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»1157«
GLAUCO MATTOSO
Pedro José Ferreira da Silva
GLAUCO MATTOSO
Pedro José Ferreira da Silva
(GLAUBER Rocha e Gregório de MATOS)
Nasceu em 29 de junho de 1951, signo de câncer,
Nasceu em 29 de junho de 1951, signo de câncer,
São Paulo, Brasil.
Poeta, Universidade de São Paulo, Brasil,
doutorou-se em Biblioteconomia.
Cego(glaucoma). . .
*
CANTOePALAVRAS
Manual do Pedólatra Amador, 1986;
Jornal Dobrabil, 1977 a 1981; Centopéia, 1999;
Panacéia - Sonetos Colaterais, 2000;
Poesia Digesta 1974-2004, 2004. . .
I
Machismo é futebol e amor aos pés.
São machos adorando pés de macho,
e nesse mundo mágico me acho
em meio aos fãs de algum camisa dez.
Invejo os massagistas do Pelés
nos lúdicos momentos de relaxo,
servindo-lhes de chanca e de capacho,
levando a língua alí, do chão no rés.
É lógico que um cego como eu
não pode convocar o titular
dum time brasileiro ou europeu.
Contento-me em chupar o polegar
do pé de quem ainda não venceu
sequer a mais local preliminar.
*
GLAUCO MATTOSO
"Soneto Futebolístico"
*
Cego(glaucoma). . .
*
CANTOePALAVRAS
Manual do Pedólatra Amador, 1986;
Jornal Dobrabil, 1977 a 1981; Centopéia, 1999;
Panacéia - Sonetos Colaterais, 2000;
Poesia Digesta 1974-2004, 2004. . .
I
Machismo é futebol e amor aos pés.
São machos adorando pés de macho,
e nesse mundo mágico me acho
em meio aos fãs de algum camisa dez.
Invejo os massagistas do Pelés
nos lúdicos momentos de relaxo,
servindo-lhes de chanca e de capacho,
levando a língua alí, do chão no rés.
É lógico que um cego como eu
não pode convocar o titular
dum time brasileiro ou europeu.
Contento-me em chupar o polegar
do pé de quem ainda não venceu
sequer a mais local preliminar.
*
GLAUCO MATTOSO
"Soneto Futebolístico"
*
II
È sábia a Natureza! A chuva passa
e tudo se renova: a fauna, a flora. . .
Parece que nasceram logo agora
que o Sol nos deu o arzão da sua graça. . .
Também eu redescubro algo que faça
valer a pena a vida, muito embora
mais fraca seja a fé que revigora,
menor seja a esperança que renasça. . .
Depois do que passei e tenho visto,
me sobra cada vez menos motivo
plausível de que penso e de que existo.
Se for indubitável que estou vivo,
Melhor é o "sim" que o "não" e, certo disto,
de nada mais me omito nem me privo.
*
*
GLAUCO MATTOSO
"Soneto "
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»1158«
AUGUSTO CONTADOR BORGES
Luiz Augusto Contador Borges
Nasceu em 1954, São Paulo, Brasil.
Poeta, tradutor, ensaísta, professor . . .
Doutorou-se em Filosofia na Universidade de São Paulo U.S.P.
Professor de Filosofia "Fundação Escola de Sociologia
e Política" de São Paulo. Participou do "Centro de
Estudos de Arte Contemporânea" C.E.A.C..
*
CANTOePALAVRAS
O Reino da Pele, 2003; A Morte dos Olhos, 2007;
traduções: Nerval, Aurélia, 1991; A Filosofia na Alcova,
Marquês de Sade; O Nu Perdido, René Char . . .
*
I
A luz santa que bebo
Vem da eternidade
Como a rosa imberbe
Sai das palavras
Sangue de orvalho ou pus de anjo.
-
Não basta ao poeta
Deixar os olhos onde deus aperta
Da criação a tecla
E a semente que fala
Tirar seus ramos da eternidade.
-
Se a flor que ouve
Sua voz futura sabe
Que só mesmo após tanto orvalho
É que fica pronto
Seu último aroma.
-
Deus assina em branco
A folha em que o poeta sonha
Mas deus é a palavra
Sem véus de sombra
Que o tempo sopra.
-
Deus é o ato falho
Das coisas reveladas
À luz de cada olho
Que a todas grava
Na lousa clara do esquecimento.
-
E assim a palavra
Incorpora o tempo
Em seu leque amplo
Tecido de sonho
Escreveu na treva um anjo.
*
AUGUSTO CONTADOR BORGES
"A Rosa de Silesius"
Angelolatria
*
II
Em dia de iluminações risonhas,
As abelhas se espelham
Na água das pétalas e depois retornam,
Maquiadas de mel, ao palácio
Redondo da rainha. Minha janela
Aos poucos é iluminada pela cena.
Além da geléia que segregam
E das figuras que engorduram os favos,
Algumas sombras se imprimem
Em milimétrica letra de abelha:
O poema é a "colmeia do ícones".
As abelhas fervilham na escrítura líquida.
Vejo na abelha o esboço de um anjo.
O corpo liso, origami
Dobrado em quatro folhas,
Quatro asas querúbicas diáfanas.
Serão demônios enrolados em roxo,
Ágeis como estampas chinesas?
Gárgulas e grotescos protegendo o texto
Contra a umidade do tempo?
Mas o demônio é apenas "o olho
De deus rosqueando a carne".
Em paragens mais sacras assombram
As abóbadas avermelhando as igrejas
A ponto dos santos errarem de nichos.
Ah o que não iluminam os inúmeros círios
Que ardem no céu de seus olhos! . . .
Não dançam as cinzas felizes
Na garganta de santos? O Sol
Atravessa os vitrais e inunda
Os suaves rostos de gesso gozando
Imóveis nesse Museu do Êxtase.
E que sinos são estes
Em que voz e escuta se entendem
Trocando sonoridade mútuas?
Feliz de quem morrer:
Se o tempo se queima no grito de um fósforo,
Será criança nos seios de Ísis!
Eis o ouro do êxtase, a luz-lazúli
que alumia a vacuidade dos túmulos,
E os crânios crespos dos faraós envoltos
No mesmo linho urdido em ouro
Que lavrou o livro dos Mortos,
Num tempo de oferendas puras,
Erguidas em pilares de deslumbre.
Vislumbro a metamorfose da rosa em éter!
E outras coisas que se cria
Num cadinho de palavras. Poesia:
"Princesa encantada em águia". Meu corpo
Começa a sumir em vôo xamânico,
Como num sonho evanescente
As diminutas labaredas, as cinzas
Do centauro que se queima
Em sacrífício à beleza.
Leitor: meus olhos andam
À luz de teus dedos. Ledo fascínio.
"O símbolo é a sombra que pousa
No cerne das coisas".
Nos trilhos do impossível,
Só um céu imaginário alcança
O vôo dos impulsos geométricos,
As paixões-fantasmas
E os demônios da invenção,
Que fazem música da química,
Desfigurando a pétala:
Máscara pura do concreto.
*
AUGUSTO CONTADOR BORGES
"Fábula das Abelhas"
Angelolatria
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»1159«
HORÁCIO COSTA
José Horácio de Almeida Nascimento Costa
Nasceu em 1954. São Paulo, Brasil.
. Poeta, fez, Arquitetura e Urbanismo, Universidade
. Poeta, fez, Arquitetura e Urbanismo, Universidade
de São Paulo, U.S.P., Universidade de New York, e Yale, E.U. A.
Foi bolsista da "Fundação Calouste Gulbenkian" de Lisboa, Portugal.
professor de "Literatura Brasileira", no "Centro de Estudos
Latino-americanos" U.N.A.M., México . . .
*
CANTOePALAVRAS
Satori,1989 . . .
*
I
os miseráveis
-
são herdeiros de trajetórias alquímicas pela cidade
colados estão no mapa com costelas a mais
*
sábios
silentes
sáurios
*
carregam pedras filosofais no embornal das omoplatas
vegetais entre os dentes pedras pendentes as mãos
-
arqueologias pedestres manhãs perfis
reflexos cristalizados no éter
-
do anonimato ao mundo-ímã unidos
nas calçadas fazem arte rupestre
-
os miseráveis
pelas veias flocos de algodão e aves azuis de sangue espanhol
-
ossos de ar esqueleto inflado em álcool
aquarelas noturnas dolorosos olhares celular
-
o zodíaco inteiro eu identifico aqui:
no huis-clos deste bar-poema
-
de todos os centauros, estrebaria
*
HORÁCIO COSTA
"O Bar da Senhora Olvido"(fragmento III)
Satori
*
II
vieram daqui vieram dali
vieram muitos e muito poucos
vieram cedo e vieram tarde
vieram todos e veio um
-
chegou o primeiro e não o último
e o segundo não o penúltimo
por dez minutos ou por cinqüenta
por mil dias ou uma hora, quem se importa?
-
de Badajoz e de Valência
de Andaluzia e das Astúrias
vierma nobres e solitários
vieram pobres e pobres
-
aves do paraíso
e miúras
de olhos claros
e escuros
são baleares
e bascos
marinheiros andarilhos
adamastores
-
depois dos campos dos castelos dos jornais
e das Ramblas e dos molhes, de outros bares
e de Dickens, de Cervantes e de Brecht
e da guerra, da cegueira e das catedrais
-
estavam onde estamos todos
vieram todos e veio um
aquele que andou ao lado teu
-
então
*
HORÁCIO COSTA
"O Bar da Senhora Olvido"( fragmento VII)
Satori
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»1160«
RÉGIS BONVICINO
Nasceu a 25 de fevereiro de 1955, signo de peixes.
São Paulo, Brasil.
Doutorou-se em Direito, 1978, na Universidade de São Paulo, U.S.P.
Viajou o mundo inteiro divulgando a poesia, seu trabalho
foi traduzido em diversos idiomas, espanhol, inglês, francês,
catalão . . .
Participou no "IV Encontro Internacional de Poetas" em Coimbra.
Fez parte da revista "Sibila".
*
CANTOePALAVRAS
Bicho Papel, 1975; Régis Hotel, 1978;
Sósia da Cópia, 1983; Más Companhias, 1987;
33 Poemas, 1990; Outros Poemas, 1993;
Num Zoológico de Letras (poesia infantil), 1994;
Ossos de Borboleta, 1996; Céu-eclipse, 1999;
Cem Versos ou Quase, 2003 . . .
*
I
Quis dizer agudo para
mudo quis dizer
vento sul talvez
um augúrio pensei que tivesse
-
ouvido o segredo
dos gerânios úmidos da flor
do flamboyant; do funcho
azul a cada minuto
-
mais nítido perdendo
sua condição de abandono,
de pano, cortina
cacos se
-
armando manhã de
setembro, num quadro opaco
lâmina de vidro enfim
espelho
-
A aurora não acorda o sono da primavera
o pássaro canta
cicio do vento; da chuva
noite morta flor
-
(sobre a grama) & quantas
janelas& mais nada
silêncio, o jacarandá espera
a cor da madrugada.
*
RÉGIS BONVICINO
"O Som"
Remorso do Cosmos
*
II
Borboletas fogem para os abrigos
feca um lírio ficto
Servir-se das víceras do lince
e do flamingo
-
Ninho de guinchos,
aqueles que
tiram nabos de púcara
apanham boas portas
-
esmiúçam nenúfares
negociam
pálpebras de pintassilgos
e interpelam orquídeas
-
em vigília
o dedo toca uma estrela
êxito
dos mercadores de camelos
-
e de pétalas sumarentas
cáfilas
bombeiam folhas secas
e a água dos caniços
-
avaria dos rododendros
mútuo de abelhas
e de mutuns, vermelhos
milho e estrume no bico.
*
RÉGIS BONVICINO
"Oitavo Poema
Remorso do Cosmos
(Mais Poemas . . ."Donde borbota, minha Saudade" pág. 194).
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»1161«
BRUNO TOLENTINO
Nasceu em 1940, Rio de Janeiro, Brasil.
Poeta, viveu na Itália, Bélgica, Inglaterra, França.
Professor de várias Universidades como
Oxford e Essex . . .
Homenagens: Premio "Jabuti", 2003.
*
CANTOePALAVRAS
As Horas de Katharina, 1994 . . .
I
Escutava o som da flauta
do pastor de cada dia
e suspirava, sorria . . .
Já não me fazia falta.
-
sua doce companhia
mas ouvia aquela malta
de balidos e harmonia
como uma folha mais alta.
-
na brisa que a levaria,
e ria . . .Era tão exata,
tão límpida, tão esguia.
-
aquela curva de prata
subindo . . .Tudo subia,
a luz, a campina, a mata . . .
*
BRUNO TOLENTINO
"A Flauta"
As Horas de Katharina
*
II
Ó silêncio, ó silêncio,
devias consolar,
cada vez mais imenso . . .
Mas que nada! Calar.
-
é entupir de barulho
o vazio da alma,
é pintar por orgulho
a máscara da calma.
-
na cara da agonia.
Calo, disciplinada,
e deduzo do nada
minha cacofonia.
-
Ah, silêncio! Vestal
com avental de cozinha,
tua pureza e a minha
acomodam-se mal . . .
*
BRUNO TOLENTINO
"Silêncios"
As Horas de Katharina
*
III
Deram-me, quando criança,
uma estrela-do-mar,
e eu guardei dela a esperança
de durar.
-
seca, ao longe, arrancada
também ao meu país
natural, a raiz
apenas, sem mais nada.
-
que houvesse sido dela.
E vim parar aqui,
uma estrela
do mar, longe de tudo o que perdi.
-
Mas não deu certo:
a coisa inanimada,
longe ou perto
tardinha ou madrugada,
-
é sempre igual a si.
A criatura não.
O ser é uma emoção.
Eu sou feita de tudo o que senti.
*
BRUNO TOLENTINO
"Estrela-do Mar"
As Horas de Katharina
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»1162«
MÁRIO DA SILVA BRITO
Nasceu a 14 de setembro de 1916, signo de virgem.
Dois Córregos, Estado de São Paulo, Brasil.
Poera, fez Direito, na Faculdade de Direito, U.S.P.,
Universidade de São Paulo. Poeta, Historiador, Humorista . . .
Universidade de São Paulo. Poeta, Historiador, Humorista . . .
Jornalista de relevo, chegando a ser diretor editorial da
Civilização Brasileira S.A., Brasil. Participou de diversos
Congressos sobre literatura . . .
Homenagens: Premio "Jaboti"; Premio Machado de Assis;
Premio Fábio Prado";
Premio "Francisco de Paula Ferraiol"
Medalha "Mário de Andrade"
*
CANTOePALVRAS
Três Romances da idade urbana, 1946;
Universo, 1961; Desaforismos(humor),1963;
PoeMário da Silva Brito, 1966;
Ângulo e Horizonte "de Oswald de Andrade à Ficção
Científica"(ensaio), 1969;
Conversa vai, Conversa vem(diário), 1974;
Natal de Ontem, de Hoje - e de Sempre, 1976;
Oferenda Natalícia, 1977; Suíte em Do Maior, 1978
Jogral do Frágil e do Efêmero, 1979 . . .
*
I
Jamais apanhes uma flor,
ainda mais se úmida
de orvalho, sob o Sol
que começa a nascer.
-
Que seja apenas flor florindo,
que continue a estar onde está,
no caule frágil, flexível,
bailando, morosa, ao sopro
da calma brisa - beijo de flor.
-
Basta saber que é uma flor,
uma flor somente - e bela
porque flor: não em canto
da natureza nem mesmo
um capricho de Deus.
-
Olha a flor com delicada ternura,
nela não toques nem de leve:
flor se desfaz à toa, à toa.
-
Olha a flor em teu caminho,
flor e que, de repente, floresceu
no jardim ou no mato agreste,
uma flor que elegeu, para ser vista,
os teus olhos quase sempre
ausentes, em cismas perdidos.
-
Agradece a oferenda, enamorado,
e segue adiante, segue viandante,
deixa que a flor viva, sossegada,
sua curta vida de pétalas se abrindo.
-
E parte. Parte por aí além,
andarilho sonâmbulo de sonhos,
vai, vai depressa,
lembrando sempre que no teu caminho
uma flor, esta flor, aos teus olhos floriu.
*
MÁRIO DA SILVA BRITO
"Uma Flor"
Jogral do Frágil e do Efêmero
*
II
Por onde anda a andorinha?
risco arisco
no chão, no ar?
-
Ei-la ali, ei-la acolá
a triscar, a trissar.
-
Inda agorinha
num triz
passou por aqui
- e mal vi.
*
MÁRIO DA SILVA BRITO
Andorinha
Jogral do Frágil e do Efêmero
*
III
Para onde vão as estrelas
que tombam do céu de repente?
Mergulham em espaço ignoto
ou se perdem no mistério das galáxias?
-
Suicídas que se despencam da noite,
rumo ao desconhecido, por onde andarão agora?
Cintilam nos espelhos traiçoeiros da vida
ou prosseguem doida jornada cadente
em firmamentos irrevelados, de todo ocultos?
-
Incendeiam olhos absortos, crestam plantas,
sepultam-se no imundo chão dos homens
ou serão novos cantos de luz em regiões remotas?
-
Ou estão afogadas no rio do tempo,
apagadas, perdido o brilho, destroços
que as águas conduzem no seu destino incerto?
*
MÁRIO DA SILVA BRITO
"Estrelas Cadentes"
Jogral do Frágil e do Efêmero
▬▬
»1163«
MARCOS BARBOSA
Lauro de Araujo Barbosa
Nasceu, a 12 de setembro de 1915, signo de virgem.
Cristina, Estado de Minas Gerais, Brasil.
Poeta, monge beneditino, escritor, tradutor, radialista,
Doutor, em "Ciências Jurídicas e Sociais", pela Faculdade
Nacional de Direito, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Escreveu para diversos jornais e revistas.
Homenagens: Cidadão Honorário do Municipio Rio de
Janeiro, 1984; Premio de Poesia "Pen Club do Brasil", 1986;
Condecoração de "Chévalier des Arts et des Lettres", da
França, 1990; Premio "São Sebastião de Cultura", Rio de
Janeiro, 1995 . . .
Faleceu 05 de março de 1997.
*
CANTOePALAVRAS
Teatro, 1947; Livro Peregrino, 1955;
A Noite Será como o Dia: autos de Natal, 1959;
As Vinte e Seis Andorinhas, 1991;
Poemas para Crianças e Alguns Adultos, 1994;
Eis que Vem o Senhor, 1967;
Um Menino nos foi Dado(teatro infantil), 1974;
Nossos Amigos, Os Santos, 1985 . . .
*
Vós, que amais a natureza,
é preciso vir para vê-la,
recém brotada das águas,
como no céu uma estrela.
-
Ontem mesmo nada havia,
dissimulado botão;
ergue agora no cristal
a sua branca ascensão.
-
Nasce no jardim do claustro,
não na terra, mas no tanque;
vai vendo abrirem-se as outras
de um aquático palanque.
-
Vide vê-la! Oh, não podeis:
pois foi nascer na clausura
e já bóia, branca Ofélia,
nas águas da sepultura.
-
Tão depressa brota o poema
de efêmera duração
mal risca de leve a vida
O anseio do coração . . .
*
MARCOS BARBOSA
" A Flor do Tanque "
▬▬
»1164«
JOSÉ MARIA AMARAL
Nasceu a 14 de março de 1812, signo de peixes,
Rio de Janeiro, Brasil.
Poeta, em Paris, Direito e Medicina, foi diplomata
Em vários países. . .
*
CANTOePALAVRAS
(Não Publicou nenhun livro) . . .
*
Não chames sonhos a tristeza e dores
Do coração que chora a mocidade,
Na tarde triste da tristonha idade,
Que é tronco seco onde morrem flores.
-
Sonhos não são; nem são já sonhadores
Os que da vida sabem a verdade;
Dor pungente e real é a saudade
Do tempo em que de nós fomos senhores.
-
Nossos não somos já, senão da morte,
Quando entre o mundo está e a sepultura
Em fase derradeira, a nossa sorte;
-
Quem pode então lembrar, sem amargura,
Tenha embora o vigor do ânimo forte,
Que vai da vida a luz ser noite escura!
*
JOSÉ MARIA AMARAL
" Tristeza Amarga "
▬▬
»1165«
IGNACIO RAPOSO
Poeta...
Poeta...
. . . . . . . . . . . . . . . . .
*
CANTOePALAVRAS
A Tomada do Almourol,1939 . . .
*
I
Quando, á noite o philosopho, indeciso,
Passeia os olhos pelo céo, mirando-o,
Sente no peito uma saudade infinda
De um tempo que passou; depois lhe exsurge
Tristeza immensa a denegrir-lhe os sonhos,
E põe-se a meditar, pesando a crença,
A duvida, a incerteza e emfim suppondo
Que nada existe para além do espaço . . .
E Deus? . . . E a vida? . . . E esse apparelho todo
Em que a materia primitiva exulta,
Por que prodigio rebentou no vacuo? . . .
Ai! Quem nos diz a nós que o Grande Todo
Um'alma viva e universal não tenha,
Tão diversa da nossa que perante
A grande Luz, rudimentar pareça? . . .
Creio n'alma do mundo, e nada importa
Que a não perceba o entendimento humano.
Tal como, dentro do organismo nosso,
Habitam seres que nas trevas luctam,
Trabalhando por nós, ou detruindo
Da nossa vida o natural Thesouro,
Sem que nos possa conhecer ao menos;
Assim, luctamos pelo Grande Todo
Sem que tenhamos da existencia d'este
A mais leve noção, pois nada explica,
No engenho do Universo, o que nós somos
E que papel desempenhamos n'elle . . .
Mas . . . porque soffre o pensador nocturno
Ao ver dos astros o brilhar sidereo? . . .
É que, avistando innumeras estrellas,
Reconhece que em todo o espaço esistem
Mundos e mundos que, gyrando sempre,
Retratos são do nosso; e nelles, surge
E impéra a vida e a consequente morte.
Ah! . . . se nos astros, animaes respiram.
Se medram plantas, se estas plantas murcham,
Tristura enorme no universo paira.
Por toda a parte a luz, e após - a treva! . . .
Por toda a parte a mesma dôr, vibrando
Pela intangivel machina dos mundos!
Dôres causando a nossas mães, nascemos:
Na dôr passamos a existencia inteira . . .
Depois, a campa . . . e quem nos diz que a magua
Se extingue nella porque nós findamos? . . .
Ninguem responde esta cruel pergunta,
E é por isso que o espirito do sabio
Sente-se triste contemplando a esphera.
*
IGNACIO RAPOSO
"Luas e Cruzes"
Oitavo Canto
(fragmento)
A Tomada do Amourol
(Poema Épico Relativo à Fundação de Portugal).
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Língua Portuguesa", pág. 015).
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