quarta-feira, 11 de março de 2009

170 - José Craveirinha " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA"



»1193«
JOSÉ CRAVEIRINHA
Nasceu em 28 de maio de 1922, signo de gêmeos.
Maputo(Lourenço Marques), Moçambique, África
Pai era português da Província do Algarve. . .
Primeiro Presidente da "Associação de Escritores
de Moçambique."
Premiado com o "Premio Camões". . .
Faleceu 06 de fevereiro de 2003.
*
CANTOePALAVRAS
Chigubo, 1964; Cantico Aun dio di catrane, 1966;
Karingana ua karingana, 1974; Cela I, 1980; Maria, 1988;
Hamina e outros contos, 1977; Bobalaze das Hienas, 1977. . .
*
I
O céu
é uma M'benga¹
onde todos os braços das mamanas²
repisam os bagos de estrelas.
-
Amigos:
as palavras mesmo estranhas
se têm música verdadeira
só precisam de quem as toque
ao mesmo ritmo para serem
todas irmãs.
-
E eis que num espasmo
de harmonia como todas as coisas
palavras rongas e algarvias ganguissam
neste satanhoso³ papel
e recombinam em poema.
*
JOSÉ CRAVEIRINHA
"A Fraternidade das Palavras
Karingana Ua Karingana
("M'benga¹" - Recipiente cónico de barro onde as
mulheres moem milho,mapira e amendoim, o mesmo
que, 'bacia' no Brasil; 'alguidar' ou 'almofariz' em Portugal.)
("Mamana²" - Mãe. Senhora. Título carinhoso para mulher
de meia-idade.)
("Satanhoso³" - Injúria corresponde no Brasil
'sem vergoha', em Portugal 'sacana')
*
II
"E ergo no equinócio da minha terra
o rubi do mais belo canto xi-ronga
e na insólita brancura dos rins da plena madrugada
a carícia dos meus dedos selvagens
é como a tática harmonia de azagaias no cio da raça
belas como falos de ouro
eretos no ventre nervoso da noite africana."
*
JOSÉ CRAVEIRINHA
" Grito Negro"
*
III
Minha Mãe:
Trago a resina das velhas árvores
da floresta nas minhas veias.
E a sina de nascença
no meio das baladas à volta da fogueira
tu sabes como é sempre uma dor nova
sabes ou não sabes, Minha Mãe?
-
Sabes ou não sabes
o mistério de olhos inflamados de macho
que um dia encontraste no teu caminho
de tombasana¹ de pés descalços?
-
Sabes ou não sabes, Mãe
a resina das velhas árvores plantadas pelos espíritos
as blasfémias dos mortos salgando as raízes virgens
e as grandes luas de ansiedade esticando
as peles dos tambores enraivecidos
e dando às folhas das palmeiras
o brilho incandescente das catanas nuas?
-
E no sabor do encantamento, Mãe
dos nossos desenfeitiçados feitiços ancestrais
o exorcismo ingénuo das tuas missangas
o maravilhoso mecheu das tuas orações
e o segredo do teu corpo possuido
mas de materno sangue inviolável
donde a minha sina nasceu.
-
No espaço da tua sepultura de negra
sabes ou não sabes a verdade
agora sabes ou não sabes
MINHA MÃE?
*
JOSÉ CRAVEIRINHA
"Mãe"
Karingana Ua Karingana²
("Tombasana¹" - Rapariga, moça solteira.)
("Karingana-Ua-Karingana²" - Significa 'Era Uma vez'.)
»1194«
LUIS CARLOS PATRAQUIM
Nasceu em 19.., Maputo, Moçambique. África. . .
*
CANTOePALAVRES
Monção, 1989; A inadiável viagem, 1985;
Vinte e tal novas formulações e uma elégia
carnívora, 1991; Mariscando luas, 1992;
Lindemburgo Blues, 1977. . .

*
é preciso a distância para chegar
onde o poema parte e se reparte no léxico verde do teu corpo
com cinzas noturnas e a madrugada nas mãos.
-
é preciso o lugar ainda que doa
a emoção azul de sangrar por dentro
com o pensamento na galáxia erma do olhar
-
é preciso tudo como haver morte e flores
na raiz ai vento dos braços inteiros que se deram
por um nome uma ideia rubra nos lábios da liberdade
-
é preciso ver musgo e alegria até as ilhargas
da tua imagem garça a deslizar
e sorver água na exuberância lustral dos teus seios
-
é preciso a insurrecta solidão dalguns dias
quando os arquipélagos de ser dizem barco
e os teus passos espreitam
e tímidos percorrem o horizonte coral do silêncio
-
é preciso inventar-te porque existes
enquanto os deuses adormecem nas páginas dos livros
e o real é a infinita medida do canto
como acender as luzes ao meio-dia
e no mais sol das pétalas abertas
verter a seiva a singrar na terra
-
é preciso, meu amor, percorrer o tempo que nos deram
suspenso onde estamos nas pálpebras do verão.
*
LUIS CARLOS PATRAQUIM
"Saga para Ode"

»1195«
JOAQUIM PEDRO ARROJA JÚNIOR
Nasceu em 10 de outubro de 1931, signo de virgem,
na Moçâmedes, Angola, África.
Estudou engenharia em Portugal. . .
*
CANTOePALAVRAS
Imo; Tópicos . . .
*
Tudo acabou . . .
Tudo o que era sorrisos,
tudo que era esperança,
se tornou
em um nada lastimoso . . .
Chamava-se Luizinha
a minha irmã
que morreu.
-
Que interessa a minha dor
se os outros se riem
quando eu choro . . .
-
Ela gostava muito do seu moleque,
e quando levaram o seu corpo
de anjo branco
levaram também a alma do negro.
-
a sua "minina"
foi para um mundo novo
que ele não pode compreender.
-
Meteram o seu corpo branco
ali
dentro daquele buraco.
- Mas então aquele buraco
é a porta do outro mundo?
-
Por duas noites negras
o negro dormiu sobre a campa pequenina
envolto na sua alma branca.
-
Lá fora choram as hienas
e uivam, doidos, os chacais.
- "Pschiu! Não façam barulho . . .
Oiem, a minina está a dormir".
-
O moleque de alma branca
desapareceu . . .
-
Dizem que nas noites negras
chora com as hienas
e ri-se, louco, com os chacais . . .
-
Talvez seja aquela estrela pequenina
que ali está,
ali,
no céu a brilhar.
*
JOAQUIM PEDRO ARROJA JÚNIOR
" Dedicação Negra "
»1196«
ANTERO ABREU
Antero Alberto Ervedosa de Abreu
Nasceu em 22 de fevereiro de 1927, signo de peixes.
Luanda, Angola, África.
Estudou Direito em Coimbra e Lisboa, publicou diversos
poemas em revistas da Universidade.
*
CANTOePALAVRAS
Permanência, 1979; Poema Intermitente, 1987. . .
*
I
Enfiou um vestido
Penteou o cabelo
Saiu para a rua
Ninguém deu por nada
Passou pela tarde
Observou as coisas
Comprou uma saca
Esteve atenta a tudo
Chegou fatigada
Beijou o filho a filha
Fechou-se no quarto
Quase não a ouviram.
Enfiaram-lhe um vestido
Pentearam-lhe o cabelo
Trouxeram-na para a rua
Andaram pela estrada
Estava indiferente
Com os olhos fechados
A a boca calada.
Agora já tem tudo
E ninguém deu por nada.
*
ANTERO ABREU
"Balada da Mulher discreta "
Poema Intermitente
*
II
Existem flores azuis como rochedos
E cantos de pássaros como redomas
Busque o sentimento
O hálito do mundo
E é um desabrochar de inusitadas coisas
Uma mulher sem rosto
Um rosto sem malares
Um buraco no escuro
Um pente de dentes ao contrário
O sentimento
É um aparelho de rádio com a agulha doida
A sintonizar emissoras caladas
Porque o sentimento inventa
O vento
O sentimento
Mente.
*
ANTERO ABREU
"O Sentimento"
Poesia Intermitente
(Mais Poemas . . ."NEGRAS CAPAS . . . .POETAS DE
COIMBRA" pág. 184).
»1197«
EDUARDO DE OLIVEIRA
Nasceu a 06 de agosto de 1926, signo de leão,
São Paulo, Brasil.
Advogado, professor e político.
Compositor do "Hino 13 de maio"(Canto da Abolição) . . .
*
CANTOePALAVRAS
Além do Pó, 1944; Ancoradouro, 1960;
Ébano, 1961; Banzo, 1965; Gestas Líricas da Negritude, 1967;
Tunica de Ébano, 1980 . . .
*
Nada fui! Nada sou! Nada serei,
Só porque negra é a cor da minha pele!
Mesmo que tudo eu dê, pouco terei
nesta Sodoma, em que a ambição a impele!
-
Diante desses racistas é que eu hei
de amar o bem, antes que a dor revele
Que, por ser negro, ainda sustentarei
Seu império que, a tempos, me repele!
-
Eu represento a espécie sofredora
de indivíduos anônimos, de párias,
Atores de uma história aterradora!
-
Pobre do negro! Pobre de quem sonha
como eu, que dentre as almas solitárias,
Sómente pude ser a mais tristonha . . .
*
EDUARDO DE OLIVEIRA
" Negra é a Cor de Minha Pele "
Túnica de Ébano
»1198«
PEPETELA
Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos
Nasceu 29 de Outubro de 1941, signo de escorpião.
Benguela, Angola, África.
Morou em Portugal, França e Argélia. . . .
Participou ativamente na política angolana.
*
CANTOePALAVRAS
As Aventuras de Ngunga, 1976; A Corda(teatro), 1978;
Muana Puó, 1978 . . .
*
2
A hora tinha chegado. os morcegos iam passar ao ataque.
Nas planícies, as bases do inimigo eram investidas
simultaneamente. Uma parte dos corvos abandonou
a montanha pra reforçar as casernas desprotegidas.
As garras recuperadas eram armas terríveis na posse
dos morcegos.
E estes decidiram avançar sobre a montanha.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
11
Os homens organizaram-se pra produzir o mel
em quantidades colossais. E inventaram outros
produtos. Criaram máquinas. Construíram
carros, melhores que os dos corvos. E bicicletas
que não necessitavam de pedais pra voar.
As casas eram redondas, sem pilares, suspensas
do céu. Baloiçavam com as notas de música.
O Sol nascia e morria quando a assembleia
decicia. Os relógios foram deitados no gabinete
dos objectos perdidos,recordavam aí tempos
passados em alegre convívio com garras
e as plumas.
As crianças aprendiam a ler, olhando as árvores.
E os velhos faziam amor, quando bem
lhes apetecia.
O mundo era oval, mas já não havia dias iguais:
uns duravam anos, outros minutos. Até estas
palavras foram esquecidas.
Os humanos trabalhavam e repartiam
igualmente quanto existia. A assembleia decidia
das coisas impossíveis.
- Arrancar todas as árvores! - propunha um.
E sabia que o poderia, soprando de leve.
-Não! Há quem goste das árvores.
Arranca as que estão perto de ti . . . -
Decide a Assembleia de todos.
E o homem lá ia, saltitando, soprando
num regozijo de ver a árvore tombar.
Havia os originais que só marchavam
em pino, os pés no ar. Havia os originais
que marchavam a quatro patas. Havia os
originais que marchavam ora em pino, ora
de pé, ora a quatro patas.
Os meninos riam, sem saber bem porquê.
E os adultos não os criticavam, antes riam,
porque uma criança é feita para rir.
E os meninos não riam do riso adulto,
porque os adultos eram feitos para rir,
e por isso é que tinham virado o mundo de
pernas para cima.
O Universo fora mudado e ninguém surriava
quando outro caía. Mil braços se estendiam
pra o levantar.
Uns morriam, outros nasciam. Os que
morriam não tinham medo nem pena de morrer.
Sorriam à morte que lhes sussurrava
quenturas no ouvido: davam o lugar
àqueles que nasciam.
*
PEPETELA
fragmentos . . .
Muana Puó
»1199«
UANHENGA XITU (kimbundu)
Agostinho André Mendes de Carvalho
Nasceu 29 de agosto de 1924, signo de virgem
Icolo e Bengo, Angola, África.
Integrante do movimento político angolano, esteve
preso, por vários anos . . .
*
CANTOePALAVRAS
O Meu Discurso, 1974; "Mestre" Tamoda, 1974;
Bola com Feitiço, 1974; Manana, 1974;
Vozes na Sanzala, 1976; Maka na Sanzala, 1979;
Os Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem . . ., 1980 . . .
*
I
Prendeste-me
Ai, prendeste-me
Porque gritei viva Angola
Quando um dis voltar
Terei na cabeça uma grinalda de mussequenha
Na mão direita rabo de leão
Na mão esquerda rabo de onça
No pés alparcatas de pele de elefante
E andarei pela rua gritando
Liberdade, Liberdade, Liberdade
E . . . e . . .
Com todo fôlego gritarei bem alto
Viva Angola.
*
UANHENGA XITU
"Prendeste-me"
Os Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem . . .
*
II
Siti njimbila possi, Faço o meu ninho na terra,
Ombunji yivumba.O salalé dá-me cabo dele.
Siti njimbila vilu, Faço o outro no alto,
Ongonga yi yakela. O gavião devora-mo.
Etali ukukui wange wé! Ai minha tristeza!
Hi, hi, hi, hi, hi. Hi, hi, hi, hi, hi. (onomatopaico da
canção do pássaro ombovo).
*
UANHENGA XITU
Os Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem . . .
*
III
Toda minha vida é luto
Sim, é luto . . .
Lutulado* e conenecado*
Pela vida
Luto-é-minha cor
Luto-é-minha vida
*
*Lutulado(kulutula)- socado , batido
*Conenecado(kukoneneka)- mirrado, mutilado aleijado
-
Marcho-e-danço
Setulando masemba*, mas . . .
Minha vida-é-luto
Minha cor-é-luto
*
*Setilando masemba- dando umbigadas, dançando
-
No tambi* canto-e-danço
Diquindando*
Na junda* canto-e-danço
Coelando*
Mas . . . Não distingo
Canto-de-choro
Canto-de-junda.
*
*Tambi- óbito
*Diquindando(kudikinda)- gingando, requebrando
*Junda- festa, dança
*Coelando(kukoouela)- jubilando, aplaudindo.
-
Dos olhos não caem mais masoxi*
bombaram, Bombaram, Bombaram*
(Bulu-Bulu-Bulu . . .mbom-mbom-mbom . . .)
Dondaram, Dondaram, Dondaram
(bulu-Bulu-Bulu . . .Mdom-Mdom-Mdom . . .)
*
*Masoxi- lágrimas
*Mbombaram e ndondaram(kumbomba, kundonda)-
pingaram.
-
Mas reservei um comprido disoxi
Só, só um para ti ó única querida¹
Quando distinguir(ei)
O canto-de-choro
O canto-de-junda.
*
¹Angola
*
UANHENGA XITU
" . . . É Luto . . . "
Os Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem . . .
»1200«
JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
José Eduardo Agualusa Alves da Cunha
Nasceu 13 de dezembro 1960, signo de sagitário.
Estudou Agronomia e Silvicultura, no "Instituto Superior
de Agronomia", Lisboa. Portugal, atualmente no Rio de Janeiro,
Brasil. Participou de vários jornais e revistas entre elas "Ler"
revista portuguesa; Jornal "Público" jornal portugues; "Capital"
jornal angolano.
Poeta, jornalista, contista, tradutor . . .
Homenagens: Foi contemplado com várias "Bolsas", entre elas
"Deutscher Akademischer Austauschdienst", Berlim, Alemanha . . .
Prémio de "Revelação Sonangal", 1989, Angola.
Prémio de "Literatura da R.P.T.", 1997, Portugal.
Prémio de "Conto Camilo Castelo Branco", Associação
Portuguesa de Escritores, Portugal.
Prémio "Gulbenkian de Literatura para Crianças, e Jovens"
2002. Prémio "Independente de Ficção Estrangeira",
Jornal "Independent", Grão Bretanha . . .
*
CANTOePALAVRAS
A Conjura(romance), 1989; Coração dos Bosques, 1991;
Nação Crioula(romance),1997; Estação das Chuvas
(romance), 1996; Um Estranho em Goa(romance), 2000;
Estranhões e Bizarros(literatura infantil), 2000;
A Substância do Amor e Outras Crônicas(crônicas), 2000;
O Homem que Parecia um Domingo(contos), 2002;
Catálogo de Sombras(contos), 2003; O Ano em que Zumbi
Tomou o Rio(romance), 2003; O Vendedor de Passados
(romance), 2004; Manual Prático de Levitação(contos),2005;
A Girafa que Comia Estrelas(novela), 2005;
Passageiros em Trânsito(novela), 2006; As Mulheres do
Meu Pai(romance), 2007; Na Rota das Especiarias(guia),
2008; Barroco Tropical(romance), 2009 . . .
*
I
Falava com devagar, ajeitando as
palavras. Falava com cuidado,
houvesse lume entre as palavras.
-
Chegava ao entardecer, os sapatos
cheios de terra vermelha e do perfume dos matos.
-
Cumpria rigorosamente os rituais.
-
Batia primeiro as palmas (junto ao peito)
depois falava.
Dos bois, das lavras, das coisas
simples do seu dia-a-dia. E todavia
era tal o mistério das tardes quando
assim falava
-
que doia.
*
JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
"O Homem que Vinha ao Entardecer"
*
II
-Em criança eu já era ambicioso. Quando me perguntavam
"o que queres ser qundo fores grande?" punha-me nos bicos
dos pés e respondia - "o maior!" Havia de ser o maior. Só não
sabia em que ramo.
Jerônimo suspirou. Não disse mais nada. Não era necessário
dizer mais nada. Olhando através da janela avistava-se o rio,
uma massa de água lamacenta e rumorosa, que descia sempre,
e sempre, em meio à ramagem das árvores, ao capim verde, às
altas palmas das palmeiras, arrastando para o mar a última luz
do dia. Jerônimo levara-me a visitar toda a fazenda. Achei-a
imensa. Mostrou-me o lago(salgado) onde pousavam os
flamingos. Imitou o canto de diversos pássaros, conseguindo,
em alguns casos, que estes lhe respondessem. Deixou que eu
fotografasse, pousada numa larga folha de bananeira, uma
espécie raríssima de borboleta, mas não me autorizou a
capturá-la. Acompanhei-o no jipe, em silêncio, enquanto ele,
apontando com o dedo, me ia apresentando às diferentes ervas,
ramadas, rebentos e flores, exaltando as virtudes medicinais
desta ou daquela ou alertando para os perigos de uma outra.
Ao vê-lo pela primeira vez, na tarde anterior, ficara com a
impressão de estar diante de um sujeito capaz de conseguir
tudo aquilo que se propunha, duro e determinado. Não
imaginei que as flores o comovessem. Os olhos, frios, sombrios,
pousaram nos meus, e ele sorriu:
-Não nos conhecemos já?.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*
JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
"Os Cachorros"(fragmento)
Manual Prático de Levitação
»1201«
LUÍS QUINTAIS
Luís Fernando Gomes da Silva Quitais
Nasceu 19 de agosto de 1968, signo de leão.
Luena(Luso), Angola, África.
veio para Portugal, 1975 . . .
Antropólogo, Poeta, professor do Departamento
de Antropologia(Ciências da Vida) da Universidade de
Coimbra, Faculdade Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra. Participou de diversas
revistas como "Poesia Sempre". . .
Homenagens: Prémio "Pen Club";
Prémio "Luís Miguel Nava", 2005 . . .
*
CANTOePALAVRAS
Imprecisa Melancolia, 1995; Lamento, 1999;
Umbria, 1999; Verso Antigo, 2001; Angst, 2002;
Duelo, 2004; Canto Onde, 2006; Mais espesso que a Água, 2008 . . .
*
Parecia verão. Ele via na noite
-
Ele via as pequenas árvores,
os atemorizados animais,
uma linha de signos junto à terra.
-
Ele celebrava os objectos,
as irrisórias meditações
sobre os objectos criados.
-
O simples pensamento:
-
escrever é seguir curso no leito da morte.
-
Um livro é sempre memória
de um verão aparente que acaba.
De alguém que não domina a sintaxe,
que, inadvertidamente, lhe destrói
as suas fontes.
-
Parecia verão, e era um nunca acabar de promessas
que o rigor, a justa dignidade da beleza,
ou a ilusão de tudo isso,
rondariam por perto.
*
LUÍS QUINTAIS
"Parecia Verão"

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