premio Revelação de Poesia (Associação Paulista
de Críticos de Arte).
CANTOePALAVRAS
Crítica Ligeira, 1982; Cantografia, 1982;
Paisagem Doméstica, 1984; Geração, 1985;
Metalúrgia, 1991; Mascarada, 1997 . . .
*
I
Se de lembrar não fosse tempo agora
nem de outros frutos estação aqui
se não passasse a chuva fina espora
da longa espera de esperar por ti.
-
certo haveria acaso novidade
tardes tranqüilas filas dolorosas
insinuações de amor fragilidade
torcidos homens torturadas rosas
-
portas de aço a solidão por dentro
riso ternura trampolim da sorte
o antigo medo a procurar em centro
-
hoje a viagem a despedida o pranto
corta a memória aprofundando o corte
na dor insiste o velho amor e quanto.
*
CARLOS VOGT
"Soneto de Ocasião"
Cantografia
*
II
Escrevo a carta que não recebi
enquanto enquadro qualquer cor marinha
esquadra sombras minha mão caminha
tropeça e gira numa cicatriz
-
a escarpa é árdua se das uvas vinha
sabor antigo de sorriso e fria
a tarde roda pelo rastro ia
curvando o corpo do horizonte em linha
-
posso sensato no cabelo usar
arestas novas prepotente esquina
e as mãos caladas de aspereza amar
-
amarga água aguardando em cima
se aquém a casa a solidão a par
a quem a carta se a memória a par
a quem a carta se a memória opina?
*
CARLOS VOGT
"Soneto da Correpondência"
Cantografia


ALCIDES VILLAÇA
Nasceu em 1946, em Atibaia,
Estado de São Paulo, Brasil . . .

Poeta...Na Universidade de São Paulo,
formou-se em Letras . . .
*
CANTOePALAVRAS
O Tempo e Outros Remorsos;
A Poesia no Quintal Encantado( ensaio), 1979;
O Nosso Poeta de Escravos(ensaio), 1983;
Viagem de Trem, 1988 . . .
*
I
essa harmonia fácil
dó-mi-sol
dó-mi-sol
essa harmonia fútil
dó-mi-sol
dó-mi-sol
essa pura repetição
dó-mi-sol
dó-mi-sol
eram suas três marias
eram suas três oferendas
eram seus três cantos de galo.
*
ALCIDES VILLAÇA
"O Pianista"
Viagem de Trem
*
II
Não falar desta tarde é deixá-la
não pintar esta luz é vivê-la
não gravar estes cantos é amá-los
quando são véu, brilho, dispersão
-
não juntar teus dois olhos é esta tarde
não selar nome e corpo é querê-los
integramente desatados
em cada asa
do pardal
-
eu mesmo quase não recolho meu cheiro
de outra coisa onde bata e volte
mas fico a falar desta tarde para deixá-la
ser menos,
caber;
fico a pintar esta luz para vivê-la
noutra,
cegamente;
fico a enlaçar estes cantos, fixá-los
no teu corpo, no meu
desejo de cantar
por toda a noite.
*
ALCIDES VILLAÇA
"Tardes"
Viagem de Trem
*
III
a moda é a rápida madrasta
a moda é a máscara rápida
a moda é o nácar de rapina
oh celulóide que abraça e malconverte
-
a moda sopra a contra moda
o passo falso de outra contradança
a moda é o mesmo e vário laço
oh gravata da história feita farsa
-
a ponta do colete o bolso
a graça da palavra na berlinda
a prancha de bolar o estilo o homem
o modo de cair casca soprada
um jeito de sorrir ódio oportuno
oh oportunidade do mercado oh fama
-
a moda me veste me arma se camufla
com a ingenuidade do rosto que a rejeita
os baralhos são todos de coringa
unidos ao varal no fio do jogo.
*
ALCIDES VILLAÇA
"A Moda"
Viagem de Trem


RICARDO CORONA
Nasceu em 1962, Curitiba, Estado do Paraná, Brasil.
Poeta, tradutor . . .
Particpou em diversas revistas e antologias. . .
*
CANTOePALAVRAS
Cinemaginário, 1999 . . .
-
I
tantas coisas para
fazer
-
estou há
horas
-
agachado
-
olhando as formigas
-
e acho
que não
estou
-
fazendo
h
-
olhando as formigas
-
indo em fila indiana para o formigueiro
-
os nervos
dos meus
pés
-
enformigados.
*
RICARDO CORONA
"Olhando as Formigas"
Cinemaginário
*
II

1
A lua incha no céu cheio,
ninfa mutante entre estrelas
de um céu-show
-Da praia, onde
-as ondas a orla
-e gozam espumas,
-dá pra ouvir o uivo do mar
-▬ 

replay de édens
2
Lunar
a paisagem sem luz, lugar
da imagem-transe,
vortex fanopaico
-Reflexos orquestrados em seus
-escarcéus
-▬

poesia
-
na farra na liga
-
das línguas!

3
Nós dois drogados de sentidos,
andróides no replay de édens,
roçando guelras no céu da boca,
-
▬ música amor maresia ▬
-
Nossas pupilas dilata,
-
último site na lua cheia

4
É diazul, soluz
-
e nada escapa a sua explicação ▬
-
com as pernas trêfegas,
-
tresandadas
-
pisamos nas poças distraídos
-
a cada passo
-
iluminura tremeluzente
-
replay de édens
*
RICARDO CORONA
"Andróides Drogados no Replay de Édens"
Cinemaginário



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