quinta-feira, 26 de março de 2009

164 - Mauricio Segall " OS ETERNOS MOMENTOS DE POETAS E PENSADORES DA LINGUA PORTUGUESA "



»1139«
ARISTIDES KLAFKE
Nasceu a 07 de fevereiro de 1953, signo de aquário,
Parnaíba, Estado do Mato Grosso, Brasil.
Poeta, participou em várias revistas e jornais . . .
*
CANTOePALAVRAS
Pablo, 197o; Osso Geral, 1976; Esquina Dorsal, 1978 . . .
*
I
Cachorra "Lua" Foto LuisD.
os dentes do cão são

as teclas do dia são

as marcas profundas da noite

-

as pegadas são

as unhas do sangue são

os rasgos as fendas da terra.

-

as correntes as coleiras são

os elos fios que unem a raiva são

as facas que rompem
as cordas que enforcam o vento
-
os latidos perdidos nas curvas
as vozes trancafiadas nas moitas
os despachos das assembleias dos mortos
- são as idades da vida
- são os registros da febre
- são os óbitos do povo
-
em troca do osso
- a carne o sangue a pele intacta
em troca do nome
- em vez do cão
(por acaso)
Homem.
*
ARISTIDES KLAFKE
" Cão"
Esquina Dorsal
*
II
Não! não carece de importância o poeta com sua estética
importa o homem, é ele quem possui as mãos
o arsenal de palavras
a artelharia de poemas
*
ARISTIDES KLAFKE
" O Poeta"
Esquina Dorsal

»1140«
RAIMUNDO CORREIA
Raimundo da Mota Azevedo Correia
Nasceu a 13 de maio de 1859, signo de touro
no Estado de Maranhão, Brasil, dentro de um
vapor chamado "São Luis".
Poeta, estudou Direito na "Faculdade de Direito", em
São Paulo, professor na "Faculdade de Direito
de Ouro Preto", Minas Gerais, Brasil.
Participou da política em vários cargos.
Fez parte da "Academia Brasileira de Letras". . .
Estilo Romântico e Parnasiano.
Faleceu a 28 de dezembro de 1918.
***
CANTOePALAVRAS
****
Primeiros Sonhos, 1879; Sinfonias, 1883;
Versos e Versões, 1887; Aleluias, 1891;
Poesias, 1898. . .
-
I
Desliza o período das flores. . .
Pela janela aberta, além se via
Do Sol retinto em sangue, a pradaria
Esbatendo nos grandes resplendores.
-
No seu olhar pintavam-se os terrores
Que a morte gera, e a palidez tingia
Seu semblante molhado da agonia
Derradeira nos gélidos suores. . .
-
E ai! quando ouvi-lhe no último momento,
Seu lamento final, convulso, aflito,
foi-me um gálido de dor esse lamento;
-
E atravessou-me o seio, como um grito
Que, fúnebre, retumba de um convento,
Nas abóbadas negras de granito. . .
-
RAIMUNDO CORREIA
"Últimos Momentos"
***
II
Sentes-lhe, acaso, o soluço grito,
Os bravos estos, o guaiar plangente?!
Ah! Ninguémvê, mas todo o mundo sente
Dentro, n'alma, um Atlântico infinito. . .
-
De um mar à borda eu me debruço aflito. . .
Não mires a este espelho a alma inocente!
Verto aí, muita vez, meu pranto ardente;
Muita vez, clamo; muita vez medito. . .
-
E ele, ora, inchado, estoira e arqueja e nuta;
Ora, túrgido, a c'roa vitoriosa,
De rutilante espuma, aos céus levanta;
-
Ora, plácido, ofega. . . e só se escuta
A saudade - sereia misteriosa,
que em suas praias infinitas canta. . .
-
RAIMUNDO CORREIA
"Pélago Invisível"
*
III
Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito côche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
rodou por entre os ouropéis mais finos . . .
-
Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalhar de sinos . . .
-
Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torrões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;
-
E em tôrno os úmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a Jerusalém de tantos sonhos! . . .
*
RAIMUNDO CORREIA
" Saudade "
Poesias
*
IV
Esbraseia o Ocidente na agonia
O Sol . . . Aves em bandos destacados,
Por céus de oiro e de púrpura raiados,
Fogem . . . Fecha-se a pálpebra do dia . . .
-
Delineiam-se, além da serrania
Os vértices de chama aureolados,
E em tudo, em tôrno, esbatem derramdos
Uns tons suaves de melancolia . . .
-
Um mundo de vapores no ar flutua . . .
Como uma informe nódoa, avulta e cresce
A sombra à proporção que a luz recua . . .
-
A natureza apática esmaece . . .
Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Surge trêmula . . . Anoitece
*
RAIMUNDO CORREIA
" Anoitecer "
Poesias
»1141«
MARTINS FONTES
José Martins Fontes
Nasceu 23 de junho de 1884, signo de leão.
Santos, litoral do Estado de São Paulo, Brasil.
Poeta
Médico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
1906. Amigo de Olavo Bilac, viaja para a Europa, 1914.
"Academia de Ciências", Lisboa, Portugal, 1924.
Participou, em vários jornais.
Considerado, como um dos melhores Poetas da Língua
Portuguesa . . .
Homenagens: Academia de Ciências e Letras de Lisboa, Portugal.
Comendador de "São Tiago da Espada"; Cavaleiro da "Espanha";
"Par da Inglaterra"; "Academia Paulista de Letras" . . .
Museu "Martins Fontes"
Faleceu 25 de junho de 1937.
*
CANTOePALAVRAS
Verão,1917; Boêmia Galante; Vulcão, 1926;
As Cidades Eternas; Rosicler; Volúpia;
Escarlate; Sombra, Silencio e Sonho;
A Fada Bombom; Schaharazade;
A Flauta Encantada; Nos Rosais das Estrelas;
Paulistânia; Guanabara; I Fioretti;
Sol das Almas; Canções do Meu Vergel
Decameron(conto); Nós, as Abelhas;
Arlequinada(teatro); Partida para Citera(teatro;
Nos Jardins de Augusto Conte; Vulcão . . .
*
I
O Homem
Ó Terra! Eu sou teu Rei! O espírito divino
Me insufla: a Natureza entremostra: Eu termino.
-
A Terra
Homem, és cinza, és poeira, és vérmina, somente.
Eu, sim! Concentro a vida, a energia imanente!
-
Saturno
Cala-te, grão de areia. As vanidades tuas
Fazem rir o esplendor das minhas Sete Luas!
-
O Sol
Silêncio! Eu sou pastor! Poderei apagá-los,
Todos, com meu clarão planetas meus vassalos.
-
Sirius
Átomo, não és nada. Olha-me, considera
O flamejo imortal que arfa em minha cratera!
-
Aldebaram
Mas que és tu comparada, ó fagulha, à potência
Dos três faróis iriaes da minha refulgência?
-
Arcturus
Ante os meus quatro sóis, são apenas centelhas,
Bruxoleando, essas três almenaras vermelhas . . .
-
O Cometa
Eu caminho! Tremei! Eu sou luz! Eu sou asa!
No meu pirilampear todo o espaço se abrasa!
-
O Setentrião
Se Eu, por acaso, andasse, Eu, candelabro aceso,
Esmagaria o céu com o fulgor do meu peso!
-
O Zodíaco
Que és tu, equiparado ao que Eu sou? Fuljo e vibro!
toda a glória do azul nos ombros equilibro!
-
A Via-Látea
Pólens, plasmas astrais, germes multidoirados!
Milhões! Milhões! Milhões! Milhões! multiplicados.
-
As Nebulosas
O desmarcado, o sem limite, o inabordável!
O inaccessível completando o inexplicável!
-
O Infinito
O ser múltiplo em mim unifico e transmudo.
-
Deus
Bastar-me-ia soprar: sombra seria tudo.
*
MARTINS FONTES
"Abismo"
Escarlate
*
II
Há quanto tempo não te vejo!
Há quantos meses não te beijo!
Meu doce amor!
Sim, bem o sei, que sou, de fato,
Além de injusto e muito ingrato,
Namorador.
-
Mas tu, que esqueces e perdoas,
Quando me encontras, abençoas
A ocasião
Que permitiu fosse possível,
Ao teu amante incorrigível,
Beijar-te a mão.
-
Jamais fizeste uma censura.
Sofres, mas calas a amargura,
Quando me vês.
E eu, porque nunca me castigas,
Já namorei tuas amigas
Todas talvez!
-
Ainda há dez meses, de repente,
Apaixonei-me loucamente,
Endoideci.
Mas tu, que nunca me condenas,
Tiveste dó das minhas penas.
Longe de ti.
-
Quantas paixões, quantos amores
Desilusões e dissabores,
Já suportei!
Entre alegrias e torturas,
Beijei trezentas criaturas,
E a ti amei.
-
Éramos nós duas crianças,
Cheias de sonhos e esperanças,
Quando, a sorrir,
Aproveitando um teu gracejo,
Trocamos o primeiro beijo,
Sem o sentir.
-
E nossas bocas se colaram,
E os nossos sangues misturaram,
Na transfusão!
Em torno o Rio de Janeiro
A candentear, com um braseiro,
Era um vulcão!
-
Nada quiseste, nada, nada.
E te cravei, sacrificada,
Sete punhais!
E foste sempre linda, linda,
Como outra igual não vi ainda,
Nem verei mais.
-
Tens a finura, a inteligência,
A distinção, a quintessência,
És um primor!
Bendita seja a tua graça,
Maravilhante ave de raça,
Fúlgida flor!
-
Fico sonhando às vezes diante
Da perfeição do teu semblante,
Do teu perfil!
Tu, que me estimas e me queres,
És a mais nobre entre as mulheres
Que há no Brasil!
-
Perdão, perdão, perdão mil vezes,
Como suplicam os franceses
Do grande tom . . .
Mil, cem mil vezes obrigado,
Pelo teu beijo perfumado,
Flor e bombom . . .
-
Pelas violetas que te dava,
Quando, alta noite, penetrava
No teu jardim . . .
Pelas estelas refugentes
Que foram nossas confidentes
No azul sem fim . . .
-
E, antes de tudo, por aquela
Trova que ouvimos, tão singela,
Ser o primeiro amor na vida
O único amor.
*
MARTINS FONTES
"Tu só, Tu!"
Escarlate
*
III
Meu Coração, pôs-se a cantar
Pôs-se a cantar, com tal calor,
Mas com ardor tão singular,
Que, à cçara voz do seu cantar,
clara canção do seu amor,
Eu lhe falei, a meu pesar,
tentei trazê-lo até à razão . . .
Mas qual! mas qual! meu Coração
Não deu ouvido ao meu falar . . .
Pôs-se a cantar, pôs-se a cantar . . .
- Ai, Coração, meu coração,
canta mais baixo, bem devagar,
Porque é tão doida essa canção
Que o riso pode provocar . . .
Ela é tão moça e tem um ar
De ouvir, sorrindo, o teu cantar . . .
Pois tu não vês, pois tu não vês,
Que Ela vinte anos tem, talvez,
Menos que tu, meu Coração?
Que se lhe agrada o teu cantar ,
Nada este agrado quer dizer . . .
E irá, mais tarde, torturar
A tua insana adoração?
Irás sofrer, irás sofrer,
Sofrer de amor, penar de amor . . .
Porque tu vais envelhecer,
E Ela, a brilhar, alveja em flor . . .
E o coração me respondeu,
Sempre a cantar, sempre a cantar:
- O Amor! o Amor! o Amor sou eu!
Ó Primavera! ó Arrebol!
Manhã de Sol! Manhã de Sol!
Beijai! Amai! Sonhai! Sonhai!
Cantai! Cantai! Cantai! Cantai!
Nunca envelhece quem amar!
O Amor conserva o parecer
De um pagem lindo, a delirar!
De um astro de ouro, a resplender!
E eu em lugar, eu . em lugar.
De, dia a dia, envelhecer,
Como os jasmins do teu solar,
Enamorados ao luar,
Sinto-me rejuvenescer!
E, louco, assim, a gorjear,
Sem refletir, sem descansar,
Meu Coração vive a cantar!
*
MARTINS FONTES
" Canção do meu Coração"
Rosicler

»1142«
ABGAR RENAULT
Nasceu a 15 de abril de 1903, signo de áries.
Barbacena, Estado de Minas Gerais, Brasil.
Poeta, professor, político, tradutor . . .
Homenagens:
Membro da Comissão Internacional do Curriculum
Secundário da U.N.E.S.C.O.,(1956 a 1959);
Consultor na Conferência sobre Necessidades Educacionais
da África, em Addis Abeba, para a U.N.E.S.C.O.,(1961;
Membro ca Comissão Consultiva Internacional sobr
Educação de Adultos, U.N.E.S.C.O.,(1968/1972);
Membro da Comissão Consultiva Internacional do
"The World Book Encycloplaedia Dictionary", 1963;
Membro em várias Conferências internacionais
sobre educação em nome do Brasil para a U.N.E.S.C.O.,
Paris, Teerão . . .
*
CANTOePALAVRAS
Missões da Universidade, 1955;
A Outra Face da Lua; A Zagala e o Pegureiro;
A Lápide sob a Lua . . .
*
I
O rio se entristece sob a ponte.
Substância de homem na torrente escura
flui, enternecimento ou desventura,
misturada ao crepúsculo bifronte.
-
Antes que débil lume além desponte,
a sombra, que se apressa, desfigura
e apaga o casario em sua alvura
e a curva esquiva e sábia do horizonte.
-
Os bois fecham nos olhos os arados,
o pasto, a hora que tomba das subidas.
Dorme o ocaso, pastor, entre as ovelhas.
-
Sobem névoas dos vales fatigados
e das árvores já enoitecidas
pendem silêncios como folhas velhas.
*
ABGAR RENAULT
"Solidão"
A outra Face da Lua
*
II
Era um espelho aberto no meu sono,
e nele vi, qual se um punhal me visse,
a forma e, nela, o gosto, o cheiro, a cor
de mar em concha e de sangüínea flor
por cuja posse baixam Sol e trono;
rubra concavidade e superfície
na mão, no olhar, na boca e em cada osso,
era um caminho, uma floresta e um poço
com uma água de fogo e fantasia,
de onde jorra a tormenta que alumia
e traz a treva em único relâmpago.
De contemplar a fulgurante rampa,
coroa tive ▬ e cetro, e fui meu dono;
fechado o espelho, aberta a escuridade,
vagueio entre os penedos do meu sono,
acesos de esperança e de saudade.
*
ABGAR RENAULT
"Era um Espelho"
A outra Face da Lua
*
III
Retomo um grumo de nada,
arbítrios de água e de vento,
restos de espuma e de pétala,
fragmentos de imensidões,
tristes pedaços de altura,
mil pequeninos outroras,
gestos de azul pensamento,
este instante lhes misturo,
e sobre o meu chão ardente
surdamente recomeço
a distante construção.
Ergo de mim e de mármore
as esculpidas paredes,
e de sóis e luares verdes
pinto o fugitivo céu
do seu teto de manhãs.
De algas, de musgos e pérolas
recamo o límpido assoalho
onde os ritmos essenciais
deixarão seus pés de tempo.
Dourados rios carrego,
que ficarão congelados
quando alvas constelações,
em lâminas de relâmpagos,
dentro do ouro mergulharem
e nele ardente esculpirem
o seu brilho esbelto e nu.
-
Águas de luas e luas
pendentes de alvas muralhas
multiplicarão em mil
a composição de gelo,
de jardins, aves e gelo,
de verde Sol, gelo e gelo,
de gelo, de gelo e gelo.
De altos caprichos de nuvens
componho as linhas do leito
em que o sonho dormirá,
(▬ o sonho de não e nunca,
que nem sequer foi talvez
e, sendo luz, apagou
caminhos e descaminhos
de derradeiras estrelas)
em que o sonho sonhará
o seu corpo de segredo,
de esquiva névoa e de tudo.
Vinhos multicoloridos,
multissuaves, escorridos
dos vinhedos do crepúsculo,
acenderão os desenhos
de monólogos e diálogos
que ainda jazem no limbo
de soterrado silèncio.
As redes do meu desejo
para a praia arrastarão
estátuas de ondas desnudas,
peixes de todos os sonhos,
profundidades oceânicas,
horas de milhões de séculos,
mil memórias de corais,
ilhas, périplos, atlânticos.
Mistérios de rouxinóis,
voz de Sol em folhas verdes,
palavras de água entre avencas,
raízes e claros dedos,
vagos murmúrios de lábios
que a si mesmos já se sonham
buscando-se em outros lábios,
carregando o seu relâmpago
ao fundo do íntimo poço,
conformam uma paisagem
que os ouvidos olharão.
Aqui as aves do acaso,
dóceis a brando chamado,
virão posar, conduzindo
sob o sonho do seu vôo
todas as flores do mundo e os
frutos mais ébrios e azuis
para transparentes mãos.
Sobre a inquieta construção
a minha inquietude vela,
vela meu sangue em meus olhos:
meu gesto cala de medo,
meus passos pairam suspensos,
e o meu mais fundo respiro
é mais leve e silencioso
do que um olhar esquecido
sob pálpebra dormida.
E sei, sob a minha pele,
que reconstruo e vigilo
apenas para encontrar
nas minhas chorosas mãos,
quando um nada o desejar,
voz e olhar de um pensamento
que pelo ar contemplará
sensível poeira de lua
e pedaços de amanhã.
*
ABGAR RENAULT
"Arquiteto de Ruinas
A Outra Face da Lua
*
IV
Era um espelho aberto no meu sono,
e nele vi, qual se um punhal me visse
a forma e, nela, o gosto, o cheiro, a cor
de mar em concha e de sangüínea flor
por cuja posse baixam Sol e trono;
rubra concavidade e superfície
na mão, no olhar, na boca e em cada osso,
era um caminho, uma floresta e um poço
com sua água de fogo e fantasia,
de onde jorra a tormenta que alumia
e traz a treva em único relâmpago.
De contemplar a fulgurante rampa,
coroa tive ▬ e cetro. e fui meu dono;
fechado o espelho, aberta a escuridade,
vagueio entre os penedos do meu sono,
acesos de esperança e de saudade.
*
ABGAR RENAULT
"Era um Espelho"
A Outra Face da Lua

»1143«
MAURO MOTA
Mauro Ramos da Mota e Albuquerque
Nasceu a 16 de agosto de 1912,
 signo de leão.
Recife , Estado de Pernambuco, Brasil.
Poeta, cronista, jornalista, professor . . .
Faleceu em 22 de agosto de 1984.
*
CANTOePALAVRAS
Elegias, 1952;
A Tecelã, 1956; Os Epitáfios, 1959;
Capitão de Fandango (conto), 1960;
O Galo e o Catavento, 1962;
Terra e Gente(prosa), 1963; Canto ao Meio, 1964;
Votos e Ex-Votos (prosa), 1968; Itinerário, 1975 . . .
*
I
A semente na mão,
Semente do amanhã,
De copa, sombra e côr.
-
Que homens e passarinhos
Aqui germinarão?
-
A semente da fruta
E da mesa,
Da porta e do caixão,
Resvala no amanhã;
Entra no chão.
*
MAURO MOTA
"A Semente"
O Galo e o Catavento
*
II
Meses e meses recolhida e murcha,
sai da casa, liberta-se de estufa,
a flor guardada(o guarda-chuva). Agora,
cresce na mão pluvial, cresce na rua,
sustento o caule de uma grande rosa
negra, que se abre sôbre mim na chuva.
*
MAURO MOTA
"O Guarda-Chuva"
O Galo e o Catavento
*
III
Vem vindo o violento vento,
zunindo ziguezagueia,
frio, frigido,friorento,
vara o vidro das vidraças,
geme, gargalha, golpeia.
-
Corre do sul para o norte
o vento frio da morte.
-
Vem vindo o vento violento
praticar infanticídios.
Mata as rosas em botão,
rosas cobrem outras rosas
deixadas mortas no chão.
-
Corre do sul para o norte
o vento frio da morte.
-
Vem vindo o violento vento,
geme, gargalha, golpeia,
zangado, zonzo na zoada,
o corisco chicoteia
a noite despedaçada.
-
Corre do sul para o norte
o vento frio da morte.
-
Recua e ruge raivoso
o vento vertiginoso.
Percebe o terror dos ninhos,
fuzila feroz famílias
inteiras de passarinhos.
-
Corre do sul para o norte
o vento frio da morte.
-
Suicídio das águas virgens
que se jogam na amplidão,
pulam corpos das cachoeiras
nas duras pedras do chão.
As águas noivas vestidas
de espumas para casar,
o vento violento afoga
nas profundezas do mar.
-
Corre do sul para o norte
o vento frio da morte.
-
Violento vento feroz
passou pelo cemitério,
que, entre os longos dedos frios,
o vento veloz transporta
os feridos fios finos
da cabeleira da morta.
-
Corre do sul para o norte
o vento frio da morte.
*
MAURO MOTA
"Balada do Vento Frio"
Elegias
*
IV
No espaço a inquieta pluma rodopia,
rodopia no espaço a pluma inquieta.
Na haste, a gôta de sangue da agonia
oscilante no espírito da queda.
-
O espaço é grande e azul demais para essa
pluma plainando solitáriab e fria
sob o tecto de abril, a coisa aérea,
leve levada pela ventania
-
para o chão, aproxima-se suave,
nota de canto, ainda um pouco da ave,
quando afinal termina o giro e pousa,
-
vê-se que a pluma exânime, caida,
era música e sal, era o gemido
migrante da asa e a lágrima do vôo.
*
MAURO MOTA
"Soneto Plumário"
O Galo e o Cata-Vento
*
V
Tôrre feita de cantos e de plumas
ou feitas de argamassa as andorinhas?
A simbiose do pouso nos litúrgicos
Beirais e a migração de alvenaria.
-
Era a torre da Igreja ornitológica,
ondea côr da manhã se suspendia.
Era uma ave de bronze na gaiola,
era a língua do sino prêsa à corda.
-
Mas quando, no intervalo dessa pena,
no seu repique matinal batia,
era a coletivíssima revoada:
-
asas de cal e músicas de penas,
caindo todas pelo chão da praça
como se a torre se despedaçasse.
*
MAURO MOTA
"As Andorinhas"
Os Epitáfios
*
VI
De que distância
chega essa chuva
de asas, tangida
pela ventania?
-
Vem de que tempo?
Noturna agora
a chuva morta
bate na porta.
-
( As biqueiras da infância, as lavadeiras
correm, tiram as roupas do varal,
relinchos do cavalo na campina,
tangerinas e banhos no quintal,
potes gorgolejando, tanajuras,
os gansos, a lagoa, o milharal).
-
De onde vem essa
chuva trazida
na ventania?
-
Que rosas fez abrir?
Que cabelos molhou?
-
Estendo-lhe a mão: a chuva fria.
*
MAURO MOTA
"Chuva de Vento"

*
VII
Pousa no topo da haste como peça
branca do catavento, na cumeeira
da casa. O catavento gira, e o galo
mudo, esculpido em folha, só, no aéreo
poleiro, também gira, gira, gira.
Ventos catados pelo catavento
tentam levá-lo. O galo, todavia,
não vai. (come as rações da ventania.)
Permanece trepado no mirante.
Estica, às vezes, o pescoço de aço
para onde? Cego e preso, pelo espaço
o que procura? Espreita a madrugada
em que lhe possam rebentar o canto
e o voo metalúrgico das asas.
*
MAURO MOTA
"O Galo e o Catavento"
O Galo e o Catavento

»1144«
DARCY DAMASCENO
Darcy Damasceno dos Santos
Nasceu a 02 de agosto de 1922, signo de leão.
Niterói, Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
Poeta, jornalista . . .
Faleceu em 1988.
*
CANTOePALAVRAS
Poemas, 1946; Fábula Serena, 1949; Pagem,1951;
A Vida Breve, 1951; Jogral Caçurro, 1958 . . .
*

I
Tanto crepe fôra pouco
Para o céu daquele dia.
Tanto Sol em suas bocas
E dizer que se morriam!
-
Um lábio de azul e cinza
Roçava a palha do dia,
Quando foram de mãos dadas
Pela estrada amanhecida,
A ver o vale vizinho
Donde era a sombra sumida
E onde o amor todo se inflama
Num perene meio-dia.
Em silêncio caminharam
▬ E que Sol dentro lhes ia!
Entanto, o Sol era crepe
Como o Sol fora, no dia . . .
-
▬ Quando chegue, Deus me guarde
De lembrança de família.
Fique o pai com seu tesouro,
Minha mãe com suas filhas.
▬ Quando a estrada chegue ao alto,
Hás-de ver que maravilha!
-
tudo é mar derredor
E sôbre ele assenta o dia!
Depois, quando vai descendo,
Vem o vale com a igrejinha
E, verde, o campo de golfe.
▬ Aperta tua mão na minha . . .
▬ Tens medo, amor? ▬ Não foi nada.
Mas senti como se um dia
Eu tivesse estado assim,
E tomou-me um calafrio . . .
Nunca vi jogarem golfe.
-
▬ Descansa, amor. Quando aliso
Teus cabelos, um soluço
Fica prêso dentro de mim,
E um desejo de chorar
Beijando teus olhos, minhas
Mãos te apertando a cintura . . .
▬ Também sempre entristecia,
Quando devia alegrar-me.
Mas tudo vem a seu dia.
▬ Não lembres mais. Nosso amor
É só o que importa. Êste dia
Vai ser nosso a vida inteira,
Que agora é que principia.
▬ Abraça minha cintura,
Que é mais suave a subida.
-
Salsa língua de ouro e níquel
Lambia o lábio da fina
Areia, quando desceram
Pela estrada que esplendia,
Chegando ao vale onde a sombra
Era memória abolida
E à fronde do amor inflama-se
A criatura consentida.
No campo verde, os inglêses
jogavam, passando a vida,
E pela praia passavam
Árdegas éguas sem brida,
Enquanto o pai recontava
Esmeraldas e safiras.
E quando em veludos verdes
Os diamantes mais ardidos
Rolaram, o amor aos ares
Alçou-se, de sob a vide.
*
DARCY DAMASCENO
"Morrer de Amor"
Jogral Caçurro

*
II
Pensei teu sonho suspenso
De um dia madurado.
Pensei teu sonho no tenso
Fio de água, alto, olvidado.
-
Cresceu na tarde; era infenso
Teu sonho ao veio encontrado
Entre cismas, era imenso,
Amor meu, ai, meu cuidado!
*
DARCY DAMASCENO
"Improviso"
A Vida Breve
*
III
Alta janela
Quem te deu vida tivera
Outra vida e mais te dera
(Fôra bela)
Foi arco de cimitarra
E agora se destempera
Na prima de uma guitarra
(Não aquela)
Quem te deu vida te dera
Outra vida, mais tivera
Alta Janela.
*
DARCY DAMASCENO
"Guitarreio"
A Vida Breve
*
IV
Quem te sonhara plasma de água e canto,
Límpida e nua, rosa de cristal,
substância de silencio concentrado
Egressa de meu sonho para o azul.
-
Quem te cantara acima de meu sonho,
- Quedo este amor - só puro pensamento
E corpo nu, beleza fabulosa 
Que a morte apenas torna perdurável.
-
Não mais meu canto, que hoje serenado,
Pastor de sombras,  te transmuta em símbolos,
Alheio ao tempo, junto a um velho rio.
-
Não mais, que, a vida alimentando,
Flui subterrâneo, em mito transformado.
*
DARCY DAMASCENO
"Soneto"
Fábula Serena

»1145»
MAURÍCIO SEGALL
Nasceu em 1926, Berlim , Alemanha.
Ainda muito criança mudou para o Brasil . . .
Filho de Lasar Segall, (emigrante, judeu, pintor, escultor
gravurista).
Poeta, teatrólogo, economista, político(preso político,
na ditadura).
Diretor e
fundador do "Museu Lasar Segall",1967, durante 30 anos e diretor do Teatro São Pedro. . .
*








Pintura"Navire d'Emigrants"(Navio de Emigrantes)
1939/1941
Lasar Segall(1891/1957)
Museu "Lasar Segall", São Paulo, Brasil.



CANTOePALAVRAS
A Formatura(teatro),1967;
O Coronel dos Coronéis(teatro), 1979;
Máscaras ou Aprendiz de Feiticeiro, 2000;
Controvérsias e dissonaâncias, 2001;
Poesia ao Acaso, 2005;
Dos Bastidores à Ribalta . . .
*
I
O quadro e a exposição
o livro e a biblioteca
a palavra e a edição
o solista e a orquestra
o dedo e a mão
o disco e a discoteca
a nota e a composição
o convidado e a festa
o grão do trigo e o pão
a árvore e a floresta.
*
Eu na multidão?
*
MAURÍCIO SEGALL
"O Quadro e a Exposição"
Pano pra Manga
Máscaras ou Aprendiz de Feiticeiro
*
II
Quando o mar ondula
a linha do horizonte oscila
tal qual cobra d'água
que serpenteia no alagado
-
O mar alto
quando baixa
é prenúncio de salto
antes de novo mergulho.
-
Na crista da onda
a vista alcança
o horizonte de espuma
que asperge as nuvens.
-
No leito do vale
a vista estanca
no muro de água
que inunda o fundo.
-
Como o peão no rodeio
a cavalo marinho
o marinheiro e o barco
corcoveiam feito doidos.
-
É assim que o mar baderna,
quando mareia,
o equilíbrio instável
do lago materno.
*
MAURÍCIO SEGALL
"Quando o Mar Ondula"
Golfo Corcovado
Máscaras ou Aprendiz de Feiticeiro
*
III
Com um dedilhar ao violão,
você remexeu com minha vida.
Eu era uma corda hipertesa,
faltavam teus dedos no diapasão.
-
Na corda recheada de tensão
os toques eram mui delicados,
porém as notas flutuavam sós
e_a melodia não nascia não.
-
Os dedos tamborilavam em vão.
O alaúde silenciou a voz
e_o instrumento não achou a mão.
-
Sem música, viver é solidão.
Artelhos se transformam em garras
e_a corda se transmuda_em vergalhão.
*
MAURÍCIO SEGALL
"Com um dedilhar ao Violão"
Desencontro:Soneto em Dó para uma Rima Só

»1146«
CACÁ MOREIRA DE SOUZA
Nasceu em 1946, Lençois Paulista, Estado de São Paulo, Brasil.
Poeta, professor.
Formado em Letras, na U.S.P.(Universidade de São Paulo). . .
*
CANTOePALAVRAS
Um Canto, 1997, Os Intransitivos . . .
*
a escova
no lixo
a lixa de unha
no lixo
o lençol de linho
sujo de lixo.
-
cigarros apagados
cartas rasgadas
conta conjunta
cancelada
fala entrecostada
filho abortado
a identidade
roubada.
*
CACÁ MOREIRA DE SOUZA
"a escova no lixo"

»1147«

DONIZETE DE OLIVEIRA
Nasceu em 26 de agosto de 1956, signo de virgem.
Matão, Estado de São Paulo, Brasil.
Poeta, fotógrafo . . .colaborou com alguns poemas e textos 
filosóficos em revistas . . .
*
CANTOePALAVRAS
. . . . . . . . . . . . . . . . .
*
Diga-me, por onde andei . . .
Se apenas
Meros rabiscos deixei
Infortúnios de um passado distante
Diante da realidade
Sempre me calei
-
Rastros perdidos nas sombras
De um túnel mal iluminado
Onde em um espelho opaco
Busco o refúgio de meu pecado
Seria um castigo iminente
Ou apenas infortúnios de um angustiado.
-
Qual lábios ressequidos
Que nunca busquei beijar
Olhares perdidos no nada
Em uma escuridão a vagar
Qual toda eternidade
Menos rabiscos . . . continuarei a soletrar!
*
BENEDITO DONIZETE DE OLIVEIRA
"Meros Rabiscos"
Vozes e Saudades






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