domingo, 15 de março de 2009

166 - Bruno Tolentino " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "


»1157«
GLAUCO MATTOSO
Pedro José Ferreira da Silva
(GLAUBER Rocha e Gregório de MATOS)
Nasceu em 29 de junho de 1951, signo de câncer,
São Paulo, Brasil.
Poeta, Universidade de São Paulo, Brasil,
doutorou-se em Biblioteconomia.
Cego(glaucoma). . .
*
CANTOePALAVRAS
Manual do Pedólatra Amador, 1986;
Jornal Dobrabil, 1977 a 1981; Centopéia, 1999;
Panacéia - Sonetos Colaterais, 2000;
Poesia Digesta 1974-2004, 2004. . .

I

Machismo é futebol e amor aos pés.
São machos adorando pés de macho,
e nesse mundo mágico me acho
em meio aos fãs de algum camisa dez.

Invejo os massagistas do Pelés

nos lúdicos momentos de relaxo,
servindo-lhes de chanca e de capacho,
levando a língua alí, do chão no rés.

É lógico que um cego como eu

não pode convocar o titular
dum time brasileiro ou europeu.

Contento-me em chupar o polegar

do pé de quem ainda não venceu
sequer a mais local preliminar.
*
GLAUCO MATTOSO
"Soneto Futebolístico"
*
II
È sábia a Natureza! A chuva passa
e tudo se renova: a fauna, a flora. . .
Parece que nasceram logo agora
que o Sol nos deu o arzão da sua graça. . .
Também eu redescubro algo que faça
valer a pena a vida, muito embora
mais fraca seja a fé que revigora,
menor seja a esperança que renasça. . .
Depois do que passei e tenho visto,
me sobra cada vez menos motivo
plausível de que penso e de que existo.
Se for indubitável que estou vivo,
Melhor é o "sim" que o "não" e, certo disto,
de nada mais me omito nem me privo.
*
GLAUCO MATTOSO
"Soneto "
»1158«
AUGUSTO CONTADOR BORGES
Luiz Augusto Contador Borges
Nasceu em 1954, São Paulo, Brasil.
Poeta, tradutor, ensaísta, professor . . .
Doutorou-se em Filosofia na Universidade de São Paulo U.S.P.
Professor de Filosofia "Fundação Escola de Sociologia
e Política" de São Paulo. Participou do "Centro de
Estudos de Arte Contemporânea" C.E.A.C..
*
CANTOePALAVRAS
O Reino da Pele, 2003; A Morte dos Olhos, 2007;
traduções: Nerval, Aurélia, 1991; A Filosofia na Alcova,
Marquês de Sade; O Nu Perdido, René Char . . .
*
I
A luz santa que bebo
Vem da eternidade
Como a rosa imberbe
Sai das palavras
Sangue de orvalho ou pus de anjo.
-
Não basta ao poeta
Deixar os olhos onde deus aperta
Da criação a tecla
E a semente que fala
Tirar seus ramos da eternidade.
-
Se a flor que ouve
Sua voz futura sabe
Que só mesmo após tanto orvalho
É que fica pronto
Seu último aroma.
-
Deus assina em branco
A folha em que o poeta sonha
Mas deus é a palavra
Sem véus de sombra
Que o tempo sopra.
-
Deus é o ato falho
Das coisas reveladas
À luz de cada olho
Que a todas grava
Na lousa clara do esquecimento.
-
E assim a palavra
Incorpora o tempo
Em seu leque amplo
Tecido de sonho
Escreveu na treva um anjo.
*
AUGUSTO CONTADOR BORGES
"A Rosa de Silesius"
Angelolatria
*
II
Em dia de iluminações risonhas,
As abelhas se espelham
Na água das pétalas e depois retornam,
Maquiadas de mel, ao palácio
Redondo da rainha. Minha janela
Aos poucos é iluminada pela cena.
Além da geléia que segregam
E das figuras que engorduram os favos,
Algumas sombras se imprimem
Em milimétrica letra de abelha:
O poema é a "colmeia do ícones".
As abelhas fervilham na escrítura líquida.
Vejo na abelha o esboço de um anjo.
O corpo liso, origami
Dobrado em quatro folhas,
Quatro asas querúbicas diáfanas.
Serão demônios enrolados em roxo,
Ágeis como estampas chinesas?
Gárgulas e grotescos protegendo o texto
Contra a umidade do tempo?
Mas o demônio é apenas "o olho
De deus rosqueando a carne".
Em paragens mais sacras assombram
As abóbadas avermelhando as igrejas
A ponto dos santos errarem de nichos.
Ah o que não iluminam os inúmeros círios
Que ardem no céu de seus olhos! . . .
Não dançam as cinzas felizes
Na garganta de santos? O Sol
Atravessa os vitrais e inunda
Os suaves rostos de gesso gozando
Imóveis nesse Museu do Êxtase.
E que sinos são estes
Em que voz e escuta se entendem
Trocando sonoridade mútuas?
Feliz de quem morrer:
Se o tempo se queima no grito de um fósforo,
Será criança nos seios de Ísis!
Eis o ouro do êxtase, a luz-lazúli
que alumia a vacuidade dos túmulos,
E os crânios crespos dos faraós envoltos
No mesmo linho urdido em ouro
Que lavrou o livro dos Mortos,
Num tempo de oferendas puras,
Erguidas em pilares de deslumbre.
Vislumbro a metamorfose da rosa em éter!
E outras coisas que se cria
Num cadinho de palavras. Poesia:
"Princesa encantada em águia". Meu corpo
Começa a sumir em vôo xamânico,
Como num sonho evanescente
As diminutas labaredas, as cinzas
Do centauro que se queima
Em sacrífício à beleza.
Leitor: meus olhos andam
À luz de teus dedos. Ledo fascínio.
"O símbolo é a sombra que pousa
No cerne das coisas".
Nos trilhos do impossível,
Só um céu imaginário alcança
O vôo dos impulsos geométricos,
As paixões-fantasmas
E os demônios da invenção,
Que fazem música da química,
Desfigurando a pétala:
Máscara pura do concreto.
*
AUGUSTO CONTADOR BORGES
"Fábula das Abelhas"
Angelolatria
»1159«
HORÁCIO COSTA
José Horácio de Almeida Nascimento Costa
Nasceu em 1954. São Paulo, Brasil.
.  Poeta,  fez, Arquitetura e Urbanismo, Universidade
de São Paulo, U.S.P., Universidade de New York, e Yale, E.U. A.
Foi bolsista da "Fundação Calouste Gulbenkian" de Lisboa, Portugal.
professor de "Literatura Brasileira", no "Centro de Estudos
Latino-americanos" U.N.A.M., México . . .
*
CANTOePALAVRAS
Satori,1989 . . .
*
I
os miseráveis
-
são herdeiros de trajetórias alquímicas pela cidade
colados estão no mapa com costelas a mais
*
sábios
silentes
sáurios
*
carregam pedras filosofais no embornal das omoplatas
vegetais entre os dentes pedras pendentes as mãos
-
arqueologias pedestres manhãs perfis
reflexos cristalizados no éter
-
do anonimato ao mundo-ímã unidos
nas calçadas fazem arte rupestre
-
os miseráveis
pelas veias flocos de algodão e aves azuis de sangue espanhol
-
ossos de ar esqueleto inflado em álcool
aquarelas noturnas dolorosos olhares celular
-
o zodíaco inteiro eu identifico aqui:
no huis-clos deste bar-poema
-
de todos os centauros, estrebaria
*
HORÁCIO COSTA
"O Bar da Senhora Olvido"(fragmento III)
Satori
*
II
vieram daqui vieram dali
vieram muitos e muito poucos
vieram cedo e vieram tarde
vieram todos e veio um
-
chegou o primeiro e não o último
e o segundo não o penúltimo
por dez minutos ou por cinqüenta
por mil dias ou uma hora, quem se importa?
-
de Badajoz e de Valência
de Andaluzia e das Astúrias
vierma nobres e solitários
vieram pobres e pobres
-
aves do paraíso
e miúras
de olhos claros
e escuros
são baleares
e bascos
marinheiros andarilhos
adamastores
-
depois dos campos dos castelos dos jornais
e das Ramblas e dos molhes, de outros bares
e de Dickens, de Cervantes e de Brecht
e da guerra, da cegueira e das catedrais
-
estavam onde estamos todos
vieram todos e veio um
aquele que andou ao lado teu
-
então
*
HORÁCIO COSTA
"O Bar da Senhora Olvido"( fragmento VII)
Satori
»1160«
RÉGIS BONVICINO
Nasceu a 25 de fevereiro de 1955, signo de peixes.
São Paulo, Brasil.
Doutorou-se em Direito, 1978, na Universidade de São Paulo, U.S.P.
Viajou o mundo inteiro divulgando a poesia, seu trabalho
foi traduzido em diversos idiomas, espanhol, inglês, francês,
catalão . . .
Participou no "IV Encontro Internacional de Poetas" em Coimbra.
Fez parte da revista "Sibila".
*
CANTOePALAVRAS
Bicho Papel, 1975; Régis Hotel, 1978;
Sósia da Cópia, 1983; Más Companhias, 1987;
33 Poemas, 1990; Outros Poemas, 1993;
Num Zoológico de Letras (poesia infantil), 1994;
Ossos de Borboleta, 1996; Céu-eclipse, 1999;
Cem Versos ou Quase, 2003 . . .
*
I
Quis dizer agudo para
mudo quis dizer
vento sul talvez
um augúrio pensei que tivesse
-
ouvido o segredo
dos gerânios úmidos da flor
do flamboyant; do funcho
azul a cada minuto
-
mais nítido perdendo
sua condição de abandono,
de pano, cortina
cacos se
-
armando manhã de
setembro, num quadro opaco
lâmina de vidro enfim
espelho
-
A aurora não acorda o sono da primavera
o pássaro canta
cicio do vento; da chuva
noite morta flor
-
(sobre a grama) & quantas
janelas& mais nada
silêncio, o jacarandá espera
a cor da madrugada.
*
RÉGIS BONVICINO
"O Som"
Remorso do Cosmos
*
II
Borboletas fogem para os abrigos
feca um lírio ficto
Servir-se das víceras do lince
e do flamingo
-
Ninho de guinchos,
aqueles que
tiram nabos de púcara
apanham boas portas
-
esmiúçam nenúfares
negociam
pálpebras de pintassilgos
e interpelam orquídeas
-
em vigília
o dedo toca uma estrela
êxito
dos mercadores de camelos
-
e de pétalas sumarentas
cáfilas
bombeiam folhas secas
e a água dos caniços
-
avaria dos rododendros
mútuo de abelhas
e de mutuns, vermelhos
milho e estrume no bico.
*
RÉGIS BONVICINO
"Oitavo Poema
Remorso do Cosmos
(Mais Poemas . . ."Donde borbota, minha Saudade" pág. 194).
»1161«
BRUNO TOLENTINO
Nasceu em 1940, Rio de Janeiro, Brasil.
Poeta, viveu na Itália, Bélgica, Inglaterra, França.
Professor de várias Universidades como
Oxford e Essex . . .
Homenagens: Premio "Jabuti", 2003.
*
CANTOePALAVRAS
As Horas de Katharina, 1994 . . .
I
Escutava o som da flauta
do pastor de cada dia
e suspirava, sorria . . .
Já não me fazia falta.
-
sua doce companhia
mas ouvia aquela malta
de balidos e harmonia
como uma folha mais alta.
-
na brisa que a levaria,
e ria . . .Era tão exata,
tão límpida, tão esguia.
-
aquela curva de prata
subindo . . .Tudo subia,
a luz, a campina, a mata . . .
*
BRUNO TOLENTINO
"A Flauta"
As Horas de Katharina
*
II
Ó silêncio, ó silêncio,
devias consolar,
cada vez mais imenso . . .
Mas que nada! Calar.
-
é entupir de barulho
o vazio da alma,
é pintar por orgulho
a máscara da calma.
-
na cara da agonia.
Calo, disciplinada,
e deduzo do nada
minha cacofonia.
-
Ah, silêncio! Vestal
com avental de cozinha,
tua pureza e a minha
acomodam-se mal . . .
*
BRUNO TOLENTINO
"Silêncios"
As Horas de Katharina
*
III
Deram-me, quando criança,
uma estrela-do-mar,
e eu guardei dela a esperança
de durar.
-
seca, ao longe, arrancada
também ao meu país
natural, a raiz
apenas, sem mais nada.
-
que houvesse sido dela.
E vim parar aqui,
uma estrela
do mar, longe de tudo o que perdi.
-
Mas não deu certo:
a coisa inanimada,
longe ou perto
tardinha ou madrugada,
-
é sempre igual a si.
A criatura não.
O ser é uma emoção.
Eu sou feita de tudo o que senti.
*
BRUNO TOLENTINO
"Estrela-do Mar"
As Horas de Katharina
»1162«
MÁRIO DA SILVA BRITO
Nasceu a 14 de setembro de 1916, signo de virgem.
Dois Córregos, Estado de São Paulo, Brasil.
Poera, fez Direito, na Faculdade de Direito, U.S.P.,
 Universidade de São Paulo. Poeta, Historiador, Humorista . . .
Jornalista de relevo, chegando a ser diretor editorial da
Civilização Brasileira S.A., Brasil. Participou de diversos
Congressos sobre literatura . . .
Homenagens: Premio "Jaboti"; Premio Machado de Assis;
Premio Fábio Prado";
Premio "Francisco de Paula Ferraiol"
Medalha "Mário de Andrade"
*
CANTOePALVRAS
Três Romances da idade urbana, 1946;
Universo, 1961; Desaforismos(humor),1963;
PoeMário da Silva Brito, 1966;
Ângulo e Horizonte "de Oswald de Andrade à Ficção
Científica"(ensaio), 1969;
Conversa vai, Conversa vem(diário), 1974;
Natal de Ontem, de Hoje - e de Sempre, 1976;
Oferenda Natalícia, 1977; Suíte em Do Maior, 1978
Jogral do Frágil e do Efêmero, 1979 . . .
*
I
Jamais apanhes uma flor,
ainda mais se úmida
de orvalho, sob o Sol
que começa a nascer.
-
Que seja apenas flor florindo,
que continue a estar onde está,
no caule frágil, flexível,
bailando, morosa, ao sopro
da calma brisa - beijo de flor.
-
Basta saber que é uma flor,
uma flor somente - e bela
porque flor: não em canto
da natureza nem mesmo
um capricho de Deus.
-
Olha a flor com delicada ternura,
nela não toques nem de leve:
flor se desfaz à toa, à toa.
-
Olha a flor em teu caminho,
flor e que, de repente, floresceu
no jardim ou no mato agreste,
uma flor que elegeu, para ser vista,
os teus olhos quase sempre
ausentes, em cismas perdidos.
-
Agradece a oferenda, enamorado,
e segue adiante, segue viandante,
deixa que a flor viva, sossegada,
sua curta vida de pétalas se abrindo.
-
E parte. Parte por aí além,
andarilho sonâmbulo de sonhos,
vai, vai depressa,
lembrando sempre que no teu caminho
uma flor, esta flor, aos teus olhos floriu.
*
MÁRIO DA SILVA BRITO
"Uma Flor"
Jogral do Frágil e do Efêmero
*
II
Por onde anda a andorinha?
risco arisco
no chão, no ar?
-
Ei-la ali, ei-la acolá
a triscar, a trissar.
-
Inda agorinha
num triz
passou por aqui
- e mal vi.
*
MÁRIO DA SILVA BRITO
Andorinha
Jogral do Frágil e do Efêmero
*
III
Para onde vão as estrelas
que tombam do céu de repente?
Mergulham em espaço ignoto
ou se perdem no mistério das galáxias?
-
Suicídas que se despencam da noite,
rumo ao desconhecido, por onde andarão agora?
Cintilam nos espelhos traiçoeiros da vida
ou prosseguem doida jornada cadente
em firmamentos irrevelados, de todo ocultos?
-
Incendeiam olhos absortos, crestam plantas,
sepultam-se no imundo chão dos homens
ou serão novos cantos de luz em regiões remotas?
-
Ou estão afogadas no rio do tempo,
apagadas, perdido o brilho, destroços
que as águas conduzem no seu destino incerto?
*
MÁRIO DA SILVA BRITO
"Estrelas Cadentes"
Jogral do Frágil e do Efêmero
»1163«
MARCOS BARBOSA
Lauro de Araujo Barbosa
Nasceu, a 12 de setembro de 1915, signo de virgem.
Cristina, Estado de Minas Gerais, Brasil.
Poeta, monge beneditino, escritor, tradutor, radialista,
Doutor, em "Ciências Jurídicas e Sociais", pela Faculdade
Nacional de Direito, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Escreveu para diversos jornais e revistas.
Homenagens: Cidadão Honorário do Municipio Rio de
Janeiro, 1984; Premio de Poesia "Pen Club do Brasil", 1986;
Condecoração de "Chévalier des Arts et des Lettres", da
França, 1990; Premio "São Sebastião de Cultura", Rio de
Janeiro, 1995 . . .
Faleceu 05 de março de 1997.
*
CANTOePALAVRAS
Teatro, 1947; Livro Peregrino, 1955;
A Noite Será como o Dia: autos de Natal, 1959;
As Vinte e Seis Andorinhas, 1991;
Poemas para Crianças e Alguns Adultos, 1994;
Eis que Vem o Senhor, 1967;
Um Menino nos foi Dado(teatro infantil), 1974;
Nossos Amigos, Os Santos, 1985 . . .
*
Vós, que amais a natureza,
é preciso vir para vê-la,
recém brotada das águas,
como no céu uma estrela.
-
Ontem mesmo nada havia,
dissimulado botão;
ergue agora no cristal
a sua branca ascensão.
-
Nasce no jardim do claustro,
não na terra, mas no tanque;
vai vendo abrirem-se as outras
de um aquático palanque.
-
Vide vê-la! Oh, não podeis:
pois foi nascer na clausura
e já bóia, branca Ofélia,
nas águas da sepultura.
-
Tão depressa brota o poema
de efêmera duração
mal risca de leve a vida
O anseio do coração . . .
*
MARCOS BARBOSA
" A Flor do Tanque "
»1164«
JOSÉ MARIA AMARAL
Nasceu a 14 de março de 1812, signo de peixes,
Rio de Janeiro, Brasil.
Poeta, em Paris, Direito e Medicina, foi diplomata
Em vários países. . .
*
CANTOePALAVRAS
(Não Publicou nenhun livro) . . .
*
Não chames sonhos a tristeza e dores
Do coração que chora a mocidade,
Na tarde triste da tristonha idade,
Que é tronco seco onde morrem flores.
-
Sonhos não são; nem são já sonhadores
Os que da vida sabem a verdade;
Dor pungente e real é a saudade
Do tempo em que de nós fomos senhores.
-
Nossos não somos já, senão da morte,
Quando entre o mundo está e a sepultura
Em fase derradeira, a nossa sorte;
-
Quem pode então lembrar, sem amargura,
Tenha embora o vigor do ânimo forte,
Que vai da vida a luz ser noite escura!
*
JOSÉ MARIA AMARAL
" Tristeza Amarga "
»1165«
IGNACIO RAPOSO
Poeta...
. . . . . . . . . . . . . . . . .
*
CANTOePALAVRAS
A Tomada do Almourol,1939 . . .
*
I
Quando, á noite o philosopho, indeciso,
Passeia os olhos pelo céo, mirando-o,
Sente no peito uma saudade infinda
De um tempo que passou; depois lhe exsurge
Tristeza immensa a denegrir-lhe os sonhos,
E põe-se a meditar, pesando a crença,
A duvida, a incerteza e emfim suppondo
Que nada existe para além do espaço . . .
E Deus? . . . E a vida? . . . E esse apparelho todo
Em que a materia primitiva exulta,
Por que prodigio rebentou no vacuo? . . .
Ai! Quem nos diz a nós que o Grande Todo
Um'alma viva e universal não tenha,
Tão diversa da nossa que perante
A grande Luz, rudimentar pareça? . . .
Creio n'alma do mundo, e nada importa
Que a não perceba o entendimento humano.
Tal como, dentro do organismo nosso,
Habitam seres que nas trevas luctam,
Trabalhando por nós, ou detruindo
Da nossa vida o natural Thesouro,
Sem que nos possa conhecer ao menos;
Assim, luctamos pelo Grande Todo
Sem que tenhamos da existencia d'este
A mais leve noção, pois nada explica,
No engenho do Universo, o que nós somos
E que papel desempenhamos n'elle . . .
Mas . . . porque soffre o pensador nocturno
Ao ver dos astros o brilhar sidereo? . . .
É que, avistando innumeras estrellas,
Reconhece que em todo o espaço esistem
Mundos e mundos que, gyrando sempre,
Retratos são do nosso; e nelles, surge
E impéra a vida e a consequente morte.
Ah! . . . se nos astros, animaes respiram.
Se medram plantas, se estas plantas murcham,
Tristura enorme no universo paira.
Por toda a parte a luz, e após - a treva! . . .
Por toda a parte a mesma dôr, vibrando
Pela intangivel machina dos mundos!
Dôres causando a nossas mães, nascemos:
Na dôr passamos a existencia inteira . . .
Depois, a campa . . . e quem nos diz que a magua
Se extingue nella porque nós findamos? . . .
Ninguem responde esta cruel pergunta,
E é por isso que o espirito do sabio
Sente-se triste contemplando a esphera.
*
IGNACIO RAPOSO
"Luas e Cruzes"
Oitavo Canto
(fragmento)
A Tomada do Amourol
(Poema Épico Relativo à Fundação de Portugal).
(Mais Poemas . . ."Os Eternos Momentos de Poetas e
Pensadores da Língua Portuguesa", pág. 015).

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